“Está em causa uma prática na Assembleia da República, de todos os partidos, as pessoas podem considerar bem ou mal”. Foi, assim, entre outra intervenções da varanda do seu apartamento, no Porto, que Rui Rio, ex-presidente do PSD, comentou o motivo que está por detrás das buscas à sua casa, no âmbito de uma investigação à nomeação de assessores parlamentares, mas a prestar serviço para o partido.
Segundo o Ministério Público, podem estar em causa crimes de abuso de poderes e peculato. Além da casa de Rui Rio, a Polícia Judiciária realizou ainda buscas a outras habitações de antigos assessores e sedes partidárias.
Legal ou ilegal? Esta é a dúvida que subsiste, apesar de ser quase um facto público e notório que todos os partidos mantêm nos quadros dos assessores parlamentares pessoas que, efetivamente, não estão a trabalhar no Parlamento. Em 2018, por exemplo, dois assessores de imprensa do PS, Maria Rui e Duarte Moral, que trabalhavam no Largo do Rato, pertenciam aos quadros dos assessores parlamentares dos socialistas.
A articulação entre o partido e o grupo parlamentar tem sido a justificação apresentada ao longo dos anos. O Bloco de Esquerda, por sua vez, chegou a nomear assessores parlamentares, mas estes trabalhavam em Aveiro, Porto, Setúbal e Beja. O partido alegava a falta de condições do Parlamento para albergar o seu staff.
O mesmo argumento também já foi utilizado pelo PCP, admitindo que nem todos os seus assessores parlamentares estavam fisicamente no Parlamento. Também o PAN, durante a liderança de André Silva assumiu que os seus assessores não trabalhavam em exclusivo no parlamento, dividindo o seu tempo com tarefas partidárias.
O que diz a lei
Até 2021, a Lei Orgânica da Assembleia da República referia apenas que os “os grupos parlamentares podem alterar a composição do quadro de pessoal, desde que não resulte agravamento da respetiva despesa global”. Numa alteração à lei, feita em 2021, este artigo passou a ter a seguinte redacção: “Os grupos parlamentares, os Deputados únicos representantes de um partido e os Deputados não inscritos podem alterar a composição do mapa de pessoal de apoio, desde que daí não resulte agravamento da respetiva despesa global, bem como definir o respetivo modo e local de trabalho, nomeadamente o exercício de funções em regime de trabalho à distância”.
O grupo parlamentar, além de nomear, passou também a poder “definir” o “respetivo modo” e “local de trabalho”. Porém, para o Ministério Público, Rui Rio e o então secretário-geral adjunto Hugo Carneiro, na sequência de uma reestruturação interna no partido, integraram trabalhadores do partido no quadro de pessoal de apoio ao grupo parlamentar, uma “nomeação friccionado”, refere a procurada Helena Almeida. No fundo, financiando o PSD com dinheiros públicos.
Para a magistrada, “mediante a utilização deste esquema, os nomeados para o grupo parlamentar mantinham-se a trabalhar nas instalações do PSD (…), não desenvolvendo qualquer trabalho para o grupo parlamentar, o que permitiu reduzir (e mesmo suprimir) o salário pago pelo partido permitindo uma poupança de vários milhares de euros à custa da dotação orçamental da Assembleia da República”.
Em declarações ao Público, Margarida Salema, antiga presidente da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos, reconheceu existir uma “fronteira ténue”, recordando que o Tribunal Constitucional já produziu “acórdãos e acórdãos a diferenciar atividade partidária de atividade parlamentar”, no sentido de que este último tem de estar “relacionado com o trabalho parlamentar dos deputados”. “Isto é um puzzle”, concluiu.