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Cláudia Simões, 23 anos
Twickenham (Inglaterra), Turismo Lazer e Património em 2009
Estudei na Universidade de Coimbra. No último ano do curso fui para Londres, para a St. Mary’s University College, em Twickenham, com mais três colegas de curso. Porquê Inglaterra? Sempre foi um país que me fascinou e que quis conhecer; a necessidade de aperfeiçoar o meu inglês, para um nível mais académico; ser uma universidade além-fronteiras.
Partimos em setembro de 2009. Como só fiquei um semestre, não pude ficar alojada numa das residências universitárias. Fiquei a viver com uma família local, numa casa tipicamente inglesa. Fazia lembrar a casa do Harry Potter: de madeira, com janelas que abrem para cima, com dispensa por baixo das escadas apertadas que levam a um segundo andar… a típica casa da época da Revolução Industrial. Em St. Mary’s, não demorámos muito a fazer amigos. Conhecemos um grupo grande vindo dos Estados Unidos, paquistaneses, espanhóis, franceses, irlandeses, etc. Ainda mantenho contacto com alguns, entre eles o Tim (nome adotado para as culturas ocidentais) que vinha de Taiwan.
Além das incríveis amizades que fiz, conheci um sistema de educação muito diferente do nosso: estudantes universitários a realizarem cadeiras de dois cursos ao mesmo tempo, professores universitários que tratávamos pelo primeiro nome, um sistema de ensino muito mais baseado no estudo de bibliografia, do que no “do it yourself”, um sistema de ensino nem melhor, nem pior, mas diferente.
Devo dizer que, dos quatro do meu curso que partiram para Twickenham nesse ano, só eu regressei a casa. A vontade de ficar em Londres era grande, e depois de ter voltado, já lá fui passar férias duas vezes.
Erasmus é uma forma de enriquecimento cultural, académico, uma lição de vida, uma forma de crescermos e de nos tornarmos independentes. Foi a melhor experiência da minha vida académica.
Eunice Tavares, 29 anos
Nottingham (Inglaterra), Línguas e Literaturas Modernas em 2002
Eu fiz Erasmus no meu segundo ano da faculdade, de setembro de 2002 a junho de 2003, na Faculty of Arts da Universidade de Nottingham. Estudei Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Ingleses e Alemães na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de modo que uma experiência internacional só seria uma mais-valia para a minha experiência académica.
E foi isso mesmo que eu vivi.
Penso que a experiência de quem faz Erasmus vai muito além daquilo que se pensa: festas, noitadas e pouco estudo. A realidade é outra e a maior contribuição que tem para o nosso desenvolvimento pessoal é, sem dúvida, permitir-nos crescer como indivíduos no seio de uma sociedade multicultural.
Conhecer e conviver com outras culturas, outros hábitos e até outras comidas é do melhor que pode haver.
Eu vivi numa casa com dois portugueses, três espanholas e um queniano. No segundo semestre, fomos os mesmos dois portugueses, o mesmo queniano, três espanhóis (uma terminou a sua experiência de seis meses e foi substituída por um colega no segundo semestre) e uma francesa. Só a experiência que vivemos em casa, foi um desafio diário. E o melhor momento de todos era quando nos juntávamos na sala para o jantar. Cada um com seu prato, sempre fiel às origens. E todos pudemos experimentar iguarias feitas por todos os nossos colegas de casa. Foi fantástico!
A nível de ensino, posso dizer que foi nesse ano que mais me conheci como estudante. Aprendi a estudar, a definir métodos de estudo mais eficazes e a organizar-me com tanta matéria e trabalhos para fazer.
Aprendi a gerir o meu tempo, responsabilidades, dinheiro, despesas, contas para pagar, prazos para cumprir, mais as saudades e demais emoções.
Houve festas, muitas festas. Festejámos aniversários, o Halloween a rigor e o Natal com troca de presentes. Fizemos festas temáticas, por nacionalidades e por vários motivos. Perdemos noites na conversa, a rir e a trocar experiências.
Planeámos passeios e viagens pelo Reino Unido. Fomos, no fim, uma família, um grupo de amigos que se uniu numa experiência que ainda hoje nos deixa imensa saudade. Sempre recomendei a todos os que me perguntaram se valia a pena. É dispendioso, sim. Mas, podemos sempre considerar esta experiência como um excelente investimento na nossa formação académica, intelectual e pessoal. Crescemos a todos os níveis e aprendemos a ser adultos.
