Já faltou mais para Michael O´Leary ter o Porto a seus pés. Não, o Citizen Kane voador não é a última estrela dos dragões, nem consta que seja bom de bola. Bom da bola talvez. Pelo menos para os portuenses: se, na Ryanair, o irlandês é o CEO, aqui já ganhou o céu. “Temos de pôr uma estátua às low-cost, ao lado do D. Pedro IV!”, brinca Graça Almeida, cozinheira da Casa Santo António, atribuindo às companhias aéreas de baixo custo a razão de a cidade estar nas nuvens.
Ora, se o monarca Libertador deixou o coração ao Porto, o líder mundial dos voos baratos já entrou no goto. Diz-se: “Nunca se viram tantos estrangeiros.” Vêm nas asas do desejo, aterram num dos três melhores aeroportos da Europa, viajam no metro premiado pela Universidade de Harvard que “transformou a cidade e a região” com dedo de Souto Moura, põem-se em 30 minutos na Baixa por menos de dois euros, instalam-se em guest-houses que já conquistaram o mundo e, se outros negócios ganharem com isso, tanto melhor para os que cá vivem.
No caso de Graça Almeida, tudo começou com uma “tasca gourmet” a dois passos do miradouro da Vitória, em 2009, já a cidade não metia medo. Em novembro, abrirá o quarto restaurante em quatro anos, com o conceito que o indígena pratica e os estrangeiros adotaram: comer bem, sentado e com parcimónia. Depois, arregalar as vistinhas. Os inquéritos confirmam: no segundo trimestre deste ano, a gastronomia surgia no primeiro lugar (85%) das preferências dos turistas que vêm e vão a partir do aeroporto.
Ainda à porta deste restaurante castiço situado diante do Centro Português de Fotografia, pode tirar-se o retrato ao vibrante quotidiano turístico do Porto: quase todos os dias ali entram franceses, espanhóis, alemães, italianos, por vezes jornalistas japoneses e até hóspedes recomendados pelo luxuoso Yeatman, de Gaia, hotel com estrela Michelin no cardápio e invejável vista para o colorido presépio da Ribeira. “O Porto merecia isto. Sempre trabalhámos e acreditámos na cidade, mas agora estamos mais abertos ao mundo. A autoestima está em alta”, garante, orgulhosa, a mulher, de 55 anos, nascida em Cedofeita, enquanto vai fritando uma farinheira com ovos mexidos. Pela sala, há garrafões de sangria e travessas atulhadas de pataniscas, favas e moelas. Iguarias que fazem as delícias da concorrida noite de quinta-feira, quando a casa se enche de almas que vêm ao cheiro do fado, mas dispostas a entregarem o corpinho aos mimos culinários da dona Graça.
O que é que o Porto tem?
Dantes, os estrangeiros vinham apenas pelo vinho generoso que se convencionou chamar “do Porto”, pela História, pelo Património da Humanidade, pelas ruas de bilhete-postal com cheiro a fritos e pelo encanto decadente de casas periclitantes e varandas com roupa lavada, ao relento. Agora, descobrem uma cidade que levou uma barrela de cosmopolitismo e várias cirurgias plásticas no seu casco urbano. “O mundo fala de nós”, assinala Susana Ribeiro, diretora municipal de Turismo.
Só no ano passado, a região recebeu a visita de quase 400 jornalistas e dezenas de bloguistas de viagens. Há semanas, a BBC ainda andava por aqui. Em breve, virá a Esquire espanhola. “Este mês, a promoção externa da cidade chegará a Las Vegas e serão anunciadas novas rotas aéreas das companhias tradicionais com ligação direta à cidade”, desvenda Helena Gonçalves, da Associação de Turismo do Porto. Em maio, os principais operadores e agentes europeus saíram do Porto “muito impressionados”, garante Pedro Costa Ferreira, líder da Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo.
