A temperatura política em Portugal e no Brasil era mais amena, mas a visita do então Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso a Portugal não foi imune a polémicas. E não propriamente pelo discurso que o chefe de Estado brasileiro proferiu, de facto, na Assembleia da República.
No dia 8 de março de 2000, Fernando Henrique Cardoso foi recebido no Palácio de São Bento, para se dirigir a um hemiciclo que, à época, se dividia por maioria relativa, com o PS a ser o partido com mais deputados (115), e que contava apenas com PSD (81), CDS (15), PCP (15), Os Verdes (2) e BE (2) como oposição, resultado das legislativas de 1999 que elegeram António Guterres como primeiro-ministro. O histórico socialista António Almeida Santos – falecido em janeiro de 2016 – era então o Presidente do Parlamento.
Curiosamente, as principais polémicas do dia surgiram da falta de inspiração do próprio anfitrião. Depois da receção oficial a Henrique Cardoso, junto às escadarias – onde se ouviram os hinos dos dois países, –, Almeida Santos decidiu oferecer ao Presidente brasileiro uma caravela de cristal e um astrolábio, símbolos dos Descobrimentos portugueses.

Ninguém esperaria, porém, o discurso do Presidente da Assembleia da República que se seguiria. No ano em que se assinalavam os 500 anos da chegada da armada comandada por Pedro Álvares Cabral à Terra de Vera Cruz, Almeida Santos criou polémica, ao proferir que “quando se percorre o Brasil de hoje, o que é e sobretudo o que vai ser ser, conclui-se como pessoa que tudo valeu a pena. Valeram a pena: a escravatura, o trabalho forçado, as lutas no mar e na terra contra holandeses, franceses e piratas, as guerras de fronteira (…) as lutas entre brasileiros e portugueses”.
As palavras causaram incómodo. Nem todo o hemiciclo aplaudiu a intervenção, mas o momento acabaria por ser desvalorizado pelo convidado, e totalmente ultrapassado.
BE recordou os Sem Terra, mas (também) aplaudiu de pé
Ao contrário da virulenta reação ao extemporâneo anúncio da presença e do discurso de Lula da Silva na Assembleia da República, por ocasião da próxima sessão solene do 25 de Abril – feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, que, assim, terá ultrapassado as competências do Parlamento (presidente da Assembleia, Augusto Santos Silva, e grupos parlamentares incluídos), responsável por fazer os seus próprios convites e a determinar quem discursa e quem não discursa –, a presença de Henrique Cardoso contou apenas com uma manifestação visível, mas pacifica, por parte dos então dois deputados do Bloco de Esquerda.
O coordenador, Francisco Louçã, e Luís Fazenda protestaram em silêncio e vestindo uma t-shirt de apoio ao Movimento dos Sem Terra e ao seu líder, “Zé Rainha”– em que se lia “Justiça para o Movimento Sem Terra”. Mas nada que atrapalhasse a intervenção do Presidente brasileiro que, talvez por este ato, tenha acrescentado, de improviso, terminado o seu discurso oficial, que “a justiça social é uma da preocupação do governo brasileiro”. “A luta pela igualdade e pelo direitos humanos tornou-se um imperativo moral”, afirmou. A sessão terminou com todo o hemiciclo a aplaudir, demoradamente, de pé, Henrique Cardoso.
Se o passado se repetirá ou não com Lula da Silva, só se saberá dentro de cerca de dois meses. Para já, na conferência de líderes, realizada na manhã desta quarta-feira, ficou decidido que Lula não vai discursar, mas que a Assembleia da República vai organizar uma sessão solene de boas-vindas ao Presidente brasileiro, ficando os pormenores ainda por anunciar. Considerando o anúncio do Chega, que pretende organizar uma manifestação contra a visita a Portugal do homem que derrotou Jair Bolsonaro, nas Presidenciais brasileiras de outubro de 2022, os aplausos, desta vez, não serão unânimes.