A entrevista, de 95 minutos, foi feita na segunda-feira, 8, no seu gabinete do 13.° andar da Avenida 5 de Outubro. Nuno Crato, 62 anos, ministro da Educação e da Ciência, pediu para falar livremente, sem ter de se socorrer de números. Estes chegaram mais tarde, por email. Sorriu várias vezes, ao longo da entrevista. Nunca perdeu a compostura.
O que espera deste ano escolar?
Espero normalidade: os professores empenhados, os diretores empenhados, os alunos contentes por regressar à escola. Há algumas novidades, mas não muitas. As principais novidades foram introduzidas nos primeiros anos do mandato e estamos agora a consolidá-las.
Mas, este ano, não há alterações curriculares. Ou há?
Não. Este ano vão alargar-se aos anos seguintes. Centrámo-nos naquilo que consideramos as matérias fundamentais: matemática, português, ciências, geografia, história e inglês. De modo que os jovens possam adquirir, ao longo da sua escolaridade obrigatória, as bases para prosseguir a sua vida, tendo liberdade de escolher o que quiserem.
Uma das mudanças curriculares, a de matemática, foi amplamente criticada pela Associação dos Professores de Matemática, no ano passado, quando a apresentou. Como ouviu essas críticas?
Sobre o ensino da matemática, há um desacordo muito profundo entre aquilo que pensam alguns dirigentes da Associação de Professores de Matemática e aquilo que eu penso.
A presidente [Lurdes Figueiral] disse que as mudanças no programa iriam encaminhar os alunos para o ensino profissional.
Não ter a matemática de uma forma estruturada, de um modo exigente, é que encaminha os alunos para evitarem matérias técnicas e estudos científicos. Na visão que imperou, durante muito tempo, o aspeto lúdico do ensino predominava. A estrutura desaparecia. Considero que a estrutura das matérias é fundamental, que a sequência é fundamental e que cada disciplina tem a sua lógica. Não é possível estar a estudá-la à medida que apetece, com base em atividades dispersas.
Era isso que acontecia nos programas de matemática anteriores?
Era isso que estava recomendado nos programas.
Mas os resultados dos alunos a matemática, com base na filosofia que critica, melhoraram. Em 2012, os resultados do PISA [Programa da OCDE para avaliar os conhecimentos a matemática, ciências e língua materna] melhoraram – subiram para 487 pontos, face a uma média da OCDE de 494.
Têm melhorado. O fator que eu destacaria é a atenção aos resultados, com a instituição do exame do 9.º ano. Antes do PISA, não sabíamos exatamente em que ponto nos colocávamos relativamente ao resto do mundo. E antes dos exames de português e matemática, os jovens terminavam todo o ensino básico sem uma única avaliação externa.
Disse que espera que este seja um ano letivo normal. Mas ainda há dois dias os organismos do Ministério da Educação contactaram com os diretores das escolas para que estes dessem conta dos professores com horário zero. Afinal, não está tudo bem.
Horários zero houve sempre. Mas ninguém quererá horários zero: nem os professores nem os contribuintes.
Mas porquê a uma semana do início do ano letivo? Com telefonemas entre as 22 e as 24 horas, para os telemóveis dos diretores, a pedir que lhes indicassem os horários zero?
É um processo que vai decorrendo até ser ajustado. Há professores que adoecem, que ficam de baixa. Estes acertos vão-se fazendo e é isso que se está a passar.
Quantos professores com horário zero existem?
Não lhe sei dizer. [Os dados posteriormente enviados dão conta de 607 professores nesta condição, em dezembro de 2013].
O prolongamento do ensino obrigatório até ao 12.º ano não exige mais professores?
Mesmo com o prolongamento do ensino, o número de alunos é inferior. Desde os tempos do professor David Justino [ex-ministro da Educação de Durão Barroso], os inscritos no básico diminuíram em cerca de 50 mil. E o sistema não é completamente fluido: um professor do ensino básico não pode ensinar inglês do 12.º ano.
O que acontecerá aos professores com horário zero? Vão para a “requalificação”?
Queremos que haja zero professores com horário zero.
Porque não autorizou as rescisões aos mais de 3 mil professores que as pediram?
Esse programa é gerido pela Secretaria de Estado da Administração Pública.
Não havia dinheiro suficiente para as pagar?
