Por um lado, os problemas repetem-se em relação a outros anos: “há dificuldades crónicas, estruturais dos mais de 40 anos de democracia”, relacionadas com “o pensamento a muito curto prazo” dos sucessivos governos, preocupados “com a conquista, o exercício e sobretudo com a manutenção do poder”, diagnostica o politólogo Bruno Ferreira Costa. Por outro lado, há “uma incapacidade deste Governo”. 13 demissões depois num Executivo com maioria absoluta, comissões de inquérito (como a da TAP) “excessivamente mediáticas”, o foco foi desviado para o clima de sucessivas crises políticas, enquanto os serviços públicos carecem de atenção.
Em entrevista ao Irrevogável – o podcast de entrevistas políticas da VISÃO -, um dia antes dos deputados debaterem, no Parlamento, o Estado da Nação, o docente da Universidade da Beira Interior e comentador político fala num país “com debilidades sérias que afetam o dia-à-dia daqueles que habitam em Portugal”. Ao Governo dá, como nota, “uma positiva muito baixa, dada a quantidade de portugueses que vivem no limiar da pobreza”.
No centro das preocupações, Bruno Ferreira Costa coloca o atraso na atividade económica portuguesa (que, apesar de apresentar indicadores positivos, continua a competir mal com os seus países congéneres, fruto de anos de atraso); as dificuldades na saúde (falta de médicos de família, listas de espera a aumentar e urgências sobrelotadas) e na educação (pouca atratividade da profissão e desqualificação dos profissionais contratados dada a gritante falta de professores).
E acrescenta “o fechamento da classe da elite politica”. “Temos membros do Governo que estão no seu terceiro ou quarto mandato e que vão intercalando a sua presença no Governo com a sua presença no Parlamento e em Câmaras Municipais”, diz, sublinhando a incapacidade “de recruta na sociedade civil”, que coloca em causa “a promessa de renovação do sistema eleitoral”.
Isto quando os portugueses mostram mais interesse em questões de política interna. É o que indica uma sondagem da Universidade Católica, publicada nesta terça-feira, no jornal Público, na RTP e na Antena 1, em que os inquiridos revelam maior preocupação com a governação (16%) do que com a inflação (15%), a corrupção (12%), a saúde (8%) ou a habitação (7%). “Estes resultados colocam os portugueses dentro do sistema político, preocupados com questões de transparência e de rigor”, analisa o politólogo, relacionando os dados com um “ano muito pesado do ponto de vista dos casos e casinhos”.
“Eles [casos] acabaram por ser a centralidade da atividade política neste ultimo ano e meio” e o Governo transparece a ideia “de alguma incapacidade, algumas acusações em sede judicial minam a confiança dos portugueses nos órgãos e na democracia”.
“Apenas dois ou três ministros acabam por ter uma nota positiva face à evolução do seu trabalho: Ana Mendes Godinho, no ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, e Duarte Cordeiro, no ministério do Ambiente. Todos os outros ou estão muito apagados politicamente ou têm sido marcados por imensos casos… João Galamba [Infraestruturas], Manuel Pizarro [Saúde], João Costa [Educação], que tem tido vários problemas de incapacidade em lidar com a luta dos professores… Havia também uma grande expetativa com a criação do ministério da Habitação, mas verificamos uma incapacidade clara de Marina Gonçalves em dar um passo em frente. As suas entrevistas têm sido marcadas por impreparação politica. Isto é a visão geral de um Governo sem preparação politica, o que era expetável que Mariana Vieira da Silva estivesse a resolver”, continua Bruno Ferreira Costa.
Pontos positivos ainda para “o estado de resiliência dos portugueses”, que “continuam a trabalhar e a procurar melhorar as suas condições de vida”, o chamado “desenrascanço” português. E para o “esforço do Governo no aumento do salário mínimo”. No entanto, este último vem com uma ressalva: a falta de acompanhamento do salário médio. “Grande parte dos trabalhadores em Portugal recebe entre o salário mínimo e 1200/1300 euros mensais, e considerando, por exemplo, o custo da habitação, as pessoas vivem numa situação de grande dificuldade económica e social”, nota.
Pese embora todas estas polémicas, os portugueses olham para os diversos líderes e identificam em António Costa o perfil de liderança necessário para continuar a conduzir os destinos do Estado
Bruno Ferreira Costa
Mesmo assim, e apesar da penalização, os portugueses continuam a colocar os socialistas à frente ou no mínimo taco a taco com o PSD, em todas as sondagens. Pois, “pese embora todas estas polémicas, os portugueses olham para os diversos líderes e identificam em António Costa o perfil de liderança necessário para continuar a conduzir os destinos do Estado”.
Luís Montenegro “tem percurso” para ser primeiro-ministro, mas “o perfil está em construção”, contrapõe o professor de ciência política. “Luís Montenegro não beneficia do facto de estar ausente do Parlamento, de não interagir diretamente com o primeiro-ministro em debates regulares” e tem “um grupo parlamentar que não lhe é próximo” – “há uma dificuldade em gerir a casa”, acrescida de dificuldades em “acertar na comunicação de propostas políticas que o PSD considere fundamentais”. Ou seja, “falta sumo”.
Eleições em Espanha podem “normalizar [Chega] no contexto português”
O país vizinho vai a votos no próximo domingo e todas as sondagens apontam para uma vitória do PP (partido irmão do PSD), com possibilidade de precisar do partido de extrema direita VOX para governar. E para os portugueses não será de descurar a atenção à política espanhola. “Um acordo parlamentar em Espanha do PP com a presença do VOX poderia servir de base para uma normalização [da extrema direita] no contexto português”, admite o politólogo, que, no mínimo, antevê “uma simplificação na análise que alguns fazem em Portugal”.
Todavia, Bruno Ferreira Costa ressalva que o Chega “faz parte de uma família política ainda mais à direita”, com mais simpatia, por exemplo, por Marine Le Pen [em França] ou Matteo Salvini [em Itália]. Já “VOX tem, na Europa, um patamar de representação e de aceitação superior à família política do Chega”.
Agora, “o objetivo dos partidos é exercer o poder”, continua o investigador, concluindo, por isso, que “perante um cenário de conquista do poder colocado ao PSD, tenho muitas duvidas de que não haja uma pressão, até interna, para encontrar algum tipo de acordo” com o Chega.
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