Todos os anos há mais de 7 mil divórcios litigiosos em Portugal. O de Bárbara e Manuel podia ser apenas mais um. Mesmo tratando-se de figuras públicas, podia.
Mas não é. Apesar de ninguém saber medir as consequências para os seus dois filhos menores. Se, por estes dias, Manuel Maria Carrilho, 62 anos, professor universitário aposentado desde fevereiro, político, filósofo, autor prolixo de livros e intelectual reputado, ex-ministro estrela da Cultura, quiser ver o seu filho Dinis Maria, de 9 anos, terá de reproduzir o vídeo que apresentou no lançamento da sua candidatura à Câmara de Lisboa, em 2005. Um conflito conjugal violento, de repercussões públicas, impede-o de estar com Dinis e Carlota, de 3 anos, resguardados pela mãe, Bárbara Guimarães, 40 anos, popular estrela de televisão.
Ela mudou a fechadura da casa onde o casal vivia, rodeou-se de seguranças, e não deixa Carrilho contactar os filhos, acusando-o de violência doméstica.
Está a negar às crianças o direito a verem o pai. Ele agride verbalmente a mãe dos filhos, com referências a álcool e comprimidos, entre outros insultos, através dos jornais.
Alguém poderá sair vencedor desta Guerra das Rosas?
CAMPANHA DE FAMÍLIA
A gestão da imagem pública do casal foi sempre meticulosamente pensada. Manuel Maria Carrilho chegou a ser acusado de agredir um fotógrafo que pretendia captar imagens do primeiro filho que teve com Bárbara Guimarães, alegando direito à privacidade.
Mas, um ano depois, em 2005, entendeu que a criança podia aparecer na campanha eleitoral para o município de Lisboa.
No vídeo O homem por trás do projeto, que lançou Carrilho na candidatura e que diz tê-lo feito perder as eleições uma babada mãe perguntava a uma criança de colo: “Nós gostaríamos que o presidente da Câmara de Lisboa fosse o papá, não é Dinis?” A frase fez o título da notícia do Público do dia seguinte.
E aquele minuto, apenas um, em 13 de vídeo, com um resumo dos projetos do candidato à autarquia, foi o suficiente para contaminar toda a campanha. Afinal, o intelectual, o “Jack Lang português”, recorria a uma estrela de TV e ao próprio filho, para, num ambiente de revista cor-de-rosa, tentar ganhar votos. A intenção de humanizar o candidato com frases como “o nosso filho tem sempre Lisboa a seus pés” terá sido a melhor. Mas o espírito farisaico de algum comentário político não lhe perdoou. Não relevou o incidente infeliz, colocando-o, antes, no centro do debate. José Manuel Fernandes, então diretor do Público, escrevia: “É chocante ver um político que se diz moderno utilizar a imagem do filho e da mulher, estrela de televisão, na sua campanha eleitoral. Chocante, mas não surpreendente. Manuel Maria Carrilho nunca teve escrúpulos nem olha a meios para atingir os seus fins, pelo que o filme que exibiu no lançamento da sua campanha é apenas ele próprio. O Dinis não tem culpa do papá que tem.”
GESTÃO DE DANOS
Político experiente, Manuel Maria Carrilho sabe o que faz quando lança, diariamente, uma nova acusação à mulher com quem viveu 12 anos. A pedido da apresentadora, a SIC divulgou uma declaração, a confirmar que avançou “com o pedido de divórcio litigioso”.
Fonte policial confirmou à VISÃO que, no dia 17 de outubro, “depois de ter sido chamada ao local, elaborou um auto de notícia de um caso de violência doméstica”.
O telefonema foi feito pela própria Bárbara Guimarães. As acusações são desmentidas por Manuel Maria Carrilho, que garantiu à VISÃO ser ele a vítima. “Falo porque não me resigno a ficar com imagem de agressor. Ela é que sequestrou os meus filhos. Há 15 dias que não os vejo. Propus estar com eles durante 10 minutos e isso foi-me negado.” O advogado da apresentadora, Pedro Reis, defende o afastamento como essencial à proteção dos menores: “Ele não tem respeito pela mãe dos seus filhos nem por si próprio.” As acusações públicas de Manuel Maria Carrilho contra a mulher, que tem mantido o silêncio, “serão objeto de uma nova queixa-crime por injúrias, calúnias e difamação”.
O caso alimenta as revistas cor-de-rosa e os tabloides há uma semana. Não tinha de ser assim. “Há pessoas mediáticas que se separam, sem dar nas vistas. Se aparecem a falar do assunto é porque querem atingir algum objetivo. A exposição poderá servir para ganhar o julgamento na praça pública, ainda antes do tribunal. É uma forma de pressão ou de garantir proteção, caso haja violência doméstica associada”, diz Telma Carvalho, advogada do escritório Cuatrecasas, Gonçalves Pereira.