Os apoios do estado são escassos, o que requer um esforço maior dos pais.
Mas havendo apoios, por poucos que sejam, representam sempre um incentivo ao esforço e ao sacrifício de quem tem que pagar as faturas.
Espero que essa ajuda não seja anulada. E espero que todos os que queiram, possam viver a experiência que eu vivi.
Rui Ribeiro
Lyon (França), Psicologia em 1997
No ano letivo de 1997/1998 frequentei a Universidade Lumière Lyon II, no curso de Psicologia, como estudante de estudos integrados (era assim que nos identificavam) ao abrigo do Programa Erasmus. Nome esse que tinha sido atribuído há pouco tempo, pois o início do programa chamava-se Sócrates.
Fiz parte da Associação de Estudantes (ELYPSI). Por curiosidade, nessa altura num cocktail promovido pela universidade para dar as boas-vindas aos estudantes estrangeiros, já se falava que o Erasmus podia terminar, não por falta de verbas, mas pela pouca mobilidade de estudantes. Portugueses em toda a universidade seríamos, cerca de, meia dúzia.
Não possuo dados numéricos, mas seria curioso saber quantos foram os estudantes portugueses que fizeram Erasmus em 1997 e quantos fizeram em 2007 passados 10 anos.
Fui chamado na altura para dar o meu testemunho a outros estudantes portugueses, para tentar cativá-los a fazer Erasmus devido à minha capacidade de adaptação e participação na vida daquela universidade.
Marta Beja
Liverpool (Inglaterra), Psicologia em 2003
A minha experiência Erasmus acrescentou um tempero especial à minha vida.
Sempre gostei de viajar, de conhecer novos lugares, culturas, pessoas, mentalidades, hábitos, estilos, sabores, aromas… aventurar-me sozinha num país estranho trouxe-me histórias que davam para escrever um livro.
Cheguei a “Terras de Sua Majestade” com a sensação de que aquele ano ia mudar a minha vida. E mudou mesmo.
Na minha opinião, devia ser obrigatório fazer Erasmus, durante um mês ou um ano, não importa, o que importa é que todos deveriam poder fazê-lo, porque é uma experiência que abre as mentes das pessoas, que as torna mais desenvencilhadas, e que as faz ver as coisas noutra perspetiva. De facto, durante um programa Erasmus, não há papás para nos safar de situações como a de perder a chave da residência e ter de ficar horas ao frio à espera que alguém apareça para abrir a porta principal, ter de dormir no corredor, pois só se arranja outra chave na manhã seguinte… e há que aprender as normas da lavandaria e não fazer encolher as roupas… há que prever o caso de ser assaltado e ter de se desenrascar até ter dinheiro de novo…
O meu primeiro mês de Erasmus foi de deslumbramento puro. Tudo novo, diferente e lindo. O campus da universidade era simplesmente magnífico, fazia-me sentir estar num filme. Era a minha nova casa, tinha tudo o que precisava, lavandaria, mercearia, bar, biblioteca, sala de jogos, ginásio, etc.
Os edifícios da universidade tinham uma arquitetura muito diferente da portuguesa, em tons de laranja/tijolo misturados no verde imenso dos campos de críquete e das árvores por onde os esquilos brincavam e os corvos de manhã repousavam.
O segundo mês foi difícil. A adaptação ao povo britânico não é fácil. Senti-me sozinha, com saudades de casa, pensei que ia ser muito difícil aguentar um ano. Sou uma pessoa sociável, gosto de convívios e de fazer amigos. Mas em Inglaterra tornou-se difícil. Felizmente há estudantes internacionais que acabam por sentir as mesmas dificuldades e assim se juntam formando uma família multicultural que nos transporta para outros lugares, mesmo sem sair da residência. Comecei a descobrir os sítios “mais do meu agrado”: afinal, se há país mais multicultural e multirracial que o Reino Unido não estou bem a ver qual é.
