O menu era bem explícito: gafanhotos com chocolate, baratas da argentina, bolo de farinha de grilo com larvas. Mesmo assim, diante da mesa posta, ninguém se furtou à experiência – era quase hora de almoço e isso deve ter ajudado. O mais fácil foi começar pelas Zofobas morio (um tipo de larvas também conhecidas como superminhocas). Um petisco frito, crocante, que vicia, como se fosse tremoço. “É muito bom a acompanhar cerveja”, segreda Patrícia Borges, 38 anos, professora de cozinha na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, em Leiria. “Parecem tiras de milho”, comenta o presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares, que presidiu à cerimónia de inauguração da exposição sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, traçados pelas Nações Unidas, no Museu Municipal de Loures. Às baratas nem toda a gente conseguiu chegar. Mesmo completamente tapadas por uma generosa camada de chocolate não deixam de ser baratas.
Para já, Patrícia Borges só faz estes pratos em eventos de degustação. Desde que a ONU recomendou o consumo de insetos como solução para os mais graves problemas da Humanidade, como a fome ou a poluição, que a chef começou a engendrar receitas com baratas, gafanhotos, grilos e minhocas. Até há um nome para o consumo de insetos pelo homem: entomofagia. Mas há um completo vazio legal, lamenta a chef: “É um mercado muito apetecível, mas em Portugal ainda falta legislação.”
Mais caro que camarão
Na verdade, o problema atinge toda a Europa. E o interesse é tanto que, em abril, se formou a Plataforma Internacional dos Insetos para a Comida e Alimentação, com o objetivo de pressionar a União Europeia a legislar a criação para alimentação humana e animal.
Patrícia Borges sabe que há muita gente com intenção de começar um negócio nesta área, à espera das regras. “Vejo duas grandes aplicações: a experiência gastronómica (quem come um inseto nunca mais se esquece), e o mercado dos suplementos alimentares (para desportistas) devido ao grande teor proteico”, avança a chef. Nos Estados Unidos, aliás, já se encontra pó de gafanhoto nos batidos dos ginásios.
A chef adverte que não se pode apanhar uma barata do chão, fritar e pôr no prato. Para os seus cozinhados, compra tudo na Aki à Bixo, uma loja de alimentação para animais onde os insetos são criados em estufa, com uma alimentação biológica, e vendidos vivos. Enquanto o mercado não se liberalizar, será um produto gourmet. Os gafanhotos são vendidos, em média, a 22 cêntimos o bicho e as zofobas a 200 euros o quilo. Não é para todas as bolsas. Nem para todas as bocas.
Receita: Zofobas com picante
1.º Mergulhar as minhocas em água a ferver até estarem mortas. Levar ao forno 10 minutos, a 180º, para desidratar. 2.º Fritar em azeite, com malagueta e pimenta caiena. 3.º Servir com molho agridoce
A vantagem do inseto
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recomenda o consumo de insetos como resolução de boa parte dos problemas do mundo. As vantagens dos bichos:
- Eficiência Convertem 2 kg de alimento em 1 kg de massa corporal. Já os bovinos necessitam de 8 kg de alimento para produzir 1 kg
- Alterações climáticas Baixa produção de gases com efeito de estufa (os porcos produzem dez a 100 vezes mais)
- Recursos Necessitam de muito pouca água e dispensam grandes extensões de terreno
- Poluição Alimentam-se de resíduos orgânicos, como restos de alimentos e dejetos humanos, transformando-os em proteína de alta qualidade
Superalimento
A Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar fez as contas ao valor nutricional e encontrou um excelente equilíbrio entre o valor de gordura e o teor de proteínas:
Gafanhoto desidratado (100g)
- Energia: 434,29 kcal
- Lípidos (gorduras insaturadas): 9,8 g
- Hidratos de carbono: 15 g
- Proteína: 71,5 g
- Minerais: 3,7 g