Os especialistas em assessoria política esperavam outra sabedoria de quem tem tanta experiência mediática. “Não estão a saber controlar a situação. Perderam a cabeça. Foi tudo tratado com os pés. Estamos sempre à espera do novo acontecimento e não ganham nada com isto. Alguém os devia aconselhar a parar”, diz um assessor que preferiu não ser identificado. O caso devia ter sido gerido de outra forma. “Havendo acusação grave, é natural que o visado se defenda.
O assunto privado tornou-se público e seria preciso minimizar os danos. Mas faria um comunicado e não falava mais.”
ESCANDALOSAMENTE RENTÁVEIS
Quem vê a realidade pelas lentes da fama e da publicidade discorda. “Do ponto de vista da imagem, Carrilho é o marido da Bárbara Guimarães, um homem que foi ministro e se casou com uma miúda gira. Ela, uma mulher linda que, em casa, é maltratada, divorciou-se de um tipo de que ninguém gosta e não terá muita gente do lado dele”, resume Carlos Coelho, especialista em marcas.
Vítimas e vilões, quer sejam verdadeiros ou não, dão dividendos, nas sociedades mediatizadas.
“As grandes estrelas precisam de escândalos”, diz Carlos Coelho. Veja-se o caso da modelo Kate Moss: “Deve ser difícil alguém estar envolvido em mais histórias sórdidas do que ela e isso nunca a afastou das grandes marcas.” E Madonna? “Cada degrau que subiu foi com a ajuda de escândalos.
E quantos milhões de dólares lucrou Jennifer Aniston com o divórcio de Brad Pitt? O carisma também é constituído por aquilo que faz mal, por antis, e não apenas por coisas boas.” José Rebelo, ex-jornalista, doutorado em Sociologia, lembra que os conceitos de política e de família mudaram. “Hoje a vida pessoal é muito mais usada como instrumento do combate político e se isso joga a favor, acaba, inevitavelmente, por também ser usado no sentido contrário.” Coordenador, em 2009, do projeto de investigação Privacidade, Intimidade e Violência nos Media, José Rebelo vê em Bárbara e Carrilho um caso de estudo. “Há quem assuma que a vida privada de um homem público é sempre pública e, a ser verdade o que li [Carrilho ter-se-á encontrado com António José Seguro, a propósito do seu divórcio], o próprio alimentará isso.”
VÍCIOS PÚBLICOS
Nesta lógica de século confuso com as prioridades, “casamentos e divórcios são como os passes dos jogadores de futebol”, diz Carlos Coelho. Melhor ainda se houver litígio: “É extraordinário para alimentar a notoriedade.” E, questiona: “Que melhor causa do que a violência doméstica poderia uma mulher bonita como Bárbara Guimarães abraçar? ” O especialista em marcas recorda que o casal “não começou agora a expor-se, tem experiência dessa gestão, portanto, esta foi uma realidade que quis tornar pública”.
Hélio Bernardino, diretor da agência Elite, e agente de Bárbara Guimarães, confirma o interesse comercial na apresentadora.
Com escândalo e tudo. “Não estou nada preocupado, tenho a certeza de que não vai baixar o seu valor. Aliás, acabei de dar vários orçamentos para o Natal com apresentação da Bárbara e ninguém cancelou nada. Não houve alterações. Nem do contrato com a L’Oreal, que, neste momento, tem uma campanha com ela.” Mas o político do PS mostrou já várias vezes que não aceita cair sozinho. Deixou o Governo numa altura em que a torneira se fechava. Descontente com o Orçamento para a Cultura, concluiu que, sem ovos, não se faziam omeletas. Ao mesmo tempo que a sua secretária de Estado, Catarina Vaz Pinto, iniciava o noivado com António Guterres, Carrilho divorciava-se do líder.
Movido por divergências políticas profundas, o ex-ministro tem razão antes do tempo e adivinha a caminhada do País para o pântano.
Em artigos e entrevistas, não perde a oportunidade de zurzir no Governo e, particularmente, no primeiro-ministro. Torna-se uma espécie de bête noir de Guterres e é assim que chega ao Congresso de 2001, em que o líder obterá uma votação norte-coreana. O canto do cisne, antes da derrocada, meses depois, logo a seguir às eleições autárquicas.
Nessa sala do Pavilhão Atlântico, em Lisboa, Manuel Maria Carrilho ouve uma das maiores vaias já escutadas por um político, em Portugal. Carrilho enfrenta a plateia hostil, revelando um dos traços mais marcantes da sua personalidade desafiadora e desconcertante. Provocador, com um leve sorriso irónico, não arreda pé do palanque, insistindo em falar, enquanto o clamor aumenta.
