A sala de espera da Unidade de Saúde Familiar (USF) da Baixa, no Martim Moniz, em Lisboa, está praticamente vazia, numa sexta-feira de manhã. Os utentes estão nos gabinetes dos médicos, que descem à receção para vir buscar os seus doentes e são facilmente confundidos com quem aqui não trabalha, uma vez que não usam a tradicional bata branca. Mas não é só nos pormenores que esta USF é disruptiva. Há seis anos, um grupo de jovens médicos sonhou com a substituição da antiga Unidade de Cuidados Personalizados da Rua de São Nicolau – onde as pessoas com mobilidade de reduzida tinham dificuldade em entrar e onde a eletricidade falhava de vez em quando – por esta casa moderna, nas paredes e na organização. Uma história que não é novidade para a coordenadora do Bloco de Esquerda, que quis voltar a fazer uma visita à unidade, durante a campanha eleitoral, para a apresentar como exemplo “de um excelente serviço público” e modelo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Catarina Martins percorreu os corredores labirínticos com a destreza de quem conhece o lugar, enquanto cumprimentava os profissionais e lhes pedia para não deixarem o SNS, que, admite, “tem fragilidades”, mas “não nos podemos esquecer de que é o SNS que dá a melhor resposta”. Aproveitando para introduzir que o PSD, o CDS, a IL e o Chega querem, pelo contrário, “abandonar o SNS e enviar a população para consultas, em hospitais privados, de médicos assistentes, que ninguém sabe muito bem como funcionam”. A solução, para a líder bloquista, é investir mais no público e em exemplos que se têm provado, eficientes, como o desta USF de modelo B.
A diferença entre as Unidades de Saúde Familiares de modelo A e B é essencialmente o grau de autonomia que têm; superior, no segundo caso. Para além de poderem organizar as suas equipas, como acontece no modelo A, as B podem ter incentivos financeiros, se cumprirem os objetivos pré-estabelecidos. No entanto, estas são as que ainda existem em menor quantidade no País, sendo o Norte a região onde há mais USF B – 177 unidades no total (56,4% das que existem a nível nacional), segundo um despacho do Ministério da Saúde, publicado este mês. Ora, a ideia de Catarina Martins é multiplicá-las, garantindo que todos os portugueses têm um médico de família atribuído.
Ricardo Fraguas, um dos médicos da USF da Baixa, que ajudou a projetar esta casa, inaugurada em 2016 e especialmente virada para o apoio a idosos e a cidadãos estrangeiros, reconhece o raciocínio da bloquista, acompanhada, nesta visita, pela deputada Mariana Mortágua, pelo médico do Hospital de São José e candidato Bruno Maia, e pela vereadora da Câmara Municipal de Lisboa Beatriz Gomes Dias. “Eu gosto de trabalhar aqui, porque temos autonomia; escolhemos as equipas, estas não nos são impostas e os coordenadores são eleitos por todos nós, em vez de nomeados. Às vezes, também temos dificuldades de organização, mas preferimos isto”, explica um dos dez clínicos da unidade, que conta ainda com nove enfermeiros. “A democracia é uma coisa bonita”, responde-lhe Catarina Martins, e Mariana Mortágua acrescenta que são “uma prova de que o público tem capacidade para se organizar de maneira diferente, mais produtiva”.
Mas nem tudo é um mar de rosas: Ricardo Fraguas queixa-se da burocracia e do tempo que passaram a dar assistência ao Trace Covid – a plataforma de seguimento dos suspeitos e infetados com Covid-19 -, prejudicando o tratamento de outras doenças. “Sentimo-nos esticados” e sem “tempo para os nossos doentes”, diz. “Agora, as coisas já estão a melhorar, com a linha SNS24 a absorver muito desse trabalho, mas já tínhamos proposto isso há seis meses e só agora é que começa a ser implementado”, lamenta, o especialista em cuidados primários.
“Nós sabemos. Nós também andamos a insistir há muito”, aproveita a deixa Catarina Martins, que, argumenta, já fora das instalações, na praça do Martim Moniz, em declarações aos jornalistas, que é por isto que é preciso reforçar o SNS. Uma das principais bandeiras do BE e uma dolorosa moeda de negociação com o PS. Catarina Martins foge à questão sobre quais são as linhas vermelhas na saúde para se poder entender com os socialistas depois de dia 30, caso este cenário se coloque, e prefere antes dizer que “é da força dos votos que se vão construir as soluções, depois das eleições”.
Sobre as últimas sondagens – que colocam o BE a descer e a perder o terceiro lugar para o Chega -, a líder partidária refere que “há sondagens para todos os gostos”, mas uma coisa que todas parecem ter em comum é que ainda haverá muitos portugueses indecisos. E é para esses que Catarina Martins fala agora: “Nós estamos aqui para dizer, no momento em que há tanta gente que está indecisa, mas que quer defender o SNS, que cada voto no Bloco de Esquerda será um voto numa solução no dia seguinte”.