Ana Gomes não se esforçou no princípio em dar sinais, esta noite de sábado na RTP1, que o frente a frente iria ser algo linear. Ainda assim, Marcelo Rebelo de Sousa começou por apostar numa estratégia de aproximação, ao elogiar a “senhora embaixadora”.
Só que a ex-eurodeputada, que tem feito um esforço de contenção, desta vez esteve igual a si mesma. Depois de ter criticado Marcelo por marcar as eleições para o pico da pandemia, ainda distribuiu jogo, obrigando a meio do debate o recandidato presidencial a mudar a fórmula que parecia ter idealizado e a passar ao ataque – principalmente, quando viu a socialista trazer para cima da mesa o resgate do BES e alegadas jogadas de bastidores em Belém contra o Governo, de que a audição do diretor da PSP seria um exemplo.
“Nunca diria de si o que disse de mim”, concluiu, já em tempos de descontos, Marcelo, que além de se ter declarado “ofendido” com a postura de Ana Gomes, ainda resumiu ao nível de “comentadora” a candidata a quem elogiosamente tinha chamado de embaixadora.
Veja as frases que marcaram o debate:
Eleições em confinamento
ANA GOMES
“Penso que foi um erro as eleições terem sido marcadas tão tarde e dessa maneira terem impedido que se previssem as medidas que permitissem que houvesse a oportunidade que todas as pessoas votassem e não houvesse abstenção.”
“Não sei se o confinamento geral vai permitir as pessoas votar, mesmo que o confinamento for suspenso nesse dia, principalmente para pessoas com mais de 80 anos.”
“Há cinco anos que se sabe que a data das eleições seria agora e há muito que se sabe da segunda vaga.”
“Como presidente da República poderia ter dirigido uma mensagem à Assembleia da República”.
“Até os nossos emigrantes não poderão votar.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Quando se tomou a decisão de uma renovação intercalar, por um período de oito dias, foi porque os números que chegavam eram baixos. [Ainda que] havia a sensação que os números que vinham aí eram mais elevados.”
“Porque é que esperei até 24 de novembro [para marcar as eleições]. Primeiro, porque estava à espera de uma lei da Assembleia da República sobre o voto em isolamento e o isolamento profilático. Segundo, era preciso garantir, com números mais aproximados possíveis, com os partidos e os candidatos sobre um adiamento. Todos disseram: não queremos mudança.”
“O decreto-lei que vou assinar permite equiparar o isolamento profilático à situação dos idosos nos lares.”
Contexto: Só na véspera da campanha eleitoral arrancar, com os números da pandemia a subir em flecha para patamares nunca vistos, é que se discute a possibilidade do adiamento das eleições. Tendo em conta que a Constituição não permite fazê-lo neste momento, Ana Gomes defendeu mais uma vez que Marcelo deveria ter sensibilizado o Parlamento já há meses, sabendo que viria uma outra vaga. Mas o recandidato presidencial lembrou que ouviu quer candidatos, quer partidos sobre a data do dia 24 de janeiro.
Repetir confinamento
ANA GOMES
“Recomendaria, em vez de um confinamento geral, a proteção dos grupos de risco.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Na resposta à pandemia, já disse que assumo a responsabilidade daquilo que correu mal.”
“A vacinação é um processo para um ano e meio.”
“Temos de olhar para o futuro e não há alternativa ao confinamento geral.”
Contexto: Após as palavras do ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, sobre a possibilidade de se voltar a repetir um confinamento com os moldes de maio – em que o comércio e os restaurantes funcionaram a meio gás – Marcelo deixou claro que para baixar os números é preciso repetir a receita usada na primavera.
SEF
ANA GOMES
“Quem é presidente da República tem de contribuir com soluções e ter uma relação leal e franca com o Governo, exercendo a magistratura de influência. Não é preciso falar todos os dias com desde comandantes da Polícia a todos os comentadores”.
“Não se deve oscilar entre parecer que se quer ser pai do primeiro-ministro e outras vezes tirar o tapete.”
“No caso do SEF, houve graves erros do Estado mas também do presidente. Só atuou quando houve uma enorme pressão mediática.”
“Não é com o diretor da Policia [PSP] que se deve discutir a reforma do SEF”.
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Tem de estabilizar a sua opinião. Até à apresentação da sua candidatura, achava que a relação era ótima [entre Belém e São Bento].”
“Foi a senhora embaixadora que disse que o primeiro-ministro era era igual ao primeiro ministro Orbán [da Hungria].”
“Intervim logo em abril, a reforma do SEF estava a ser tratada em dialogo com o Governo. Era uma questão do Governo. [Mas] Intervim logo no inicio, e não no fim.”