Por momentos, parece alimentar-se dos insultos e assobios, crescendo para os seus irados camaradas, e mantendo-se firme como um domador. O presidente da mesa, Almeida Santos, concluindo que não havia condições para o discurso prosseguir, pediu ao orador que se retirasse e por várias vezes Carrilho recusou. Até que, finalmente, cumprida a rábula, desapareceu da sala e do Congresso. Pouco tempo depois, o guterrismo caiu.
PASSADO TEIMOSO
A aparente falta de jeito para gerir esta crise contrasta com o calculismo de episódios idos. Como quando Carrilho negociou o exclusivo das fotos do seu casamento com o Expresso. Cauteloso, sabia que o acontecimento dificilmente escaparia à voragem da imprensa do social, mas já que assim era, ao menos que saísse no primeiro jornal de referência do País. Em grande! O namoro, que datava oficialmente de maio de 2000 e que deu um casamento adiado até ao esclarecimento legal do enlace celebrado em Punta Cana, anos antes, entre Bárbara e o então apresentador e atual empresário Pedro Miguel Ramos, começava a render.
A união de amor entre Bárbara e Manuel tinha também o seu lado utilitário, bem gerido em termos mediáticos: ela transformava a imagem de Barbie, que trazia da TVI, numa personagem consistente, culta e informada a que não foi estranho um programa sobre livros, na SIC Notícias. Já ele humanizava-se, tornando-se mais conhecido, admirado pelos homens e apreciado pelas mulheres. O casal era bonito, inteligente, rico. Bárbara começara a carreira como modelo, depois de tirar um curso de manequim, aos 17 anos. Frequentou Relações Internacionais, na Universidade Lusíada, mas não acabou os estudos. Chegou a pensar em Belas-Artes, porque o pai, João Antero, é escultor, mas cedo se rendeu à popularidade televisiva.
Tinha apenas 20 anos quando participou num casting para pivô de telejornal.
Estreou-se na informação, na TVI, ao lado de Sofia Carvalho, no Novo Jornal de Artur Albarran. Quando se mudou para a SIC, aos 24 anos, coube-lhe apresentar o mítico Chuva de Estrelas, a convite de Emídio Rangel, substituindo Catarina Furtado. Na altura, Rangel prometeu-lhe estar atento às sua sensibilidade cultural.
Com a união, Bárbara associa a beleza dela ao currículo intelectual do marido. Manuel soma o prestígio à juventude e simpatia da mulher. Um casamento perfeito, apesar de o círculo político não apoiar as misturas, tanto quanto Carrilho gostaria. Ministro da Cultura nos XIII e XIV governos constitucionais, de António Guterres, Carrilho teve um protagonismo anormal para a pasta. Mérito dele, do seu carisma e dos dinheiros que então entravam facilmente no Orçamento de Estado soube construir uma imagem credível, conquanto irascível, e produzir obra que nenhum dos seus sucessores viria a conseguir imitar. Esse estofo deu-lhe solidez política, dentro e fora do Partido Socialista.
O namoro com Bárbara Guimarães, noticiado, pela primeira vez (ainda não era oficial), numa nota da VISÃO, na extinta secção Periscópio, tinha, no seu entendimento, repercussões políticas. Com efeito, pediu para ser recebido pelo então primeiro-ministro, como a VISÃO noticiou, para perguntar se a sua nova relação amorosa tinha implicações no Governo. Uma atitude que alguns consideraram algo megalómana e a que Guterres reagiu com bonomia e indiferença. Mas a preocupação de Carrilho define um padrão de comportamento: no auge da atual crise, também se encontrou com António José Seguro, segundo o jornal Expresso, para discutir as implicações do atual escândalo. Isto, numa altura em que está afastado da política ativa e não exerce cargos nacionais ou partidários. Na verdade, a atitude de Carrilho demonstra bem a forma como se mistura, na sua cabeça, a vida privada com os negócios públicos e a importância que dá à gestão da exposição mediática, como contributo para o êxito ou insucesso da sua carreira política.
Do passado, que se pode esquecer, mas não apagar, ficaram outras queixas da violência de Manuel Maria Carrilho. Do primeiro casamento, com Joana Varela, figura importante da crítica literária, diretora da revista Colóquio/Letras conhecem-se as acusações de maus-tratos físicos e psicológicos.
Ouvido pela VISÃO, o político iliba-se alegando desequilíbrios emocionais da ex-mulher, já várias vezes internada, diz, em serviços psiquiátricos. E remata: “Tive muito azar com as mulheres.” Ou elas com ele.