Liverpool é uma cidade universitária (tem três universidades enormes), é atrativa e cheia de jovens vindos de todo o mundo. É também a casa dos “The Beatles”. Descobri que os sítios “pop” e da moda inglesa não faziam em nada sentir-me feliz, cheguei mesmo a sentir algum preconceito por estar completamente vestida e cheia de frio (com direito a gorro, calças, casaco e cachecol) enquanto ao meu redor todas as raparigas vestiam mini vestidos sem meias, decotados e sem casaco… Mas, o bom de Inglaterra é que há sítios para todos os estilos e rapidamente descobri os meus sítios de hip hop, punk rock, jazz, assim como os convívios nos pubs para vermos futebol. Entrei para a equipa de voleibol da universidade e todos os fins de semana lá ia eu jogar, e se fosse fora, era oportunidade para conhecer uma cidade e uma universidade novas.
Observava rapazes e raparigas de estilos punk e gótico, entre outros, quase como se de uma obra de arte se tratasse, isto porque existem centros comerciais “underground” com lojas específicas (algo absolutamente diferente do que eu imaginava) com todos os artigos, acessórios e roupas. Tenho quase a certeza que cada um deles demoraria horas para se arranjar antes de sair, porque dentro de cada estilo, todos estavam primorosamente bem arranjados.
O sistema de ensino era muito diferente… acho que, agora, o processo de Bolonha uniformizou mais o ensino. Mas, para mim, foi muito mais prático na altura, com maior delegação de responsabilidade no aluno: ou seja, as aulas eram muito práticas e, no final, o professor dava uma lista enorme de artigos científicos e de capítulos de livros para ler, para trazer estudados na aula seguinte e participar numa breve discussão ou debate sobre a leitura. Na minha área (Psicologia), por exemplo, assistíamos a vídeos com entrevistas clínicas, observávamos os sintomas a aparecer, o comportamento do paciente, enquanto em Portugal, estávamos mais habituados a aprender sobre as perturbações através das listas de sintomas de cada uma.
Apesar de haver muitos alunos que, em Portugal, pela aparência, seriam considerados estranhos, os professores tratavam todos os alunos com a mesma atenção e respeito, aparecesse ele vestido como gótico ou com umas meras calças de ganga.
Notei mais informalidade; aliás, as aulas podiam ser interrompidas para o professor e os alunos poderem ir fazer um chá, para se aquecerem durante a aula.
O ISMAI foi impecável relativamente a equivalências, porque em Inglaterra, os estudantes matriculam-se por disciplina, e no Departamento da Psicologia e do Counselling havia disciplinas super interessantes que em Portugal não teria oportunidade de frequentar, mas como, além da especificidade de cada uma, ainda se abordavam temáticas essenciais de disciplinas lecionadas no ISMAI, depois de muita troca de informações, papéis, emails, autorizações e assinaturas, o Departamento de Psicologia e Aconselhamento Psicossocial do ISMAI aprovou as minhas escolhas, que enriqueceram imenso o meu currículo e me ensinaram bastante.
A comida foi um problema… mas resolvido quando consegui juntar uma romena, um espanhol e um francês (todos desportistas e todos a adoecerem com a alimentação) para partilhar uma casa e assim cozinharmos à vontade. Porque nas residências era impossível: a comida teimava em desaparecer misteriosamente!
E como os desportistas sofrem umas mazelas de vez em quando, também tive de ir ao hospital. O meu olho negro (porque teimei em jogar basquetebol quando devia ter ficado pelo voleibol…) não carecia de cuidados, mas um entorse da Iulia (a romena) lá nos levou ao hospital. O hospital e a sala de espera de nada diferiam dos hospitais de cá. O atendimento muito educado, pouco simpático, sem sorrisos mas com a competência que se espera. Já a sala de tratamentos parecia um salão de baile gigante com um pé direito daqueles de igreja, dividido em 300 (eu tenho tendência para o exagero) divisões separadas com cortinas, onde tudo tinha rodinhas e se transportava de um lado para o outro sem problema. Mas quando a minha unha do dedo grande do pé saltou fora e tive de ir à médica do campus… aí não serviu de nada, porque tinha de ir a um especialista, e precisava de uma credencial, e não tinha seguro, e no hospital não havia esse nome estranho de especialidade em medicina, bla bla bla. Resultado, tratei disso em Portugal. Há coisas que preferimos fazer na nossa “santa terrinha”.
