Eunice Muñoz, de 93 anos, voltou hoje ao Teatro Nacional D.Maria II, em Lisboa, no dia em que assinala 80 anos desde que se estreou neste palco.
Oito décadas depois da estreia profissional com “Vendaval”, Eunice Muñoz subiu hoje ao palco com a neta, Lídia Muñoz, para representar “A margem do tempo”, a peça com que se despede da carreira.
A 29 de novembro de 1941, aos 13 anos, Eunice Muñoz estreou-se profissionalmente no Teatro Nacional D. Maria II, na peça “Vendaval”, de Vírginia Vitorino, no papel de Isabel, numa encenação de Amélia Rey Colaço.
No final da sessão, a que assistiram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, foi prestada uma homenagem à atriz.
Nessa altura, Eunice Muñoz fez um pequeno discurso para assinalar que voltou a subir ao palco do D.Maria 80 anos depois e ao lado da sua neta.
“Este teatro foi a minha casa durante muito anos, fui feliz no palco, em tudo o que cá fiz”, afirmou.
A atriz fez questão de referir a sua avó Augusta, de quem acha “ter recebido o talento”, os seus pais, que a “encaminharam no caminho do teatro, gente que levava o sonho a cada sítio por onde passava” e ainda a sua mestre, Amélia Rey Colaço.
E deixou também uma palavra à neta, apontando que lhe passa o testemunho “com a certeza de que continuará com a mesma exigência e talento”.
“Agradeço sobretudo a vocês, ao público, que me acarinhou, que me aplaudiu desde que comecei até agora que comemoro os meus 80 anos de carreira”, salientou igualmente.
A todos os colegas deixou um “agradecimento e uma palavra de coragem, para que continuem”.
“Porque o teatro precisa de nós, de nós no palco e de vocês que recebem o melhor que temos para dar”, acrescentou Eunice Muñoz.
E defendeu que o teatro mostra que, “apesar dos dias estranhos e difíceis, o belo continua a existir”.
O diretor artístico do Teatro D. Maria II, Pedro Penim, agradeceu o regresso de Eunice Muñoz a este palco, a “sua casa”, e apontou que a sua presença “é um hino maravilhoso, é um hino ao teatro, é um hino à vida”.
“Porque a Eunice é isso, a Eunice é um hino ao teatro e é um hino à vida”, realçou.
Enquanto decorria a homenagem, foram projetadas numa tela em cima do palco 80 fotografias da atriz ao longo da sua carreira.
Estreada em abril último, em Oeiras, no auditório municipal com o nome da atriz, e depois de uma digressão por várias cidades portuguesas, a peça “A margem do tempo” voltou ao palco onde se estreou, para nove representações, de 3 a 26 de setembro passado.
Com texto do autor alemão Franz Xaver Kroetz (1946), a peça revela-se “uma longa didascália”, “sem monólogo e sem diálogo”, no qual a senhora Rasch, personagem partilhada pelas duas atrizes, convida os espectadores a assistirem a um final de tarde num dos seus dias repetidos, igual a todos os anteriores.
Com música original de Nuno Feist e encenação de Sérgio Moura Afonso, “A margem do tempo” põe diante do público a humanidade de uma mulher mais velha, Eunice Muñoz, que vai relembrando a monotonia dos dias repetidos, que se materializam numa mais nova senhora Rasch, Lídia Muñoz, que vai caminhando em direção ao seu “eu mais soturno e nostálgico”.
Numa leitura mais superficial, a peça pode parecer centrar-se em coisas banais, mas, com o decorrer da ação, acaba por se perceber que nada há de trivial no que é posto em palco e que marca o quotidiano de tantas mulheres operárias.
A peça assinalou o regresso da decana das atrizes portuguesas ao teatro após um afastamento dos palcos desde 2012.
FM // JPS