O MALCRIADO
Certo é que os desabafos chegaram à página de Facebook de Joana Varela. “Parabéns, Bárbara. Fizeste-lhe o que ele me fez. Ficas-te-lhe com a casa e com o filho.” Mas esta é talvez a acusação de que Carrilho mais facilmente se pode defender. Criou sozinho o filho que teve com Joana, desde que se separou dela, tinha a criança 9 anos. Levava-o para as aulas. Foi, todos reconhecem, um pai presente e carinhoso, tal como agora, com os filhos de Bárbara. Argumento importante, embora não suficiente para quem estuda as emoções infantis. Agredir uma mãe ou um pai, mesmo que só verbalmente, é agredir um filho. “Deviam acalmar-se, retroceder, deixar de acusar-se mutuamente, porque ao violentarem-se, violentam também os filhos”, alerta Maria Saldanha, psicóloga e mediadora familiar.
A heterodoxia de Manuel Maria Carrilho, bem como a sua personalidade por vezes manipuladora e irascível, originaria outros episódios. Quer no plano pessoal quer no plano político. A 15 de setembro de 2005, na SIC Notícias, o seu principal opositor para a Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues, irritado, dá um golpe baixo e faz diversas insinuações sobre as obras alegadamente sumptuosas nas casas de banho do Palácio da Ajuda, onde funcionava o Ministério da Cultura, quando Carrilho estivera no Governo. Um caso que tinha feito correr muita tinta, dando origem a um inquérito que ilibou Carrilho. Não contente, o candidato independente falou, sem concretizar, de outros gastos que era preciso ver esclarecidos.
Foi o suficiente para saltar a tampa ao candidato socialista. No final do debate, com as câmaras ainda ligadas, Carrilho recusa-se a cumprimentar o adversário, deixando-o de mão estendida. E ouve-se o comentário de Carmona: “Grande ordinário, pá!” De todo o debate, fica essa imagem. E nem as ações de rua com Bárbara Guimarães a distribuir rosas, cumprindo o seu conveniente papel de figura popular a angariar votos para o marido, salvaria a campanha.
EM NOME DAS APARÊNCIAS
O não cumprimento a Carmona, bem como a exaustiva repetição das imagens, viria a ser objeto de análise pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a pedido de Carrilho. A ERC examinou as acusações do ex-candidato, sobre os episódios da campanha na imprensa, denunciados no seu livro Sob o Signo da Verdade, publicado em 2006.
Aí, Carrilho faz um rol de acusações à comunicação social e às agências de comunicação sobretudo a António Cunha Vaz, que tratou da campanha de Carmona Rodrigues entrando em processo de negação: não perdeu por culpa própria, considera, mas por ter sido prejudicado por terceiros.
Nomeado pelo Governo Sócrates para embaixador da UNESCO, em 2009, Carrilho não aqueceria o lugar. Como sempre, corria por conta própria e, critique-se-lhe o feitio ou o calculismo, também sabe lutar por princípios: em 2010, recusou-se a obedecer às instruções dadas pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, no sentido de votar a favor do egípcio Farouk Hosni para o cargo de diretor-geral da Organização para a Educação, Ciência e Cultura da ONU.
Alegadamente, o egípcio teria um currículo de declarações antissemitas e anti-israelitas que roçavam a xenofobia.
Mas, também alegadamente, a real politik implicava o voto favorável português, como moeda de troca para o voto favorável do Egito à entrada de Portugal no Conselho de Segurança. Carrilho não foi sensível ao argumento diplomático. E, em setembro de 2010, sob o pretexto de uma “rotação de embaixadores”, seria afastado.
Rancoroso, nunca mais perdoou a Sócrates e continuou a zurzir no ex-primeiro-ministro e no Governo PS. Foi apenas mais uma polémica, depois de outras que bem poderiam ter chegado a vias de facto, como a que manteve com Nuno Morais Sarmento, quando este era ministro e tutelava a RTP.
Na altura, Carrilho não se coibira de aludir ao passado de toxicodependente do ministro (passado que este tivera, aliás, o desassombro de assumir).
Doutorado em Filosofia Contemporânea, professor catedrático, autor de quase duas dezenas de livros, ex-deputado, homem da racionalidade, especialista académico nas teorias da argumentação e da retórica, Manuel Maria Carrilho vive uma crise emocional que parece tê-lo feito perder a cabeça.
Dando corpo a um velho dilema da Filosofia quando se debruça sobre “aparência e realidade”. Sendo certo que aos dois filhos menores pouco dirá a aparência e muito magoará a realidade.
*Com Clara Soares, Luísa Oliveira, Rosa Ruela e Teresa Campos