Também houve o “Bring-a-dish Party”… uma festa em que todos os estudantes internacionais tinham de fazer um prato típico da época. Tinha tantos para fazer!!!!! A escolha ficou-se pelo arroz doce, já que havia poucas sobremesas e muitos pratos principais. Deixei então o bacalhau de parte (em Inglaterra só havia bacalhau fresco) e toca de ligar à avó e saber como se processa a coisa. Fácil! Não tem nada que saber, só não sabia que tinha de mexer o arroz durante quase duas horas… atrasada, mas muito orgulhosa do meu feito, lá cheguei à festa. Pousei as minhas travessas de arroz doce e quando dei por ela, tinham desaparecido!!! Só pensava que este país era por demais estranho que a comida tinha tendência a desaparecer!!! A comunidade chinesa (3 ou 4 “nerds” – intelectuais de serviço – que por lá andavam e não percebiam nada de inglês, “gamaram” o arroz doce e comeram-no todo em três tempos. Felizmente, houve muitas mais festas e muitas mais iguarias a provar, e eles, mais tarde, acabaram por se desculpar e compensar com uns arranjinhos e recuperações informáticas.
A primeira vez que fomos ao supermercado foi muito boa. Tínhamos uma lista enorme e trouxemos um terço do que lá estava. Tudo tinha o triplo do valor a que estávamos habituados, passávamos a vida a pensar em “pounds” em vez de euros, o que depois dava muito prejuízo no nosso orçamento doméstico. Então, de calculadora na mão, percorríamos o supermercado, pegávamos no produto, calculávamos o valor e pousávamos de novo na prateleira. Voltámos com um saco. Depois de uma prospeção pelos supermercados da cidade, o sábado era o dia de compras e lá íamos nós de mochila de campismo às costas fazer o que, hoje em dia, todos fazem mas na altura não… ou seja: comprar frescos e fruta num lado (1), laticínios, pão, massas e arroz noutro (2), carne (só franguinho) e peixe (só truta) noutro (3) e o último (4) era para os produtos de higiene. A diferença de preços era abismal, dava trabalho e perdíamos o dia todo, mas cabia no orçamento da casa.
Em Inglaterra pagava-se para ter licença de TV. Só soubemos porque um dia o espanhol apareceu com uma em casa, (trocou 2 pacotes de tabaco Marlboro de Espanha por ela) e fugíamos dos fiscais que por lá passavam a medir a frequência para saber se andávamos a fugir ao pagamento. Só se ligava à quinta-feira para ver o “Sex and the City” seguido de “Friends”. Bom, temos que ver que isto foi em 2003-2004…
Aprendi com uma família palestiniana de três irmãos e uma sobrinha, que apesar dos hábitos de não beber álcool, rezar cinco vezes ao dia, não comer carne e esconder o cabelo, têm os mesmos interesses que nós, Podemos discutir civilizadamente sobre política e religião. Pensava eu que os árabes, no geral, eram todos fundamentalistas, machistas, e outras coisas acabadas em “istas” mas afinal essas ideias feitas são fruto da ação de minorias perturbadas e perturbadoras. Podíamos falar de moda, música, desporto, saídas noturnas, etc. Falaram da mágoa de não ter pátria do mesmo modo que eu, de não ter território assinalado no mapa e compreendi melhor a revolta que os palestinianos sentem por ser confundidos e tomados por terroristas ou apoiantes do famigerado Bin Laden… a comida deles também é muito boa. Recordo-me da sobremesa que fizeram diversas vezes, a meu pedido mas também na minha despedida, uma sobremesa maravilhosa e tipicamente árabe, com pistáchio e uma massa tipo a das chamuças, e uma série de ingredientes que não havia cá e que, infelizmente, nunca mais voltei a comer… que saudade!
Havia tanto para contar… mas isto já está extenso. Da minha parte o que é mesmo importante é que esta experiência é tão forte que nos marca e nos traz ensinamentos para a vida toda. E mais importante ainda, é perceber que somos humanos e que, por isso, temos uma capacidade de adaptação incrível, mesmo achando que não somos capazes disto ou daquilo, em situações fora da nossa zona de conforto e sem proteção dos nossos pais, acabamos por conseguir resolver tudo o que à primeira vista, parece não ter solução.
P.S. E quando eu soube (quase ao final de 1.º ano) que a primeira pessoa que conheci logo no primeiro dia, em Liverpool, era um iraniano perigosíssimo e traficante de qualquer coisa que dava muito dinheiro… nunca soube ao certo o quê, mas soube já em Portugal, que ele tinha sido expulso da residência e que estava em parte incerta… então a surpresa fechou o ciclo do deslumbramento.
Marta Beja
(No ISMAI conhecida por “Loira”, nome de praxe…)