As palavras mais duras de Marcelo Rebelo de Sousa, em entrevista à RTP e ao Público, nesta quinta-feira à noite, foram dirigidas à Conferência Episcopal, no rescaldo da apresentação do relatório sobre abusos sexuais na igreja. “Ficou aquém ao não assumir a responsabilidade”, considerou o Presidente, que, no dia em que comemorou sete anos no cargo, deixou também avisos ao Governo (sobre a habitação, a saúde, a educação e a transparência). Marcelo instou António Costa (que “olha para o lado cheio do copo” enquanto “eu olho para o lado vazio do copo”) a prestar mais atenção às movimentações sociais, alertou que o caso TAP manchou o mandato e que não renuncia ao seu poder de dissolver a Assembleia da República.
Este “foi um ano praticamente perdido”, segundo o chefe de Estado. Marcelo olha para a maioria socialista “desgastada” e “cansada” fruto da guerra na Ucrânia e das suas implicações, que “prejudicaram a coesão social com que se sonhava depois da pandemia”.
“Contas certas são fundamentais”, assumiu Marcelo Rebelo de Sousa, mas “não chegam”. “É evidente que há uma série de problemas”.
Reveja o essencial das respostas do Presidente em todos os temas abordados durante a entrevista:
Abusos sexuais na igreja
Marcelo confessou-se “desiludido com a Conferência Episcopal”, que “levou vinte dias para tomar uma posição” sobre o relatório da comissão independente aos abusos sexuais na igreja. E, quando finalmente o fez (na passada sexta-feira), “ficou aquém ao não assumir a responsabilidade”, ao não ter “tomado medidas preventivas” como afastar de imediato os nomes suspeitos de terem praticados crimes e ao não ter considerado necessário compensar e ajudar as vítimas.
“A Conferência Episcopal passou ao lado deste problema”, criticou o Presidente.
Caso TAP
A comentar pela primeira vez o tema desde que foram conhecidas, no início da semana, as conclusões do relatório da Inspeção-geral de Finanças (IGF) à indemnização de meio milhão de euros que a ex-administradora Alexandra Reis recebeu da TAP, e que resultou nas demissões do chairman e da CEO da TAP, Marcelo assumiu-se surpreendido. O Presidente apontou para a incongruência de uma “renuncia acordada”, figura que “não existe no estatuto do gestor público”, relevando que “provavelmente [Alexandra Reis] não teria direito a essa indemnização” e referindo-se a uma “forma composta ridiculamente abstrusa de dar um contrato”.
Marcelo alertou ainda que as consequências jurídicas “ainda não acabaram”. Já sobre as políticas, não vê o que mais possa ser feito, uma vez que o processo “demorou tanto tempo” que os visados já não se encontram no Governo. O então ministro das Finanças, João Leão, saiu do Executivo na mudança de legislatura e o das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, “saiu pelo seu próprio pé”. Os atuais titulares destas pastas assumiram funções numa altura em que “não se sabia desta telenovela”. Deve-lhes apenas servir de lição, segundo Marcelo, a “noção de que vão ser alvo de escrutínio rigorosíssimo” até ao fim do mandato.
Habitação
O Presidente pediu mais tempo ao Governo para debater o programa “Mais Habitação”, justificando que “dar sete dias para discutir não sei quantos diplomas, depois de sete anos de espera, é uma coisa de outro mundo”. Mas de antemão alertou o Executivo de que há conceitos que quererá ver clarificados e de que duvida da “eficácia do que é proposto” em alguns pontos, nomeadamente, no arrendamento coercivo.
“Tenho duvidas de que o processo não comece logo mal”, “mas do lado do PSD também há duas ideias de exequibilidade curiosa”, lamentou.
Inflação
Marcelo Rebelo de Sousa elogiou o esforço do Governo na aposta pelas “contas certas” e no controlo do défice, retirando dos ombros dos governantes culpa pelo aumento do custo de vida, que atribui apenas ao contexto de guerra. Contudo, não deixa de avisar Costa que precisa de ter um plano B para apoiar os mais vulneráveis, se o cenário de inflação se mantiver ou agravar.
Questionado pelos jornalistas sobre se será preciso um novo pacote de medidas de apoio aos mais fragilizados, Marcelo disse que é preciso ver como a “situação vai evoluir”, mas que o Executivo provavelmente terá de “fazer mais”.

Sondagens
Apesar do PS estar em queda nas intenções de voto, não há uma “transferência de votos para outros partidos”: é a leitura do Presidente sobre os últimos estudos de opinião publicados. Há uma alternativa “aritmeticamente, mas não há politicamente”. Ou seja, os partidos de direita juntos surgem nas sondagens com uma promessa de maioria, mas “a IL diz que se recusa a entender com o Chega” e, por isso, “a alternativa é fraca”.
Marcelo insistiu que quer, em primeiro lugar, que a legislatura seja levada até ao fim, mas, como sabe que a “realidade, às vezes, é mais imaginativa que a nossa imaginação”, recusou-se a renunciar ao poder de dissolver a Assembleia da República.
Contestação Social
Perante os sucessivos protestos que têm marcado 2023 em vários setores (transportes, educação, justiça e agora na saúde…), Marcelo disse que “não há um clima de contestação social generalizado”. “Ainda não há, porque o desemprego até agora tem tido uma evolução contida”, mesmo que o número de desempregados tenha subido 0,2 pontos percentuais.
E sobre os novos tipos de luta “que mudaram muito”, o chefe de Estado assume que é preciso rever a lei, pois os novos modelos sindicais, mais fluídos, podem ser “legítimos, mas a sociedade […] tem de saber as linhas com que se cose”.
Educação
A luta dos professores “é justa”, para Marcelo, que considerou que o “caminho é negociar” sob prejuízo de se agravarem ainda mais as desigualdades entre alunos. “Tem de haver um acordo para a recuperação faseada do tempo de serviço” congelado aos docentes, propõe.
Saúde
Defensor da criação da Direção Executiva do SNS desde o início, Marcelo assume, no entanto, que “teria ido um pouco mais além” e aponta o dedo ao novo organismo, acusando-o de lentidão na resolução de alguns problemas, como as urgências e a reforma dos cuidados de saúde primários. Concede que “é uma corrida contra o tempo”, no entanto, exige maior celeridade e homogeneidade no tratamento a nível nacional. O Norte “anda mais depressa” e em Lisboa e Vale do Tejo subsistem problemas.