Praças devolvidas aos cidadãos, ruas antigas como novas, edifícios resgatados às sombras despertaram o Porto da letargia e deram vida ao “espírito jovem, dinâmico e multicultural” registado pela revista Viajeros. Na cidade que teima em respirar ao seu próprio ritmo, longe da pressa de outras metrópoles, há uma mobilidade nunca vista, de autocarros panorâmicos a bicicletas, de barcos a elétricos. O Porto a pé multiplicou passeios e visitas guiadas aos mistérios e segredos da cidade. Os transportes públicos, pasme-se, aparecem no topo dos elogios dos turistas. O Porto vivo e renascido é agora uma ativíssima colmeia de estudantes e artistas em rede, que tecem cumplicidades desmedidas, excêntricas e pitorescas. Há ainda uma arquitetura de referência, de Serralves à Casa da Música, de Siza Vieira a Ginestal Machado, e design arrojado vertido em lojas, espaços, edifícios, bares e galerias de mexer com todos os sentidos. O Porto ressuscitou as frentes de rio e de mar, destila eventos, inventa bairros das artes e dos livros, concertos, performances e mercados de artesanato urbano que criam atmosferas mágicas e cúmplices.
São tardes e noites de chorar por mais. Nos últimos meses, o festival D´Bandada, “música por todo lado”, transformou o Porto num autêntico São João alternativo e deixou a fadista Gisela João feliz com lágrimas, no Passeio das Virtudes. O Optimus Primavera Sound arrastou 75 mil festivaleiros, entre os quais “peregrinos” e imprensa vinda dos quatro cantos do mundo. O Circuito da Boavista, prova da tradição automóvel da cidade, sempre propensa a controvérsias, “teve 17 horas de Eurosport, o canal mais visto do mundo, onde se puderam ver imagens do parque da cidade, da zona ribeirinha e de outras áreas do Porto. Uma promoção destas custaria milhões, mas sai quase a custo zero”, garante Vladimiro Feliz, vice-presidente do executivo camarário. No final, os pilotos estrangeiros foram beber um cálice de vinho do Porto, comer farturas e andar nos carrinhos de choque.
Há quem, olhando a outras realidades, compare a nova vida do Porto com a extasiante e libertadora movida artística e cultural madrilena dos anos oitenta. Outros destacam a pantagruélica cena gastronómica, com “restaurantes bem desenhados, grandes chefes e reinvenção de sabores tradicionais”, conforme assinalou a revista Wallpaper. Mas há fenómenos fora da caixa: “Turistas que chegam ao aeroporto e pedem ao taxista que os leve a Arouca, ao restaurante Mota, a 60 quilómetros dali, a comer uma posta. É a prova de que os voos baratos não trazem apenas turistas low-cost. E significa que o Porto, na cabeça de quem nos visita, é maior do que pensamos”, revela Melchior Moreira, 49 anos, presidente da Entidade Regional de Turismo e Norte de Portugal, sentado no terraço lounge do Espaço Porto Cruz, em Gaia, enquanto vai mirando a cidade da outra margem do rio e saboreando um cruz dark, cocktail de vinho do Porto com frutos vermelhos.
Luís Américo, o chefe que abriu a cervejaria O Mercado, no histórico mercado Ferreira Borges (que agora alberga a sala de concertos Hard Club) levou o modo portuense de “ser antigo e moderno” à letra: num espaço descontraído, aconchegante e inovador, mas aferrolhado a velharias e objetos de saudade, o pão vem embrulhado em papel rude, de mercearia, e o molho da nova francesinha com massa de pizza é trazido à mesa numa cafeteira de cevada amolgada. “A criatividade pode e deve inspirar-se na nossa História, no nosso património, memórias e afetos. O portuense é conservador, mas aberto a novas experiências, desde que se sinta confortável”, explica o cozinheiro de 42 anos, que abriu um restaurante em Macau. Para ele, o sucesso do Porto é quase uma receita gourmet: inclui identidade, inovação, histórias para contar, imperfeições charmosas e indiferença a modas. Jaime Cortesão escreveu-o nos anos 1960: o Porto é, em parte, barroco, mas não se confundam monumentos com as suas gentes, que nada têm de encenação ou teatro. “O Porto não gosta de artifícios. Por isso, a originalidade e o caráter genuíno seduzem quem nos visita”, explica Luís Américo, sentado na escadaria dos Clérigos e iluminado pelo entardecer preguiçoso do sol de outono.
Agora, atestam os estudos que por aí abundam, os turistas querem “experiências” em territórios carregados de autenticidade. Gastronómicas, sim, mas também noturnas, sociais, artísticas, culturais. Dito de outra maneira: querem, igualmente, comer com os olhos, “cantando e dançando, constantemente, entre passado e presente”, como se ilustrou na Madame Fígaro, suplemento do conservador diário francês Le Fígaro.
