Já lá vão uns anos desde o célebre debate Soares-Cunhal. Na verdade, muitos anos, pois data de 1975. Mas quando João Ferreira e Ana Gomes começaram a responder, na RTP 1, às perguntas do jornalista Carlos Daniel na noite de terça, 5, o confronto televisivo que marcou a democracia parecia ainda mais arqueológico. Os atuais laços de ternura tocaram o céu quando o candidato apoiado pelo PCP explicou as falhas do atual Presidente da República na defesa do trabalhadores, sobretudo dos mais precários, na sequência de outras críticas de Ana Gomes. “É verdade, é verdade, é verdade!”, reagiu a candidata apoiada pelo PAN, pelo Livre e, garante ela, por muitos socialistas, de autarcas a ministros. Embalada, ainda acrescentou: “Não tenho problema nenhum em prestar tributo ao seu partido, o PCP, pelo papel positivo que teve ainda recentemente na viabilização dos orçamentos desde 2015”.
Estávamos já bem longe do “olhe que não, olhe que não” de Cunhal quando enfrentou Soares, mas quando os espectadores já se questionavam se o programa era sobre Presidenciais ou se chamava “Amor com Amor se Paga”, veio a Europa estragar tudo. As divergências sobre a postura e a atitude de Portugal no quadro da União Europeia acabaram por fazer estalar o verniz e derramar o pote de mel que até minutos antes pareciam condenados a manter-se até ao final. E a esquerda voltou, num instantinho, ao “olhe que não, olhe que não” de outros tempos.
Eis as frases que marcaram o debate:
Convergência à esquerda: sim ou não, antes ou depois de dia 24?
Ana Gomes
“Temos visto como a convergência fez a diferença nestes últimos anos. Em benefício do povo português. Apoiei a geringonça e tive pena que não houvesse uma geringonça 2 formal (…) Quando a democracia está em causa e está sob ataque (…) mais importante é que aqueles que entendem a importância da democracia se possam unir para regenerar a democracia.“
Contexto: Do debate entre Ana Gomes e Marisa Matias tinha ficado por esclarecer a importância de uma eventual convergência de candidatos à esquerda antes das eleições ou numa improvável segunda volta. Percebeu-se logo que João Ferreira e o PCP não estão para aí virados, mas sem que o candidato hostilizasse a opositora. Ana Gomes até admitiu ter conversado há algum tempo sobre estes e outros assuntos com a “amiga” Marisa e reforçou a necessidade da tal convergência, pois acredita na segunda volta e no voto jovem. Mas o que temos não passa disto: as esquerdas esmeram-se na demonstração de afetos, mas união de facto ainda não é aqui.
A sombra de Cavaco e o papel de Marcelo
João Ferreira
“Quem o antecedeu, elevou o confronto com a Constituição a patamares que nós não conhecíamos. “
Contexto: Discutia-se a forma como Marcelo Rebelo de Sousa teria ou não sido fiel à defesa do documento fundador da democracia. “Quem fez a Constituição não se limitou a despejar para lá direitos. Que são muito importantes, que não são uma realidade na vida de muitos portugueses e têm de ser”, explicou João Ferreira. Embora próximos na avaliação negativa que fazem do papel de Marcelo na defesa dos mais frágeis, os dois candidatos concordaram que o tempo é, apesar de tudo, mais distendido. O “fantasma” de Cavaco Silva pairou. Mas acabou por ter um beneficiário indireto que não estava naquela mesa.