A esquerda carregou com força na ameaça que representa o populismo para as conquistas de Abril, a direita mostrou-se indignada com o que ficou por fazer e pela degradação das instituições democráticas, 49 anos depois da Revolução dos Cravos. Encontraram-se nas criticas aos socialistas.
Leia o resumo das intervenções de todos os partidos na sessão solene do 25 de Abril, que, este ano, começou mais tarde, às 11:30, por causa da cerimónia de boas-vindas ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que iniciou a sua visita de Estado a Portugal no sábado.
Livre: “A nossa democracia não está garantida”
Logo a abrir a sessão solene – em que os partidos discursaram por ordem crescente de representatividade – o porta voz do Livre, Rui Tavares, apostou num alerta sobre os riscos do autoritarismo contaminar a democracia, instando os políticos a não perder tempo com quem “quer esvaziar a democracia” e, em vez disso, a “confiar no nosso povo”.
“A nossa democracia não está garantida e vive o seu maior momento de ameaça”, constatou o deputado único, sugerindo que se aproveitem as comemorações dos 50 anos de Abril (em 2024) para “alertar” que “nenhuma democracia é perfeita”, que “todas têm inimigos”. Todavia, “o principal risco para a democracia está no autoritarismo e está em querer dar-lhe as mãos”, diagnosticou, recolhendo aplausos de pé de parte da bancada socialista e bloquista.

PAN: “Continuamos a ter subalimentados do sonho”
Inês Sousa Real construiu o seu discurso à volta da expressão “subalimentados do sonho” da poetiza Natália Correia (cujo centenário do nascimento se comemorou em março) para transmitir o muito que Portugal tem por fazer na erradicação do ódio, da discriminação, do racismo, da violência doméstica, na saúde, na educação, nos salários baixos, na habitação. Portugal é “um país obcecado com o défice e não investe”, disse, na terceira vez que subiu ao púlpito para discursar no 25 de Abril.
“Sejamos impacientes na revolução e nas liberdades que estão por cumprir, porque, como afirmou Natália Correia, foi “a impaciência que nos libertou”. E sejamos fazedores de sonhos através do poder que temos de mudar a lei e com ela a vida das pessoas, dos animais e consagrar a proteção da natureza. Se há razão por que celebramos esta madrugada aqui e por esse mundo fora é esta ânsia, esta fome impaciente pelo sonho e pela força da mudança tornados realidade, tornados Abril”, concluiu a deputada única do PAN, que havia começado por se solidarizar com a repreensão que Augusto Santos Silva fez ao Chega. O partido de André Ventura manifestou-se de forma sonora, dentro do Parlamento, contra Lula da Silva – “partilhamos do mesmo embaraço pelo desrespeito ao nosso povo irmão”, deixou claro Sousa Real.

BE: “Um governo que se esconde na vitimização e não cuida da semente de Abril”
Na última vez que discursa nesta cerimónia enquanto coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, lembrou as vitórias de Abril, sublinhando que “não vale dizer que os indicadores de hoje são incomparáveis com os de há 50 anos”. “Que mundo tão triste, o de quem vive do passado. A democracia constrói-se na resolução dos problemas do presente e o seu oxigénio é o horizonte de uma vida melhor. Sem esperança, definha”.
“Cuidar da semente de Abril é ter o desassombro da esperança e a coragem do confronto com os poderes que crescem na sombra para diminuir a soberania popular. Cuidar a semente de Abril é fazer essa escolha: o salário em vez do abuso, a casa em vez da especulação, o médico em vez do negócio da doença, um planeta para viver em vez do poder extrativista”, continuou a deputada bloquista, em tom critico para com o Executivo: “Um governo que se esconde na vitimização com a pandemia ou a guerra, que se transforma numa agência de publicidade e powerpoints em que já ninguém acredita, por muitos cravos que espete ao peito, não cuida da semente de Abril”.
“Queremos uma democracia que faça germinar a semente de abril. Recusamos afogá-la em formol”. Foi o repto que deixou na Assembleia da República.

PCP: “Da Revolução saiu uma das mais arrojadas democracias do mundo”
Há poucos meses no Parlamento, foi o deputado Manuel Loff que subiu ao púlpito em representação dos comunistas para dizer que “a democracia está há anos ameaçada, de novo, pelo fascismo”, argumentando que será “ilusório julgarmos que o assalto da extrema-direita fascista está a fazer ao poder deixa incólume a democracia” e apresentando como exemplo o Brasil, que acaba de “derrotar o que foi a maior ameaça contra a democracia brasileira”.
“O 25 de Abril tem agora de continuar a ser feito por nós, por quem acredita nesses valores que permanecem, sabemo-lo hoje melhor do que nunca”, acrescentou, lembrando que “da Revolução saiu uma das mais arrojadas democracias do mundo” e deixando várias criticas ao Governo português que fala em “contas certas”, mas que “não estão certas”, quando não há resposta para os problemas dos pessoas.

