De Texas, nem pistoleiros, nem tabernas ou arbustos a rebolar. Quanto muito, algum lixo deixado no chão, que esvoaça com as rajadas de vento. O bairro é um grande quadrilátero composto de prédios entre os três e os cinco andares, sem grande inspiração arquitetónica, e uma praça central, com algumas árvores. Aí, predominam os lugares de estacionamento, rodeados por uns muretes azuis, a fazer de bancos. O ambiente é árido, sem grande vida. Há uns canteiros ali e acolá. Todo o chão é coberto de asfalto ou calçada. De um lado fica Hospital José Joaquim Fernandes, do outro, o conhecido Bairro da Força Aérea.
Tem má fama. Já teve mais. Ainda hoje, quando se invoca o nome do lugar aos outros Bejenses, salta sempre um aviso: “Tenha cuidado.” Mas Dulce Ciríaco, 54 anos, funcionária da Associação de Condomínios dos Agrupamentos Habitacionais Beja I e Beja II, que ajudou a fundar, em 2008, garante que já não é assim: “Temos dias de silêncio, de descanso, de lazer. O bairro tem esse rótulo, mas já não tem nada que ver com o nome que lhe puseram. Inicialmente as famílias não se conheciam e isso gerava tensões. Agora as pessoas conhecem-se. Pode-se deixar a porta do carro aberta que ninguém rouba nada.”
É ela que trata dos problemas que afetam os espaços comuns desta grande comunidade. Todos a conhecem e tratam por “a doutora”, “a nossa amiga”, “a dona do bairro”. No escritório da associação, localizado numa cave do Beja II, a porta está sempre aberta. Há uma pequena secretária, onde trabalha, e uma grande sala, com mesas, sofás e cadeiras, à disposição dos moradores. Lá fora, um bando de homens joga às cartas, para passar o tempo. Vários grelhadores feitos de latões cortados ao meio denunciam aquele espaço, lateral ao campo de futebol pelado, como um local de confraternização e de festa.
Dulce mora no Texas desde que ele foi construído pelo Estado, nos anos 1980. Serviu para alojar uma grande parte dos habitantes de Beja que, nesse tempo, moravam em construções precárias e abarracadas, nos becos da cidade. Grande parte das frações são propriedade da Câmara Municipal de Beja e as rendas têm preços controlados, muito baixos. No Beja II, o mais velho e degradado, há quem pague apenas cinco euros mensais. Nos Beja I situam-se entre os vinte e os cento e poucos euros. Mas são muito poucos os moradores a pagar o valor mais elevado.
Fala abertamente dos problemas sociais que afetam o Beja I e o Beja II. “Há muitas pessoas desempregadas, que recebem prestações sociais. Na situação que atravessamos no País, aqui também há filhos que se viram obrigados a voltar para os pais.”
O tráfico de droga já foi mais intenso, mas persiste. “Agora é uma coisa muito escondida, ninguém se apercebe de nada. Inicialmente via-se. Os que começaram a fazer tráfico já não estão cá, e os que hoje o fazem, sabem-no fazer.” Volta e meia PSP faz uma rusga surpresa no bairro.
É porque não tem pagas na língua que Dulce é respeitada. Talvez isso lhe venha da escola do Partido Comunista Português, de que é militante “com muito orgulho”. “Sou uma mulher que faço frente, não tenho medo”, orgulha-se. Mas já foi ameaçada de morte. Quem o fez saiu do bairro. E com essa partida acabou-se o problema da criação ilegal de cães considerados de raça perigosa.
Mas o papel da associação de condomínios é mais do que tratar de lavar escadas ou arranjar as fechaduras das portas de entrada. De 15 em 15 dias, “a doutora” e uma técnica do município de Beja percorrem os bairros, falam com as pessoas, batem às portas, uma a uma. Sinalizam o que está mal e quem está mal. Tentam resolver os problemas. Fazem pedagogia: seja para explicar que não se pode libertar os cães nos prédios, porque eles fazem as necessidades nas escadas, ou para alertar para o lixo que é deixado nos espaços comuns. Afinal, isto não é o Texas.