Uma ameaça à saúde pública, um drama para a economia mundial, um ataque ao emprego e um desafio ao sindicalismo. Mais do que um perigo sazonal, o coronavírus é um teste permanente à resistência de todas dimensões das nossas vidas e também os representantes dos trabalhadores, sejam de que setor forem, sabem terão de se adaptar se quiserem sobreviver ao “novo normal”
Nas vésperas do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, que a CGTP assinalará nas ruas – ainda que, alega, respeitando as normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) – e a UGT comemorá com mensagens dos seus dirigentes difundidas online, a VISÃO ouviu sindicalistas, coordenadores de comissões de trabalhadores ou de associações de defesa de direitos laborais e académicos especialistas em relações do trabalho. Todos eles estão de acordo: o a.C. (antes da Covid-19) e o d.C. (depois da Covid-19) terão poucos pontos de contacto e a mudança de chip terá de ser drástica.
Embora se avizinhem tempos de incerteza, com jornadas de luta realizadas entre quatro paredes, atrás de teclados, com conferências virtuais ou até com cadernos de encargos mais light, as personalidades ouvidas também desencorajam os detratores do sindicalismo clássico (sem diabolizar por completo as novas figuras dos movimentos independentes). No entanto, pedem cuidados redobrados a quem anda nestas lidas há mais tempo. O horror ao vazio, previnem sindicalistas e ex-sindicalistas, pode fazer emergir atores menos recomendáveis.
Uma nova aliança entre antigos e novos sindicatos
Na ótica de Hermes Augusto Costa, académico especializado nos assuntos sindicais, as mutações vão ser bastante notórias. “De entre as tendências antigas, uma forte pressão vai colocar-se sobre fatores onde o sindicalismo já apresentava fragilidades, como a questão da representatividade ou a capacidade para interferir na via legislativa, seja por processos de conflito, seja de negociação”, explica, em declarações à VISÃO.
“Por outro lado”, indica o docente, co-coordenador do doutoramento em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo ministrado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e no Centro de Estudos Sociais, “emergem desafios novos decorrentes dos novos modos de trabalhar”. “O teletrabalho ganhou uma acuidade que não estava propriamente na agenda dos sindicatos. Com esse regime, os ecos de um enfraquecimento da dimensão coletiva do trabalho são o corolário do afastamento do tradicional local de trabalho. Desse modo, o espírito de mobilização sindical fica confinado a um ativismo digital ainda muito embrionário”, reforça.
Para este especialista, esta crise “vai desafiar os sindicatos a compromissos mais sólidos não só ‘internos’ (dentro dos sindicatos e entre sindicatos com distintas orientações ideológicas), mas sobretudo ‘externos’, pois são os setores mais vulneráveis da força de trabalho (trabalhadores temporários, em outsourcing, a recibo verde, com contratos a prazo, em período experimental) os primeiros afetados pela atual pandemia”.
Isso requer, na perspetiva de Hermes Augusto Costa, “outra política de alianças” entre os velhos sindicatos e as novas organizações de trabalhadores precários, por exemplo. “No tempo da troika essas alianças ficaram aquém do esperado. Importa, por isso, apostar em fatores potenciadores de convergência e aprendizagem recíproca: pressão conjunta de denúncia e resistência perante situações de desemprego e precarização; clamor contra uma nova era de austeridade; combinação entre o sentido tático das lutas sindicais e a virtuosidade do ativismo das redes sociais típico das associações de precários, etc.”, exemplifica.
