Uma salinha de espera demasiado pequena para tanta gente, outra sala para atendimento e pouco mais, num canto perdido da rua da Madalena cheio de lixo e a cheirar a urina. Foi aqui que Mariana Mortágua decidiu começar a última terça-feira antes das eleições. Uma escolha estranha à primeira vista, que não servirá para ganhar muitos votos – poucas pessoas com quem se cruzou aqui, na associação Solidariedade Imigrante, podem votar.
Mas, apesar de o tempo de campanha ser escasso (a comitiva parte ainda hoje para o Norte do País), a líder do Bloco de Esquerda queria chamar a atenção para as dificuldades dos imigrantes e para as injustiças a que estão sujeitos, aproveitando para cavalgar a onda de quem tem feito abusivamente uma relação entre imigração e insegurança.
Depois de trocar umas palavras com alguns imigrantes que esperavam a sua vez, Mariana Mortágua sentou-se a ouvir as queixas do presidente da associação de defesa e apoio aos imigrantes, enquanto bebia um café. “Merecíamos ter outro espaço para receber os imigrantes com dignidade. Andamos há 22 anos e meio a pedir um espaço à Câmara Municipal de Lisboa. Este é pago pelos imigrantes, e a renda não é barata”, contou Timóteo Macedo. “Agradecemos muito a vinda da Mariana, que já cá veio uma vez. O Bloco é dos poucos partidos que se tem posto ao lado da causa da imigração, combatendo tabus, estigmas, o racismo e a xenofobia que imperam neste país, alimentados pelos partidos da direita.”
A candidata do BE sublinhou, de seguida, que esta “é uma campanha em que temos ouvido muitas mentiras sobre a imigração”. “Sim, há um problema de insegurança em Portugal, mas é de violência contra as mulheres. Não são os imigrantes que trazem a insegurança, pelo contrário. Hoje, a economia portuguesa não funcionaria sem trabalho imigrante. Não haveria gente para trabalhar nos lares, no trabalho doméstico, nos serviços, nos restaurantes, no turismo, na agricultura, na construção, na pesca. Portugal tem duas alternativas: mantém esse trabalho quase escravo, sem condições, ou acolhe estas pessoas, regulariza-as e integra-as na sociedade. Já são os imigrantes que estão a pagar as reformas da Segurança Social de quem nasceu em Portugal.”
Mariana Mortágua lembrou também que esta é uma questão de coerência, dada a nossa própria História de País de emigrantes. “Saíram portugueses aos milhões, aos milhões!, para trabalhar em péssimas condições na França, no Luxemburgo, no Brasil e na Venezuela. É nosso dever acolher as pessoas que nos procuram, até para honrar esse passado.”
À saída, para os jornalistas, Mariana Mortágua repetiu a mesma ideia, garantindo, como já havia feito antes, que o contributo dos imigrantes para a segurança social é positivo. “Contribuem com €1 600 milhões líquidos para a Segurança Social. Por cada euro que os imigrantes recebem, pagam €7. E são essenciais à economia portuguesa. Quem vem levantar suspeitas e medo sobre os imigrantes quer mais imigrantes clandestinos, explorados, precários.”
A coordenadora do BE foi instada a comentar as declarações de André Ventura sobre uma possível coligação com a AD, falando em “forças vivas” do PSD que lhe asseguraram que iria haver um governo AD-Chega, mas decidiu não responder, preferindo centrar-se nas doações do Chega que não cumprem os requisitos legais. “A única novidade que vi nos últimos dias relativamente a Ventura foi a notícia de que ainda não entregou a lista de financiadores, que falhou nas suas obrigações de transparência à Entidade das Contas. A luta contra a corrupção exige que todos os partidos tenham contas claras e, por isso, foram criadas as regras, e o Chega tem de as cumprir. Não está a fazê-lo. Assim é impossível descortinar quem são os seus financiadores.”
Mariana Mortágua pode não levar da associação Solidariedade Imigrante muitos votos diretos, mas isso não quer dizer que, politicamente, tenha saído de mãos a abanar.