Afinal, houve ou não “justa causa” para o despedimento da ex-CEO da TAP, Christine Widener, e do ex-presidente do conselho de administração, Manuel Beja? Numa conferência de imprensa, a 6 de março de 2023, os ministros Fernando Medina e João Galamba garantiram publicamente que as saídas do antigos administradores eram por “justa causa” devido ao processo de saída da ex-administradora Alexandra Reis, que culminou com o pagamento de 500 mil euros. Porém, esta sexta-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, Fernando Medina acabaria por afastar o principal pressuposto da justa causa, o comportamento culposo, dizendo ter a “convicção” de que todos – membros dos órgãos sociais da TAP e do governo – “agiram na convicção de que estavam a agir legalmente”.
A invocação de justa causa para o despedimento dos dois gestores também poderá ter sido um mero expediente para evitar que o Estado tivesse que, no curto prazo, pagar indemnizações. Como? O Governo poderia ter demitido Christine Widener e Manuel Beja invocando apenas a “mera conveniência”. Esta modalidade, contudo, implicaria o pagamento “a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses”
Apesar de o Estatuto do Gestor Público não prever expressamente a demissão por justa causa, o artigo 25 do diploma indica uma série de condições para a demissão dos gestores públicos que se revestem de condições para a justa causa: “A avaliação de desempenho seja negativa, designadamente por incumprimento dos objectivos; a violação grave, por acção ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa; a violação das regras sobre incompatibilidades e impedimentos; a violação do dever de sigilo profissional”. A própria Inspeção Geral de Finanças- no relatório de inspeção que analisou o pagamento de 500 mil euros a Alexandra Reis (página 21) – realçou que “qualquer administrador” do setor empresarial do Estado “pode ser destituído antes do termo do seu mandato, por deliberação da Assembleia Geral ou através de deliberação unânime por escrito, sem necessidade de invocar evento justificativo. Caso tal exista, a cessação de funções deve revestir a forma de justa causa e conduzir à dissolução ou demissão dos gestores, afastando o direito a qualquer pagamento de compensação/indemnização”.
Ora, foi precisamente o que aconteceu com Christine Widener e Manuel Beja: a justa causa, segundo o Governo, traduziu-se, como declarou Fernando Medina na CPI, numa “violação grave” da lei. Porém, para existir justa causa, segundo a definição geral da lei, é necessário a existência de um “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Algo que Fernando Medina acabaria por afastar, esta quinta-feira no Parlamento, ao declarar ser a sua “convicção” que todas as pessoas “agiram na convicção de que estavam a agir legalmente”.
Esta é, aliás, a posição que tem sido defendida por Christine Widener. Na sua audição na CPI, a ex-CEO da TAP afirmou que, não sendo jurista, nem portuguesa, rodeou-se de todas as cautelas jurídicas, com a contratação de advogados, para que o processo de saída de Alexandra Reis decorresse de forma legal. “Toda a comunicação que fizemos e toda a discussão foi completamente recomendada por advogados. Eu sou uma presidente executiva, não sou uma advogada, estou a gerir uma organização muito complexa, é por isso que contrato advogados. Tudo o que fizemos foi recomendado por advogados, incluindo a comunicação que foi publicada”, disse a ex-CEO da TAP.
Durante a sua audição, o ministro das Finanças disse que convocou Christine Ourmières-Widener para uma “reunião formal” no ministério, em que comunicou à ex-CEO de forma “inequívoca” que “não seria possível a sua continuidade e que ia propor o inicio do processo da sua demissão por justa causa”, rejeitando a surpresa referida por Ourmières-Widener, durante a sua audição
“Estou a transmitir o relato fiel, verdadeiro, integral do que foi o âmbito da conversa no domingo [05 de março], uma reunião formal para lhe comunicar que, recebido o relatório da Inspeção-geral das Finanças e ponderadas as suas conclusões, a demissão da engenheira Christine – e do presidente do Conselho de Administração [Manuel Beja], mas essa conversa foi com o ministro das Infraestruturas – não seria possível a sua continuidade e que eu iria propor o início do processo relativamente à sua demissão com justa causa”, disse Fernando Medina.