O Presidente da República lançou o desafio e, menos de 24 horas depois, o Bloco de Esquerda e o CDS aceitaram-no. Vão apresentar propostas para criminalizar o enriquecimento ilícito, que possam ultrapassar o terreno sinuoso criado por dois chumbos do Tribunal Constitucional. PCP e Chega já tinham entregado medidas com o mesmo objetivo, na semana passada.
O primeiro partido a chegar-se à frente, após as declarações de Marcelo, foi o Bloco de Esquerda, que indicou que o seu projeto de lei seguirá “no essencial” a proposta da Associação Sindical dos Juízes e que será apresentado esta quarta-feira, às 10:30. “Perante os riscos que impendem a democracia – quer os riscos de corrupção, quer os riscos daqueles que querem enlamear a democracia com discursos sobre a corrupção -, os democratas têm esta responsabilidade e, portanto, não pode faltar coragem aos democratas para enfrentar esse problema”, disse o deputado bloquista José Manuel Pureza, em declarações à agência Lusa, no final de uma reunião com a Associação Sindical dos Juízes (ASJP) precisamente sobre a questão do enriquecimento ilegal.
Esta será a quarta proposta do BE sobre o tema e o partido elogia o desafio do Chefe de Estado e as ideias do sindicato dos magistrados. “Não consigo vislumbrar nenhuma razão para contrariar esta proposta, porque é uma proposta absolutamente constitucional”, refere o deputado sobre o documento enviado pela ASJP, a 13 de abril, aos grupos parlamentares.
Embora ainda sem revelar qual o caminho que quer seguir, o CDS-PP também já veio dizer que vai responder ao repto presidencial, elaborando um projeto de lei que “dê todas as garantias de cumprimento da legalidade para que não esbarre no Tribunal Constitucional”.
“Será um conjunto de medidas que terão como destinatários o poder político, o poder judicial e também o próprio funcionamento do nosso sistema democrático que privilegiará os valores da transparência, éticos e morais que devem acompanhar todos aqueles que têm funções de alta responsabilidade no Estado”, disse o líder centrista, Francisco Rodrigues dos Santos, à margem de uma visita a duas esquadras da PSP no concelho de Odivelas.
Já o PSD reagiu, à Lusa, dizendo que “apoiará sempre qualquer norma nesse sentido, desde que seja eficaz e constitucional”.
Na semana passada, o grupo parlamentar do PCP fez saber que apresentaria uma proposta de criminalização do enriquecimento injustificado, no âmbito de um conjunto de medidas de combate à corrupção e ao crime económico. O partido defende penas de prisão até três anos para os praticantes deste crime, agravadas até aos cinco anos para titulares de cargos políticos e públicos.
O Chega entregou, no mesmo dia, dois projetos sobre o enriquecimento ilícito e injustificado, que visam punir quem tenha património ou despesas incompatíveis com os seus rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados e que fiscalize as despesas feitas por políticos e altos cargos públicos. O deputado único André Ventura defendeu ainda que para contornar a reprovação do Tribunal Constitucional, a criação deste crime “terá sempre de ser combinada com a alteração da Constituição”.
Duplo chumbo do Constitucional
Primeiro em 2012 e depois em 2015. O Tribunal Constitucional já chumbou, por duas vezes, leis aprovadas na Assembleia da República que puniam o enriquecimento injustificado. Da última vez, os juízes do Palácio Ratton decidiram em unanimidade – depois do então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, ter pedido a fiscalização preventiva da lei proposta pelo PSD e CDS – que o diploma violava os princípios da legalidade penal, da necessidade de pena e contrariava o princípio da presunção da inocência.
Marcelo Rebelo de Sousa voltou, nesta segunda-feira, a tirar o tema da gaveta, pedindo aos partidos que se apressassem a dar “o passo” no sentido de fazer uma lei “constitucional, que puna aquilo que é enriquecimento de titulares de cargos públicos que não têm justificação na remuneração pela função que exercem”.
Antes do Conselho de Ministros se reunir para falar sobre a estratégia contra a corrupção, o Presidente da República declarou que “já se perdeu tempo demais” e que há dez anos que alerta para a ausência de uma lei que criminalize o enriquecimento ilícito.