De França veio, há mais de duas décadas, Bernard Despomaderes. No Café Guarany, diante de uma cerveja e tendo atrás de si os painéis de Graça Morais, este intelectual, de 64 anos, adido cultural do Instituto Francês na Invicta, ri-se de quem fala de uma cidade deserta e sem alma. “O Porto está parado?! Como, se hoje é impossível assistir a tudo o que acontece de importante na cidade?”, reage, no seu sotaque gaulês, já contaminado pela pronúncia do Norte. Bernard conheceu o território ao abandono. Com a Capital da Cultura, em 2001, lançaram-se as raízes de uma nova urbe. “Depois, surgiu uma geração jovem, criativa e original que se substituiu às instituições e não se cansa de abrir espaços e fazer coisas.” Os seus compatriotas são dos que mais visitam o Porto, ligado diretamente a 15 cidades francesas. “Em duas horas, estão aqui, têm mar e rio, uma cidade autêntica e viva, simpática e acolhedora a cem por cento, com preços acessíveis e vários polos de interesse. O que podem querer mais?”, questiona, ilustrando o que as estatísticas demonstram: o Porto vive novas invasões francesas. Desta vez, pacíficas.
“Tenho amigos que foram assaltados e, depois, tão bem tratados pela polícia da esquadra do turismo que até me disseram que valeu a pena a experiência”, graceja Bernard, que antecipa o próximo fluxo: “Há reformados franceses a quererem morar aqui.” A cidade “vive o melhor momento de sempre” e só perde, diz ele, por tratar a sétima arte como parente pobre: “É irónico que este Porto de tantos vultos e tradições cinematográficas esteja reduzido a uma sala de cinema de culto.” Uma luzinha de esperança acender-se-á, entretanto, no Campo Alegre, com a reabertura da Casa das Artes, projeto de Souto Moura.
Uma cidade em movimento
Primeiro, o Porto começou a preto e branco, com medo da sua própria sombra, macambúzio, autocrítico em excesso, estigmatizado pela primazia lisboeta. Durante anos, não arriscou um cêntimo na promessa da cidade que viria a ser. Os donos do El Corte Inglés, amuados com a proibição de construírem novo shopping na Boavista, preferiram Gaia à localização na Baixa que o presidente da Câmara, Rui Rio, lhes oferecia. Hoje, comenta-se, devem estar arrependidos. Já o Grupo Carris Hoteles, cem por cento galego, esperou anos de escavações meticulosas para que cinco edifícios seculares próximos do casario junto ao rio tivessem o carimbo do IGESPAR e pudessem dar lugar, sem mácula, ao Carris Porto Ribeira, a “menina dos olhos” da cadeia e um dos mais procurados pelos turistas. “Nunca nos arrependeremos do investimento”, garante Jorge Jáñez, diretor de operações da empresa. O hotel respeitou ao máximo a História, a localização e a personalidade do Porto. “Fazer diferente seria estragar. As feridas e as rugas do granito mantêm-se, bem como as madeiras, o aço e os outros materiais autóctones. Os portuenses valorizam isso”, observa. É ele que serve de cicerone pelos corredores Ângelo de Sousa/Soares dos Reis, que deambula pelas mesas do restaurante Forno Velho, onde jovens cozinheiros portugueses dão cartas. É ele, ainda, que mostra a taperia à antiga, situada do outro lado da viela e ergue, depois, um cálice de Porto, na garrafeira, que manteve os azulejos originais. É ele que se derrete nos espaços com peças do escultor Paulo Neves e assoma, por fim, à varanda da suite com vista para o rio, onde se delicia com as claraboias e aromas do almoço, nas casas simples do casario. “Adoro ver roupa estendida! E no início, ainda havia galinhas no terraço”, diverte-se Jáñez que, amiúde, recebe testemunhos dos turistas alojados no hotel, ora emocionados com aquele desconhecido que lhes ofereceu um café ou com o velhote que picou o bilhete de autocarro para toda a família do forasteiro. “Quem vem, quer voltar”, resume, elogiando a “visão urbanística de longo prazo” que “gerou glamour e qualidade, numa cidade de autenticidade, educação e proximidade”. Agora, sugere, só falta investir “no turismo náutico e no caminho português de Santiago”, ambos com “enorme potencial”. O melhor trunfo, porém, “continuam a ser os portuenses”.