As rescisões são pagas. Isso pesa na Administração Pública. E os que são necessários ao Estado não são profissionais que se possam dispensar.
Foram essas as razões?
Sim, foram.
O problema com as rescisões vai pôr em causa o início do ano escolar?
Penso que não. São problemas pontuais aos quais estamos habituados a responder. A propósito dos professores, deixe-me acrescentar que fizemos algo de inédito, a vinculação extraordinária de professores…
Refere-se aos professores contratados que, junto de Bruxelas, fizeram valer os seus pontos de vista?
Os professores expuseram a Bruxelas e Bruxelas perguntou-nos o que íamos fazer. Não há, de momento, nenhuma decisão de Bruxelas sobre aquilo que Portugal deve fazer.
Alguns desses professores já têm mais de 50 anos…
[Sorrisos.]
E 60, em alguns casos. Ensinaram durante décadas.
Iniciámos a vinculação extraordinária um ano antes de esse projeto ter seguido para Bruxelas. Antes disso, já estávamos preocupados com a estabilidade do sistema. Criámos uma regra semiautomática segundo a qual, se um professor estiver cinco anos em horários anuais e consecutivos, automaticamente entra no sistema. Era um problema de décadas…
Mandou realizar uma prova de avaliação aos professores contratados com menos de cinco anos. Ficou satisfeito com o processo?
Foi decisivo para a qualidade do sistema. No ensino, a qualidade dos professores é decisiva.
Esta prova permitiu separar o trigo do joio?
Não existia, até ao momento, nenhuma prova de entrada na profissão. Esta vai obrigar a uma formação mais rigorosa dos professores.
Os resultados da avaliação deram-lhe razão, quando duvidou da qualidade do ensino nas escolas superiores de educação?
Acho que tenho razão numa coisa: é necessário introduzir o máximo de exigência na formação e seleção de professores. Estamos a fazê-lo. Vai deixar de ser possível entrar numa escola de formação de professores sem fazer um exame de matemática ou de português no 12.º ano. Também mudámos o currículo da formação de professores: as matérias que vão ensinar vão ter maior destaque, quer nas licenciaturas quer nos mestrados. Ser professor não é uma profissão de recursos, é a mais bela e exigente profissão do mundo.
A classe dos professores está envelhecida: mais de 50% tem mais de 40 anos. E o senhor não está a contratar professores novos.
Mas estou a trabalhar para que os próximos sejam os mais bem preparados de sempre.
Mas não levou a cabo esforços anteriores de outros ministros na avaliação de professores do quadro.
Não é verdade. A avaliação dos professores está a decorrer normalmente.
Quais são os resultados?
A avaliação de professores está a decorrer com observação de aulas, com a avaliação de professores, não só do aspeto pedagógico mas também científico. As coisas que correm normalmente não são notícia.
Quais são os resultados dessa avaliação?
Para a progressão na carreira (quando ela abrir), as avaliações vão contar.
A progressão é limitada àqueles que tiverem certas notas?
As avaliações dão uma bonificação para uma progressão mais rápida na carreira.
O que acontece aos maus professores?
Os muito maus professores que estão na escola precisariam de ser reavaliados. A nossa convicção é que a maioria são bons professores.
Os resultados destes exames, que foram realizados aos professores contratados, não foram famosos.
Está a falar dos candidatos.
Estou a falar de professores que, em alguns casos, ensinam há cinco anos. O que acontece a um mau professor que esteja há 10 anos a lecionar? Não lhe acontece nada?
Depende do que é mau. Se for mau-mau ficará retido na sua carreira.
Mas continua a dar aulas.
Se os problemas forem graves, pode haver um processo disciplinar.
Há casos de professores afastados por causa de processos desses?
Acho que devemos ser cada vez mais exigentes.
Insisto: há professores afastados por causa desse processo de avaliação?
Não tenho dados sobre isso.
Cancelou o ensino no inglês no primeiro ciclo…
Não cancelei nada.
Há ensino de inglês no primeiro ciclo?
Sim, há.
Do que li sobre o assunto, não há.
Deixe-me explicar, a desinformação foi muito grande. O inglês era dado da seguinte maneira: não era obrigatório em nenhum ano de escolaridade. A única coisa que era obrigatória era contratar professores ou técnicos de inglês para uma atividade facultativa no primeiro ciclo.
