1 A 24 de abril de 1974 não fazia a mínima ideia de que o dia seguinte seria 25 de Abril de 1974! E por isso a 24 saí de Lisboa para um julgamento no dia seguinte, que no entanto não se fez porque o dia seguinte foi o 25 de Abril. Nunca tinha tido um julgamento, não julgamento, tão feliz. Infelicidade foi estar fora de Lisboa. Estando em Lisboa teria vindo para a rua ou ficado em casa cumprindo as ordens dos revoltosos? Não sei. Sei que se não estivesse, magoadamente, fora dos jornais, por força da ditadura que os reprimia, silenciava, teria ido a correr para a redação. Assim, como milhões de outros portugueses, primeiro de ouvido colado à rádio, depois olhar preso à televisão, tremi de ansiedade, vibrei de esperança, chorei de felicidade. A pura alegria, em estado de loucura, seria depois. Desde logo no 1º de Maio.
2 Já em Lisboa, o primeiro sítio a que fui, ofegante, logo na manhã de 26, foi à redação do República. Pedir que me deixassem fazer, enfim, uma notícia em liberdade! Imprensa local, regional, cultural, diária, e nunca, nunca, isso me fora possível – “que eu tenho por ofício/ este exercício diário/ da indignação”, escrevera num poema de um livro que também a Censura apreendera. Porque nesse livro se dizia também, por exemplo, que “a dita mói,/ a dita rói,/ a dita dura.// E contra a dita/ um povo grita”; ou “De minha lavra/ deixo a palavra/ Se inquisição corta/ palavra não é morta/ corre no vento/ navega no rio do pensamento/ rola na estrada/ foge à fúria duma brigada// De minha lavra/ deixo a palavra/ deixo uma canção/ contra os tiranos/ e a solidão”.