Joel Cleto, o historiador habituado a calcorrear as ruas da cidade para o Porto Canal, ao estilo de José Hermano Saraiva, responsabiliza o metropolitano pela primeira grande revolução de hábitos e mentalidades na cidade: “Estudar num sítio, namorar noutro e viver noutro ainda, sempre foi normal. Mas agora está tudo perto”, explica. Subindo a Avenida da Ponte em direção às vielas da Sé, o arqueólogo concorda que os habitantes da região demoraram mais do que os turistas a pensar o Porto em formato XL, mas “a ideia vai acentuar-se, muito por força das novas gerações, que tanto aparecem a jantar em Matosinhos como a assistir a um concerto no centro histórico”. O Porto nem sequer é coutada de… tripeiros. “As pessoas vieram de todo o lado, das Beiras, de Trás-os-Montes, da Galiza. E isso tem um enorme poder transformador, mantendo, ao mesmo tempo, o carisma das suas gentes, as rotinas e as tradições que os estrangeiros apreciam. O Porto sabe acolher o turista, mas não muda a sua vida por causa dele. De resto, nunca será Veneza, onde, à noite, não vive gente.”
Helena Sarmento veio do Douro vinhateiro já com a voz que Deus lhe deu. Deixou Lamego para trabalhar num escritório de advocacia e acabou fadista. “Foi no Porto que me senti, pela primeira vez, em casa e a saber crescer com as minhas dores”, confessa. A cidade “detesta maquilhagens” e permite “um relativo anonimato e boa qualidade de vida”. Dois discos depois (Fado Azul e Fado dos Dias Assim) a cantora, de 32 anos, que turistas brasileiros batizaram de “Marisa Monte do fado”, percebeu que, apesar do papel matricial de Lisboa, este Património Imaterial da Humanidade “é sempre novo e de todos os lugares onde alguém o cante”. Rui Viera Nery, autoridade na matéria, inclui Helena no processo de reinvenção da canção nacional. E o fado dela, apesar do Porto que leva dentro, tem também “essa dimensão que transcende o cenário que mais o serve”.
O Porto é isto: tão intenso a resgatar as ligações históricas à música que nos pariu como a envolver os turistas nesse andarilhar curioso de vozes vadias, da Associação Dar à Sola, pelos tascos da beira-rio, com pregões e tertúlias poéticas pelo meio. É também o mesmo burgo que lança mão de outras sonoridades, com a Capicua e Virtus a darem cartas no hip-hop com pronúncia e mensagem política. A cidade tem ainda Hazul, o seu Bangsy do graffiti, e Mariana, “a miserável”, ilustradora em alta. Tem Quintas de Leitura esgotadas e os book gangsters da Cultureprint e da Cedofeita Viva que, há dias, deixaram 2 mil livros, pela calada da noite, nas paragens de autocarros, à porta de infantários, bibliotecas, lojas e cafés, a pretexto do Porto Book Stock Fair, o maior festival de livros da cidade.
A urbe renascida é uma longa-metragem que começou às apalpadelas e que agora até se descobre fashion em versão digital. Jiri Siftar, fotógrafo britânico com mais de 70 mil seguidores, elevou o Porto ao estatuto de Instagram hit. O programa de partilha de fotos permitiu desvendar à sua fiel comunidade o Porto “obstinadamente imune à modernização” e que permite desfrutar um estilo de vida “como ele deve ser, mais descontraído e relaxado”.
Há agora um merchandising certificado da cidade, dos azulejos aos lápis Viarco, passando pelos pins com ditos e termos típicos que portuenses e estrangeiros ostentam pelas ruas. Os criadores da Oporto Lobers desenvolveram o autocolante de parede Carago, as sacolas Bai-me à Loja e as almofadas de hardcore tripeiro Estrelinha te guie, caralhinho te foda. O São João internacionalizou-se e a marca “Porto” tornou-se viva, a cores e até descarregável, das t-shirts com o QR Code às aplicações móveis do turismo oficial da cidade. O Travel Plot, aplicação para Iphone que desafiava o utilizador a entrar na “missão” de salvar o vinho do Porto, foi desenvolvido de forma experimental pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores da cidade, durante três meses, gerando 950 downloads provenientes de 32 países diferentes. Para o próximo ano, um projeto da Universidade Lusófona dará lugar a um guia digital do Porto, que incluirá narrativas orais, recolha de tradições e microatividades locais.