Cancelou esse programa.
Não, não cancelei.
Mantiveram-se as aulas de inglês no primeiro ciclo que se haviam generalizado como atividades complementares?
A frequência era facultativa e muitas escolas continuaram a oferecê-las. Mas isso é secundário. Repare: o essencial é o inglês no currículo. Tornámo-lo obrigatório ao longo de cinco anos consecutivos.
Isso já está em prática?
Sim, já está.
E começa no 1.º ano do 1.º ciclo?
Não. Começa no 5.º ano. O que havia era a obrigatoriedade de oferecer uma atividade facultativa no primeiro ciclo, de qualidade variável, à qual uns jovens iam e outros não. Depois, alguns desses jovens teriam inglês no segundo ciclo, mas não era obrigatório. Alguns continuariam, ou não, no terceiro ciclo. Existia uma desorganização completa. Hoje, no segundo e no terceiro ciclos, o inglês é obrigatório durante cinco anos.
Maria de Lurdes Rodrigues [ministra de José Sócrates] criou o ensino do inglês no primeiro ciclo como atividade facultativa. O que aconteceu a esse ensino do inglês?
Continua a haver, com caráter facultativo, para as escolas que tenham condições para oferecer com qualidade. Diria que são cerca de 90% das escolas. Agora vamos instituir o inglês no primeiro ciclo, no 3.º e no 4.º anos, no currículo. Os que agora entrarem no sistema vão ter sete anos consecutivos de inglês no currículo.
Esse é um projeto para o ano letivo de 2015-16.
Sim.
Quando poderá já não ser ministro.
Sim. É uma herança que deixo. Uma boa herança.
Que boas heranças recebeu como ministro?
[Risos.]
Quais é que recebeu de mão beijada?
Por exemplo, as avaliações no 9.º ano de escolaridade, criadas pelo ministro David Justino. Mas deixe-me acabar o tema do inglês. Deixamos também a avaliação de inglês feita pela Universidade de Cambridge, que permite aos nossos jovens compararem-se com os jovens do mundo inteiro e ficarem com uma certificação internacional. Não estamos preocupados com atividades facultativas de qualidade variável.
Acha que o ensino do inglês no primeiro ciclo, como atividade facultativa, era mau?
Acho que, em alguns casos, era.
Avalia-o de forma geral como mau?
O que dissemos às escolas foi para prosseguirem, se tivessem condições para o fazer com qualidade. Demos autonomia às escolas.
A introdução do inglês no primeiro ciclo vai acabar com a tradição da monodocência?
Estamos a passar de um sistema herdeiro da I República, de pequenas escolas com um só professor, em que o único recurso era esse professor, esse mestre-escola… Estamos agora a caminhar para um modelo em que os jovens se concentram em centros escolares, onde há a possibilidade de ter atividades desportivas, musicais, de teatro, onde colaboram professores diversos. Mas continua a haver o professor-titular de turma, o responsável.
O que está a dizer é que a monodocência está ultrapassada?
Estou a dizer que a monodocência estrita está ultrapassada. E ainda bem. Mas continua a haver um professor-titular, um professor-âncora.
Porque é que está a aumentar a retenção [chumbos] dos alunos em Portugal?
As taxas de retenção no 2.º ciclo tiveram este ano uma pequena subida e isso, do meu ponto de vista, é preocupante. Não deveria existir.
Porque o senhor criou exames no 4.º ano e no 6.º ano?
Não deveria existir a retenção que existe e nós temos de a combater. Mas não queremos o chamado sucesso a todo o custo. É preciso que os alunos passem sabendo. Mas também não queremos que haja retenção nestas idades.
Nem sequer estou a falar do 2.º ciclo, estou a falar do 1.º ciclo. A taxa é de 8,4% no 2.º ano.
É uma taxa elevada, que temos de reduzir.
Houve aulas de apoio para os alunos que não tiveram boas notas na 1.ª fase do exame da 4.ª classe, e os resultados da 2.ª fase, depois de terem tido apoio suplementar a português e a matemática, continuaram a ser péssimos.
