Lá fora, a noite acaba de chegar e as temperaturas continuam amenas neste inverno seco e pouco frio. Já há tripés das televisões montados à porta do Capitólio, em pleno Parque Mayer, junto à Avenida da Liberdade. Dentro, para lá de uma porta branca, juntam-se os principais rostos do Bloco de Esquerda. Por enquanto, na sala que às vezes recebe espetáculos, há mais jornalistas que militantes, ou aderentes, como aqui se chamam aos filiados no partido.
As urnas fecham em todo o País, menos nos Açores. Saem as primeiras projeções dos valores da abstenção, que sempre se temem gigantes, ou pelo menos seguramente maiores do que deviam. A pandemia tem as costas largas, demasiado largas. Em 2019, houve 51% dos eleitores que preferiram ficar em casa. Hoje, em todos canais, os números não se afastam muito disso – de 40% a 54 por cento.
Mariana Mortágua é a primeira a dirigir-se aos jornalistas, na sequência destas previsões. Vem de semblante carregado, em tons de preto, e defende-se com o facto de os dados serem preliminares. Não deixa de ser preocupante preocupantes quando “50% dos cidadãos não vão votar”. Nisso, todos os partidos estão de acordo.
Mariana lembra a necessidade da revisão dos cadernos eleitorais e da segurança que os portugueses sentiram em dia de eleições, apesar da pandemia. Mais uma vez, a pandemia. E fica-se por aqui.
Cadeiras afastadas e algum otimismo
Nas cadeiras cinzentas, estrategicamente separadas, por razões sanitárias, vão chegando aqueles que nunca falham. E enquanto não há projeções, entretêm-se com os ecrãs, quer seja num jogo de xadrez virtual ou de Tétris ou numa animada conversa de Whatsapp. Também se come e se embelezam os lábios com um gloss – e então caem as máscaras.
Bárbara Góis deixou a militância há sete anos, mas não deixa de estar presente em todas as noites eleitorais. Agora, dedica-se em exclusivo ao coletivo Semear o Futuro e aos seu blogue Uma Lésbica Socialista. “Espero bons resultados e desejo que o Bloco seja a terceira força.” Em pouco mais de meia hora, todo o otimismo de Bárbara seria esmagado pelas projeções que atiram o partido de Catarina Martins para o sexto lugar, com o Chega e a Iniciativa Liberal à sua frente.
Desde há seis anos que Sofia Fernandes não perde uma noite eleitoral onde quer que o Bloco monte o seu quartel general. Não que seja militante, que não o é, e poucos sabem onde terá posto a cruzinha hoje à tarde. A sua função aqui é traduzir os discursos para língua gestual. “Como o Bloco tem aderentes surdos, sempre teve sensibilidade para este assunto. Aliás, na semana passada foi visitar a Associação Portuguesa de Surdos”, conta esta tradutora, filha de pai e mãe não ouvintes.
Sofia, freelancer, também faz os tempos de antena do PSD, mas isso não é um problema para o partido da Rua da Palma. Logo, logo, o seu colega Luís Oriola se junta a ela, cumprimentando-a com o já enervante murrinho pandémico (toda gente conhece o seu rosto, mesmo de máscara, das famosas conferências de imprensa da DGS).
“Vamos ver quem tem razão”
Tudo o que se passa nesta sala, está a ser transmitido em streaming, para evitar que se junte aqui muita gente. Em casa, hão de estar agora a apreciar as subidas ao pulpito para fotos. É lá que se encontra Jaime, de 6 anos, e Blandina Vaz, filho e mulher do deputado Jorge Costa.
Assim que a contagem decrescente para as oito da noite se aproxima do zero, junta-se um aglomerado de pessoas em frente aos três televisores que debitam canais de notícias. O som só sai da RTP, é José Rodrigues dos Santos que anuncia a quase certa vitória de António Costa e do PS.
Não se ouve mais nada, quando todas as projeções não são sorridentes para o Bloco.
No palco, com o fundo vermelho e letras brancas, Jaime brinca indiferente a tudo isto, enrolado numa lenço que agora se transforma em vestido. A mãe está serena, já esperava o voto útil, de protesto, por parte de quem não compreendeu as razões do chumbo do orçamento de Estado. “E também acho que nos centrámos muito no SNS e nos esquecemos da escola pública e dos professores”, nota esta militante, que também ensina.
Rui Borges sai da sua cadeira para fazer uma promessa: “O Bloco vai voltar ao combate. Quando abriu as portas à geringonça sujeitou-se as restrições impostas por esse acordo. Daqui para a frente, vamos ver quem tem razão…”
Coube ao deputado Pedro Filipe Soares dar som oficial à reação do partido, 12 minutos depois de ouvir aquele que se prevê ser o pior resultado dos 20 anos de existência do Bloco de Esquerda. Foi recebido com uma ovação, de pé. Usou duas vezes a palavra chantagem, lamentou a bipolarizção dos votos e lembrou a importância da saúde e da educação, dois pilares da luta bloquista. Mais palmas e até uns gritinhos demasiado entusiasmados para a ocasião.
E, claro, pediu cautela, pois os intervalos das projeções ainda são muito grandes. “O Bloco nunca faltou ao País nos momentos difíceis”, lembrou, gerando nova vaga de palmas.
Por agora, a sala está ainda mais silenciosa do que no início da noite. As cadeiras estão praticamente vazias. As sandes saltam dos sacos de papel, enquanto os jornalistas dedilham as suas peças. Afinal de contas, é hora de jantar e isso é sagrado. “Vamos ver o Big Brother Famosos?”, alguém graceja em ambiente que não está para graças.