Foi, talvez, o primeiro momento insólito da atual legislatura – ou, pelo menos, o mais insólito. Depois da não eleição dos nomes do Chega para o cargo de vice-presidente do Parlamento, o líder do partido, André Ventura, e os dois deputados “chumbados”, Diogo Pacheco Amorim e Gabriel Mithá Ribeiro, apressaram-se a sair do hemiciclo para falar à comunicação social, e manifestarem a indignação com o que tinha acontecido minutos antes.
Depois de André Ventura ter lamentado “a maioria de bloqueio” à esquerda que impediu o partido de eleger um representante na mesa da Assembleia da República, Gabriel Mithá Ribeiro tomou da palavra para, na sua primeira intervenção pública como deputado, contrariar tudo aquilo que tem sido o discurso oficial do partido, nestes três anos de existência, em relação ao tema do racismo: “Isto [a sua não eleição como “vice”] tem de ter uma interpretação racial”, afirmou. “Num regime que anda há décadas a defender que é antiracista, a favor das minorias, contra a discriminação, que financia organismos para esse propósito, fica, hoje, aqui esclarecido, que uma coisa é a intenção e outra é a prática”, acrescentou.
Mas, afinal, Gabriel Mithá Ribeiro considera ter sido vítima de racismo no Parlamento? O deputado – professor e coordenador do gabinete de estudos do Chega –, que defendeu (ao longo de toda a sua carreira académica) que o “racismo foi, entretanto, uma questão ultrapassada em Portugal”, não respondeu frontalmente, tentou recuar, distinguindo “questões raciais” e “racismo”, passando a desenvolver uma explicação enrolada que teve o condão de confundir (ainda mais).
Numa longa intervenção, o deputado negro, que não acredita no racismo em Portugal, eleito pelo Chega, partido que (também) não acredita no racismo em Portugal – e até promoveu, nos últimos anos, manifestações nas ruas para o afirmar –, recordou as suas origens moçambicanas, voltando a concluir que “esta rejeição também tem essa dimensão racial”.
Questionado, insistentemente, pelos jornalistas presentes, Mithá Ribeiro ainda diria ser necessário “reabrir, em algum momento, em Portugal, um debate sério sobre a questão racial”, preferindo, porém, politizar a questão. Ao fazê-lo, o novo deputado do Chega terá proferido uma das frases mais racistas ouvidas na história daquela casa: “Em Portugal, uma pessoa negra se é de esquerda é tratada com dignidade, se é politicamente neutra é apagada das instituições (…) e se é de direita, desculpem a expressão, é tratada como os pretos”, afirmou, para espanto dos presentes.
Mantendo a compostura, mas não escondendo o desconforto, André Ventura escusou-se a responder se “partilhava das mesmas opiniões” de Mithá Ribeiro, preferindo lançar Diogo Pacheco Amorim para à frente do microfone. Após dois minutos de respostas entrecortadas, a conferência de imprensa terminaria de forma abrupta…