Não podemos comparar as percentagens de aprovações na 1.ª fase com as da 2.ª, porque os alunos da 2.ª fase são aqueles que estavam com dificuldades extremas, aqueles que não tiveram possibilidades de passar na 1.ª fase. O que temos de analisar é o seguinte: após o acompanhamento, houve ou não alunos com os conhecimentos e capacidades necessários para passar? Houve ou não houve? E a resposta é que sim, houve uma percentagem significativa de alunos que progrediu do 1.º para o 2.º ciclo de escolaridade graças a esse acompanhamento.
Insisto: quase um em cada 10 alunos do 2.º ano, com 7 anos, chumbaram no ano letivo de 2011-12.
Não deverá acontecer.
O que está a fazer para que não aconteça?
Há a possibilidade de se usarem os apoios da escola para atuar imediatamente sobre esses jovens. Em segundo lugar, há um número razoável de horas suplementares para ajudar os alunos em dificuldades.
A retenção também aumentou no 2.º ciclo, na transição do 6.º para o 7.º ano. Um sistema assente nos exames não vai ter esse resultado? Não vai começar a separar alunos que conseguem prosseguir os estudos e os que são destinados a outro tipo de ensino?
Nós não podemos escolher entre a avaliação e a qualidade do ensino: as duas têm de ir passo a passo.
Depende de que modo se coloca a fasquia. O senhor colocou-a muito alta.
Acho que a fasquia tem de ser colocada ainda mais alta do que está. A qualidade de ensino depende da avaliação e a avaliação ajuda à qualidade de ensino. Não queremos que todos progridam artificialmente ao longo dos anos de escolaridade.
Mas quer que todos progridam?
Quero que todos progridam sabendo.
Os números mostram que estão a progredir cada vez menos.
Os números mostram que ainda temos uma taxa de retenção elevada e que temos de a combater. Mas não a podemos diminuir escondendo a cabeça na areia.
Já que estamos a falar de taxas, continuemos. A taxa de abandono escolar precoce ainda é de 18,9 por cento. Temos o compromisso de atingir os 10% em 2020.
O importante é que continua a diminuir, mesmo num momento de grande dificuldade, como o que atravessamos. Criámos apoios e alternativas de ensino mais prático, o ensino vocacional, que mobilizaram muito jovens a continuar os seus estudos.
Vamos atingir os 10% de taxa de abandono escolar precoce em 2020?
Espero que sim. Estamos a assistir ao começo de inversão de tendência. Por exemplo, o relatório do Fórum Económico Mundial – publicado há quatro ou cinco dias – diz que o ensino do 1.º e 2.º ciclos está a melhorar, que as universidades portuguesas estão a melhorar, que a ligação entre a universidade e a indústria está a melhorar, que o ensino da matemática e das ciências está a melhorar. Repare também nos dados do ensino superior mais recentes: mais jovens no ensino superior.
As matrículas nas licenciaturas têm baixado. As vagas do ensino público têm diminuído. O número de inscritos nas universidades privadas sofreu uma quebra.
Estou a falar da colocação na 1.ª fase: os dados divulgados no fim de semana passado mostram mais alunos no ensino superior [mais 363 alunos].
Desculpe contrariá-lo mas, entre 2010 e 2013, o número de primeiras inscrições em licenciaturas em Portugal passou de 73 mil para 60 mil.
Este ano assistimos a um dado contrário a esse.
Muito longe das 73 mil de há três anos. A verdade é que, entre 2010 e 2013, passou de 73 para 60 mil.
Não estou a contrariar esse dado.
São 20% de quebra.
O que estou a dizer-lhe é que, após assistirmos a oscilações negativas num conjunto de anos que ultrapassa este Governo, temos um sinal positivo. É isso que estou a destacar. Se este sinal significa que estamos a assistir a uma inversão de tendência, só os anos dirão. Esperemos que sim.
São valores muito baixos para cumprir outro dos objetivos do Europa 2020: 40% da população licenciada entre os 30 e os 34 anos.
Este pode ser o início de uma inversão de tendências. Embora tenhamos aumentado a exigência – dantes bastava ter condições económicas para aceder, e agora também é preciso ter resultados, 50% de aproveitamento no primeiro ano e 60% no segundo -, o número de bolsas aumentou. Outra coisa que gostava de destacar são os cursos técnicos do ensino superior profissional. Tratam-se de cursos novos, de dois anos, preparados para arrancar nalguns politécnicos. Estamos convictos que, dentro de alguns anos, vão ter grande sucesso. Na Europa, é habitual estes cursos terem cerca de 10% dos estudantes do ensino superior.