“O diretor nacional da PSP pediu para ser recebido. O primeiro-ministro achou bem e soube do teor da conversa assim que acabou.”
Contexto: Nada de novo na questão do SEF, à exceção de Marcelo ter vindo agora revelar – quando pressionado por Ana Gomes porque não se notou qualquer intervenção de Belém ao longo de nove meses no caso do homicídio do cidadão ucraniano – que o primeiro-ministro estava a par da reunião com Magina da Silva e que o Governo afinal está a desenhar a reforma daquela polícia há meses.
Chega
ANA GOMES
“Era importante que não tivesse permitido esta normalização do Chega nos Açores”.
“É um partido legalizado com assinaturas falsas e um partido que tem um programa claramente inconstitucional.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Aparecem partidos que dizem ‘temos um Governo’. Como é um presidente da República recusa a uma maioria parlamentar que ela governe?”
“A posição da senhora embaixadora é a de um cordão sanitário [à extrema-direita]. Ganha-se no debate das ideias, não se ganha proibindo, calando – isto é, vitimizando-o [a André Ventura].”
“Foi ao Ministério Público pedir a ilegalização do Chega, foi? A Ana Gomes, como cidadã podia ir ao Ministério Público pedir a ilegalização do Chega, não precisa de ser presidente da República. Porque não o fez? Se o Chega existe há quase dois anos, porque é que a cidadã indignada esperou ser candidata? Sou contra essa metodologia. Sou contra o pedido de ilegalização do partido Chega. Isso é que lhes dá peso. Não é preciso proibi-los.”
Contexto: Ana Gomes tem repetido insistentemente se chegar a Belém pedirá à PGR junto do Constitucional que analise da possibilidade de ilegalizar o Chega. Marcelo não só acha que é uma má estratégia, porque teme que com esse gesto o partido ganhe força, como criticou a candidata por ainda não ter ido junto da Justiça denunciar esse partido.
Justiça
ANA GOMES
“Terei uma relação completamente incisiva com a PGR e com as outras instâncias da Justiça para que de facto tenham os meios e o encorajamento. Olhe-se para os megaprocessos complemente bloqueados [Marcelo reagiu: ‘fui contra os megaprocessos’]. Mas então não foi eficaz.”
“Sei que o senhor professor, até pela relação de amizade com o dr. Ricardo Salgado, é das pessoas com interesse em que o caso BES já tivesse sido esclarecido, desse senhor e de outras pessoas, num julgamento que, sete anos depois, ainda nem sequer começou.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“No meu mandato, orgulho-me que, com duas procuradoras, tenham avançado a Operação Marquês, a acusação BES, o julgamento de Tancos, a Operação Lex. Avançaram, não pararam.”
“Dr. Salgado. Isso tinha de vir no programa. Há cinco anos, dizia-se assim: ele [Marcelo] é amigo do dr. Ricardo Salgado, vamos ver se não vai facilitar a vida ao dr. Ricardo Salgado. Passaram cinco anos, foi condenado em três processos movidos pelo Banco de Portugal, foi finalmente acusado no caso BES.”
“Não sei se percebe o quão ofensivo é o aquilo que disse? Quando usou esse exemplo, era para dizer que eu tinha um interesse especial. Não tenho interesses especiais. Nenhuns. Escusa de atingir a minha honorabilidade”.
“Nunca diria de si o que disse de mim. Não vale tudo em política”.
Contexto: Ana Gomes trouxe a debate um tema que esteve a ordem do dia nas eleições presidenciais de 2016: a relação de proximidade entre Marcelo e Ricardo Salgado, antigo presidente do grupo BES. Um tema que levou a que o recandidato presidencial reagisse de forma indignada, lembrando as condenações de que o antigo banqueiro já foi alvo.
Caso Rui Pinto
ANA GOMES
“Lamento, mas este [caso Rui Pinto] era um daqueles casos em que gostaria de ter ouvido o professor Marcelo Rebelo de Sousa pronunciar-se, se fala de tantas coisas. Fala sobre tudo.”
MARCELO REBELO DE SOUSA
“Não falo sobre tudo. Falo do que é importante. Estou próximo dos portugueses – e falo do que é importante para eles. Quem fala sobre tudo é a senhora embaixadora, que é comentadora.”
Contexto: Apesar da questão ter sido sobre o caso Rui Pinto, acabou por ser uma crítica de Ana Gomes à forma como Marcelo Rebelo de Sousa deixa marcada a sua presidência: a constante intervenção na praça pública.