IL: “O vento da mudança já começou a soprar em Portugal”
“Portugal radical novo fez-se velho”, lamentou o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, na sua primeira ida à tribuna por ocasião do 25 de Abril, data a partir da qual, disse: “tudo era possível, era só querer”. Mas “se Portugal se apresenta mais anoitecido do que queriam é porque alguém não fez o suficiente”, acusa, justificando-o com a pobreza, a emigração, os salários baixos, a crise da habitação, da educação, da saúde e dos transportes. Por isto, contra o “longo ciclo de decadência socialista que condena os portugueses a empobrecer ou a emigrar” defendeu que, “em democracia, existe sempre alternativa. E, para bem de todos nós, o vento da mudança já começou a soprar em Portugal”.
“Portugal anoiteceu sempre que cedeu ao discurso da falta de alternativa e amanheceu sempre que desafiou os cantos das sereias, os mostrengos e os velhos do Restelo”, sublinhou, acrescentando que “o 25 de Abril não tem donos” e que, também por isso, o seu partido vai descer esta tarde a Avenida da Liberdade.
Rui Rocha desejou ainda que todos os povos do mundo se possam libertar da opressão, nomeando os casos da China, do Irão, do Afeganistão, de Cuba, da Venezuela, da Moldávia e da Rússia. E mostrou-se critico da vinda do presidente do Brasil ao Parlamento por esta ocasião, visto que “a defesa da nossa liberdade não é compaginável com o branqueamento das tiranias do mundo”. “Quem, como Lula da Silva, Bolsonaro ou Salvini se presta a ser caixa de ressonância do discurso de Putin está em contramão na estrada da liberdade”, acusou.

Chega: “De nada vale celebrar Abril sem que a justiça chegue verdadeiramente a este país”
Pelo quarto ano consecutivo, foi o líder do partido, André Ventura, quem protagonizou este momento, dedicando-o a falar sobre a corrupção. Criticou a presença de Lula da Silva, referindo que “normalizar a corrupção e branqueá-la para nós nunca será solução. Esta casa não pode ser um circo de corrupção. Esta casa não pode ser um aplauso àqueles que foram condenados em três instâncias e foram salvos pela mão amiga daquele que nomearam”, envolvendo na conversa o nome do antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates, que, acredita Ventura, “nunca irá a julgamento”.
“De nada vale celebrar Abril se não concretizarmos o que os portugueses mais esperam de nós: que a justiça chegue verdadeiramente a este país”, apelou, acrescentando que “não faz sentido dar a outros o que não temos para nós próprios”. Não é possível ficar “de bem com a consciência enquanto são dados subsídios e casas a quem chega e lesados da banca ainda não tiveram uma palavra do Estado”.

PSD: “Há 25 anos que não há um desígnio nacional”
O líder da bancada social democrata, Joaquim Miranda Sarmento, transformou o seu discurso numa critica à governação socialista, que, defendeu, “não é uma fatalidade”, referindo que o PSD está pronto para se assumir como alternativa e reconstruir a confiança nas instituições democráticas e no poder político. “Os portugueses têm de voltar a ter esperança no futuro”, afirmou, pois “há 25 anos que não há um desígnio nacional”.
“Há 25 anos que empobrecemos. Há 25 anos que vemos os países de Leste, que eram todos mais pobres do que Portugal em 2000, a ultrapassar-nos em riqueza e bem-estar. Há 25 anos que caminhamos para o fundo da tabela dos países Europeus. Há 25 anos que os rendimentos e salários estagnaram e que estamos mais pobres. Há 25 anos que muitos jovens não têm outro caminho que não seja emigrar e trabalhar fora de Portugal. Há 25 anos que não paramos de aumentar o endividamento público e privado, procurando, com uma carga fiscal cada vez maior, ir tapando, com remendos, um Estado e serviços públicos que se degradam a um ritmo vertiginoso e que estão à beira do colapso”, diagnosticou, indicando que só em 21 dos últimos 28 anos o PS não governou. E que o PSD se tem ocupado de gerir as crises.

PS: “Os ataques à democracia chegam através daqueles que se sentam à extrema-direita neste hemiciclo”
O deputado João Torres fez a apologia do 25 de Abril, sublinhando que os socialistas estão a trilhar “um caminho progressista de redução das desigualdades e a fortalecer o Estado Social no acesso à saúde, à educação e ao ensino superior, com mais coesão e inclusão, melhor articulação do desenvolvimento territorial, e em respeito pelo poder local e pelas autonomias regionais”.
E reservou criticas para os partidos da direita, em especial para o Chega: “os ataques à democracia chegam, desde logo, através daqueles que se sentam à extrema-direita neste hemiciclo. São os que se servem das velhas fórmulas, como o populismo e a demagogia, aliados eternos da ignorância, da iliteracia política, para sabotar a crença na democracia, o respeito pelo pluralismo, o contrato entre representantes e representados”. Sem esquecer o PSD, que João Torres acusou de ignorar o combate à extrema-direita e de não se demarcar claramente das propostas desta por estratégia eleitoral.