Com menos 1,5% no orçamento?
Sim.
É isso que se deve esperar para o próximo Orçamento do Estado, um corte de 1,5% em termos gerais?
Por uma razão simples: continuamos com um défice de cerca de 4 por cento. Temos o compromisso de que a dívida pública se reduza para 2,5% no próximo ano. A diferença de 1,5% vai ser geral na redução do orçamento.
Mesmo com o atraso educacional que existe em Portugal? Recordo-lhe que o Governo, em 2013, gastou 4,3% do PIB em Educação e, em 2012, foram 4%. Em 2001, era 5% do PIB.
E os nossos resultados melhoraram, o número de alunos no superior pode começar a subir…
Então não precisa de mais dinheiro. Está contente com a redução de 1,5% no orçamento?
Nenhum ministro da Educação fica contente com a redução de orçamento. Com mais dinheiro, faríamos mais, nomeadamente numa área que para mim é um sofrimento terrível: a melhoria das escolas e dos equipamentos. A Parque Escolar teve de reduzir em muito o investimento e só está agora a retomar uma série de obras.
E não está a correr nada bem. A manchete do Expresso [no sábado, 6] dizia que a revisão de alguns contratos, ordenada por si no início do mandato, está a redundar no pagamento de indemnizações em tribunais arbitrais.
Não. Continuamos a pagar a fatura da irresponsabilidade anterior.
O semanário afirma que os custos são originados pela paragem de obras contratadas, a seu pedido.
É evidente que mesmo as paragens de obras têm custos. Mas também é evidente que não tínhamos hipótese nenhuma de continuar o endividamento galopante. Herdámos um endividamento de quase mil milhões de euros na Parque Escolar.
Neste momento, a quantidade de pessoas que obtêm o grau em idade adulta é muito inferior por causa do fim do programa Novas Oportunidades.
Estamos preocupados especialmente com a formação real dos portugueses.
As Novas Oportunidades não permitiam uma formação real?
A nossa avaliação ao programa não é muito favorável. Não serve para nada oferecer diplomas.
O problema mantém-se. Temos uma população adulta pouco qualificada. Menos de 25% da população ativa tem o 12.º ano terminado. No resto da Europa, a média é de quase 80%.
Esse é um problema que tem de ser ultrapassado, como é evidente.
Mas o número de inscritos no ensino recorrente é baixo. Como é que se qualificam dois milhões de pessoas? Se estes números continuarem, o processo vai levar 40, 50 anos.
Há um empenho muito grande por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional e por parte do Ministério do Emprego e da Segurança Social nessa área. Mas é um trabalho que tem de ser feito de forma diferente do modelo escolar, embora continuem a existir ofertas de ensino e de formação de adultos. Como Ministro da Educação, estou preocupado com a formação de todo o País, mas a minha prioridade, pelo mandato que tenho, é a qualificação dos jovens.
Mas nós temos mecânicos e carpinteiros. Não temos é pessoas com o 12.º ano. Quem pode conferir essas qualificações académicas sem ser o Ministério da Educação?
O Ministério do Emprego, pelos centros de emprego, também as podem atribuir. As vias continuam abertas e continuamos empenhados em auxiliar os adultos que pretendam continuar os estudos.
Propôs um sistema de ensino dual, à imagem do que existe na Alemanha. Na prática, isso implica que os alunos vão passar parte do tempo nas empresas, o que será possível a partir do 7.º ano.
Não, não.
Então corrija-me.
O ensino dual apenas existe para jovens no ensino secundário. Uma coisa é o ensino vocacional, que existe no ensino básico para jovens que tenham duas retenções sucessivas. É um programa de recuperação que tem como componente o contacto com empresas, o que é diferente de ir trabalhar.
A diferença é que antes isso não era feito nas empresas e agora é…
Também havia Cursos de Educação e Formação que tinham alguma colaboração com as empresas. O ensino dual é para o secundário e lucra com o contacto com a profissão em causa. Não queremos só prática simulada.
Portanto, quer que um aluno passe parte do seu percurso escolar na empresa.
Suponha um ensino profissional em jornalismo. É completamente diferente que um estudante faça a sua iniciação na sua sala de aulas…
O jornalismo é um mau exemplo: nem para os licenciados há vagas para estágios… Há empresas portuguesas interessadas no ensino dual? Quantas?
