Para tentar desbloquear o impasse atual, e face às posições “fundamentalmente diferentes” das duas instituições em torno da proposta de regulamento com vista a uma derrogação temporária de determinadas disposições da diretiva sobre privacidade e comunicações eletrónicas, a ministra da Justiça e presidente em exercício do Conselho de Justiça da UE, Francisca Van Dunem, escreveu ao Parlamento Europeu (PE) para intensificar as negociações políticas, com vista a um compromisso que considera urgente.
Na missiva, dirigida na segunda-feira ao presidente da Comissão de Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos do PE, Juan Fernado López Aguilar, e à qual a Lusa teve acesso, a ministra começa por salientar que a proposta para uma derrogação temporária de certas disposições da diretiva “no que respeita à utilização de tecnologias por parte de fornecedores de serviços de comunicações interpessoais independentes do número para o tratamento de dados pessoais ou de outro tipo para efeitos de luta contra o abuso sexual de crianças em linha” é “uma prioridade máxima para a presidência portuguesa”, à qual estão a ser consagrados “recursos consideráveis desde o primeiro dia”.
Notando que o primeiro trílogo político — as reuniões ‘conciliatórias’ entre as instituições durante o processo legislativo na UE -, celebrado em 17 de dezembro de 2020, mostrou que as posições do Conselho e do Parlamento Europeu estavam muito afastadas, a ministra da Justiça recordou que foi então acordado que deveriam prosseguir discussões técnicas em torno da proposta para tentar aproximar as instituições.
Nesse sentido, nota Van Dunem, desde que Portugal assumiu a presidência semestral do Conselho da UE, em 01 de janeiro deste ano, já foram celebradas oito reuniões técnicas com o Parlamento Europeu, a última das quais em 12 de fevereiro, a par de diversas reuniões informais com a Comissão Europeia e reuniões bilaterais com os Estados-membros, “realizadas numa base quase diária”.
“A presidência portuguesa do Conselho está fortemente comprometida em alcançar uma conclusão rápida e positiva para este dossiê. As reuniões técnicas permitiram avanços nalgumas questões pendentes. No entanto, as abordagens dos colegisladores a esta proposta mantêm-se fundamentalmente diferentes. A presidência portuguesa está assim convicta de que um trílogo ao nível político é necessário nesta fase”, argumenta Francisca Van Dunem, justificando assim o agendamento de novo trílogo já para o dia de hoje.
“A presidência portuguesa está comprometida em colocar sobre a mesa propostas construtivas concretas, de modo a ajudar a alcançar um entendimento comum e um acordo com o PE tão cedo quanto possível. Estamos confiantes que o PE está igualmente comprometido com um acordo muito em breve para combater os abusos sexuais sobre crianças online de forma tão eficaz quanto possível, e esperamos uma discussão frutuosa no trílogo”, conclui a ministra.
Em setembro do ano passado, a Comissão Europeia apresentou a proposta de um regulamento provisório para garantir que os fornecedores de serviços de comunicações em linha possam continuar a detetar e denunciar o abuso sexual de crianças em linha e a remover o material pedopornográfico.
A proposta de Bruxelas visou colmatar um vazio legal que iria ocorrer daí por sensivelmente três meses, já que, com a entrada em vigor, em 21 de dezembro último, do novo Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, determinados serviços de comunicação em linha, como o ‘webmail’ ou os serviços de mensagens, passarem a ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva de privacidade e comunicações eletrónicas.
Esta lei comunitária não contém uma base jurídica explícita para o processamento voluntário de conteúdos ou dados de tráfego para efeitos de deteção de abuso sexual de crianças em linha, o que significa que os fornecedores têm de cessar as suas atividades de monitorização, a menos que haja então uma derrogação provisória de certas disposições da diretiva, que a presidência portuguesa quer assegurar sem mais demoras.
A proposta original da Comissão já previa garantias para salvaguardar a privacidade e a proteção dos dados pessoais, sublinhando Bruxelas o seu “âmbito de aplicação restrito, limitado a permitir a continuação das atuais atividades voluntárias, sujeito ao regulamento geral de proteção de dados”.
A nível do PE, e em concreto da comissão parlamentar de Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos, responsável por este dossiê, uma das questões que tem impedido um compromisso com o Conselho é se o “aliciamento” — a solicitação de crianças com o objetivo de se envolverem em atividades sexuais — deve ser abrangido.
Vários eurodeputados, preocupados com a proteção de dados e o impacto nas liberdades fundamentais, defendem que o regulamento deve aplicar-se apenas a vídeos ou imagens trocados em serviços de mensagens e correio eletrónico, e não à monitorização de comunicações por texto ou áudio.
ACC // MDR