Exemplos destes são possíveis numa cidade com vitalidade e talentos vários na área da investigação, cuja Universidade pública se tornou no maior centro de produção científica nacional, com 31 mil estudantes – 3 mil deles estrangeiros – e 719 cursos. “Os estudantes são os nossos maiores embaixadores”, refere Lisa Dequech, da Universidade do Porto, autora de um estudo sobre o impacto do turismo académico na cidade.
Há oito anos, Giovanni Tedesco, 34 anos, deixou Nápoles para estudar História de Arte e encontrou um segundo lar. “Os bairros, a Baixa, as casas ao nível da rua, a roupa estendida, fizeram-me lembrar a minha terra. Adorei a mentalidade aberta, mediterrânica, e a sensação de nascer outra vez numa cidade onde ninguém te conhece”, explica o italiano, “obviamente” adepto do FC Porto – já trabalhou no Estádio do Dragão – e a viver nos arredores, em São Mamede de Infesta, Matosinhos, com mulher e filho portugueses. “Para mim, é tudo Porto”, atalha ele, enquanto beberica um café, numa das esplanadas do mítico Café Piolho, encantado com a possibilidade de “gerir o tempo sem stresse”, ora a pé, ora viajando na vespa do avô ou guiando o seu velhinho Fiat 500. Viajado pelas capitais do mundo, vê no Porto “uma cidade feita à dimensão do Homem, calorosa, com muito para dar e descobrir”, onde nunca sentiu “os horizontes limitados”. Bom, bom era mesmo desenrascar um emprego fixo que o libertasse das formações em literatura e língua italiana que vai dando, agora que a tese de doutoramento sobre Nicolau Nasoni, o arquiteto que desenhou os Clérigos, está entregue. “Fiz questão de escrevê-la em português. É uma forma de devolver à universidade e à cidade o que fizeram por mim.”
O Porto que aí vem
Se chegou aqui e pensa que o Porto está como quer, retome o fôlego. Até ao final do ano, abrirão mais de 20 unidades hoteleiras e alojamentos locais. A Rua das Flores, artéria de tradição maior na cidade, onde convivem alfarrabistas, retrosarias de arregalar o olho, mercearias antigas, neotabernas e até uma loja do município duriense de Baião que recebe pedidos de encomendas da Alemanha, ficará pedonal. “Crise? Qual crise?”, sussurrou uma vendedora a Joel Cleto, há dias, na Ribeira.
Na Rua dos Caldeireiros, adivinha-se fluxo turístico intenso assim que algumas miudezas urbanísticas permitam gozar em plenitude das especialidades de A Sandeira, dos mojitos do Cubanito, das especialidades do Miss’Opo e dos cocktails e petiscos tardios do Retiro dos Carvalhos, que o Fernando, “ex-superdragão”, reabriu, entre paredes cravadas de versos, após regressar de anos de labutas, na Irlanda do Norte. Certo continuará o sucesso… do Bom Sucesso, o mercado de frescos reabilitado para espaço multifunções, com hotel, fundação e bancas gourmet incorporadas, cujo volume de negócios, nos primeiros três meses, atingiu um milhão de euros. É este o hot spot dos portuenses para “aperitivar” à espanhola, antes do almoço ou do jantar, pois já se sabe que petisco, por estas bandas, não é refeição. Em Matosinhos, no próximo ano, abrirá o novo terminal de cruzeiros, com receitas estimadas em 11 milhões de euros, permitindo superar os 75 mil turistas de 2012, aumento de 81% que deverá ser pulverizado em breve.
Estará a região viciada no turista e no turismo? Como em qualquer lugar, o deslumbramento gera ceticismo. O geógrafo Rio Fernandes faz as despesas do contra e alerta para os riscos de o Porto se transformar numa “cidade falsa, infantil, às corezinhas, com comboínhos e tuktuks, espécie de Disneylândia que exclui os residentes”, não atrai habitantes para os apartamentos da Baixa, “vendidos a preços da Foz”, e é “profundamente desigual no mesmo quarteirão”. Lá virá o dia, “e já estivemos mais longe, em que nos cansaremos… E os turistas também”.
Esse dia, pode esperar?