[Risos.] Muito mais de mil. [Os dados foram posteriormente precisados: 127 empresas assinaram protocolos com escolas secundárias e 2 742 com o ensino básico]
Quantos alunos estão no sistema dual?
Já há 44% dos alunos em vias profissionalizantes no Secundário.
Vai criar o cheque-ensino?
Não.
Mas o seu Governo deseja criar o cheque-ensino?
É um propósito meu, e do Governo, julgo eu, criar uma diversidade maior de escolha para os pais, para os jovens e para o nosso ensino. Nós gostaríamos de descentralizar a educação e permitir que os nossos jovens e as nossas escolas se organizem em modelos mais autónomos.
Mas o cheque-ensino é dar às famílias, aos indivíduos um certo valor e dizer-lhe: “Agora, escolha a sua escola”. O senhor defende isso?
Nós não vamos fazer isso neste mandato.
Mas só porque não é possível ou porque não é a sua convicção de que esse seja um bom instrumento?
O importante é que haja diversificação de ofertas, que haja envolvimento maior das famílias e das autarquias na educação dos jovens e maior possibilidade de escolha.
Mas essa escolha já existe. Pode inscrever-se um filho numa escola pública ou noutra. Ou no privado.
Quer discutir a coisa teoricamente ou na prática? Estamos a falar agora de política educativa para os próximos 12 meses, que é a duração deste Governo.
Portanto, não vai haver cheque-ensino.
Portanto, nestes 12 meses serão feitas experiências de descentralização, mas pouco mais do que isso.
Qual é a sua opinião sobre o processo de avaliação dos centros de investigação?
A ciência é uma das áreas que mais e melhor se desenvolveu, e, em grande parte, devido ao facto de existir avaliação externa sistemática. A ciência tinha atingido um determinado nível, que implicava uma nova fase de desenvolvimento. E para esta nova fase lançámos uma avaliação com características inéditas: há uma entidade externa que fica totalmente com a responsabilidade dessa avaliação, a European Science Foundation…
Que a fez sem se deslocar a Portugal e sem falar com os investigadores?
Na primeira parte da avaliação, fê-lo sem isso, sim. Mas é uma entidade externa – reduzimos os conflitos de interesse ao contratá-la – que avaliou tanto os laboratórios associados como os centros de investigação.
Com indicações para chumbar 50%?
Não houve indicações para chumbar 50 por cento. Houve uma estimativa, com base no histórico – a experiência internacional -, que foi necessária para a European Science Foundation poder estimar os seus custos. Não pense que estão chumbados 50% dos centros.
Não? O professor Carlos Fiolhais escreveu um artigo no Público [O Pior do Crato, 9 de julho] onde apresenta estes dados com muita clareza.
Deixe-me também falar com muita clareza: 7 em cada 10 dos investigadores submetidos a este processo de avaliação passaram à chamada segunda fase. Dois em cada dez dos restantes ficaram com o financiamento mínimo, só um em cada 10 é que ficou sem financiamento, neste momento do processo. Portanto, falar da liquidação de 50% da ciência é falso. E a avaliação não terminou. Agora estamos na fase em que essa classificação pode ser contestada pelas unidades. O importante é dizer que nove em cada 10 investigadores portugueses abrangidos pela avaliação têm financiamento.
Em Fevereiro de 2011, numa entrevista à agência Ecclesia, antes da sua tomada de posso, disse: “Acho que o Ministério de Educação devia quase implodir. Devia desaparecer, devia criar-se uma coisa muito mais simples, que não tivesse a Educação como pertença, mas tivesse a Educação como missão”. Já o fez?
Não.
Ainda não implodiu?
Não.
Está quase?
Acho que o Ministério da Educação devia reduzir em muito o seu papel no sistema educativo português. Gostaria de dar um maior papel às famílias, aos municípios, aos alunos, aos professores e às escolas. Foram tomados alguns passos nesse sentido. Antes, a duração das aulas era decidida centralmente, agora é decidida pelas escolas. Antes, o tempo de cada disciplina era decidido centralmente, neste momento há tempos mínimos e um tempo total a cumprir. São medidas simbólicas que mostram o nosso interesse em mudar as coisas.
* José Durão, estagiário, ajudou na preparação e transcrição desta entrevista