O espírito de mobilização sindical fica confinado a um ativismo digital ainda muito embrionário
Hermes Augusto Costa, professor universitário especialista em relações laborais e sindicalismo
“O facto de a crise colocar todos os protagonistas contra um vírus poderia fazer supor um ‘pacto de não-agressão’ entre trabalhadores e empregadores. Por essa ordem de ideias, o lado do ‘fator trabalho’ poderia ganhar em estar mais coeso. Mas já se percebeu que as dissonâncias, sendo ‘genéticas’, são difíceis de ultrapassar. Ainda assim, um exemplo raro e recente (curiosamente pouco anterior à pandemia, em novembro de 2019) de convergência que merece ser saudado foi a declaração conjunta (Sindicato dos Jornalistas, CGTP e UGT) de veemente apelo à revitalização da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que, entretanto, viu o reforço a sua capacidade inspetiva concretizado”, prossegue.
Hermes Augusto Costa não tem dúvidas de que a realidade laboral está em mutação acelerada e que, portanto, os sindicatos terão de se adaptar nos diversos domínios em que intervêm: “Como não está posto de parte um efeito cruzado entre digitalização e precarização (desde logo porque há profissões em maior risco na indústria 4.0, assim como empregos na economia digital atravessados por hierarquias e desigualdades), os sindicatos devem saber tirar o melhor partido das redes socais não só para recrutar como para comunicar e falar ‘ao coração’ da sociedade.”
O coronavírus, previne, “vai pressionar os sindicatos a mobilizarem os seus associados a apoiarem campanhas à distância, usando recursos e estratégias de comunicação digital”. “Em muitos casos, trata-se de um esforço de comunicação hercúleo, uma vez que pressupõe relegar para segundo plano o tradicional trabalho de proximidade, de envolvimento físico junto dos trabalhadores. Mas é um esforço que (em nome da dignidade do trabalho pelo qual lutam os sindicatos) se torna cada vez mais necessário”, remata.
Aumentos de 3% em 2021? “Não estaria a ser realista”, diz líder da UGT
Carlos Silva, secretário-geral da União Geral de Trabalhadores (UGT), considera que “há muitos anos que o sindicalismo e a vida sindical não eram tão preenchidos e vividos pelos trabalhadores”. Os tempos – com mais de um milhão de trabalhadores abrangidos pelo lay-off simplificado, com quase metade da população ativa em teletrabalho e com o País há mês e meio “de porta fechada” – criam “um quadro laboral difícil de estimar e ao qual será difícil de responder”.
O líder da segunda maior central sindical portuguesa revela à VISÃO que têm sido “muitos milhares de trabalhadores” a apresentar “as suas preocupações ao universo sindical”. E adianta: “Em pleno século XXI, os trabalhadores, mesmo estando em casa, sentem falta de quem os represente. Temos sido confrontados com despedimentos coletivos, rescisões de contratos, um ataque aos precários, situações que apareceram em catadupa”.
No imediato, o novo coronavírus coloca igualmente entraves ao trabalho dos sindicalistas, que tiveram de se conformar com o recurso às ferramentas digitais. “O movimento sindical está confrontado com um novo ambiente e limitado pela proximidade. Não podemos ir aos locais de trabalho, não podemos estar com os trabalhadores e conhecer de perto as suas reivindicações, nem conhecer in loco os seus problemas. Só isto já é uma alteração de paradigma. O chip não mudou, está completamente queimado!”, enfatiza.
Não podemos ir aos locais de trabalho, não podemos conhecer as reivindicações dos trabalhadores. O chip não mudou, está completamente queimado
Carlos Silva, secretário-geral da UGT
No que respeita à proteção do trabalho e dos salários, Carlos Silva dá sinais de pragmatismo. A máxima parece ser esperar o melhor, mas estar preparado para o pior. “Não auguro uma experiência muito positiva para o que aí vem. Sei que o primeiro-ministro tem tentado não verbalizar que vem aí mais medidas difíceis e cabe ao movimento sindical dizer que não quer mais do mesmo”, alerta.
Ciente de que, através dos seus sindicatos e uniões, a UGT representa cerca de 450 mil trabalhadores, ensaia já um discurso de realismo. Evita afirmações categóricas ou promessas que lhe pareçam irrealistas. “A UGT tem uma cultura de moderação, sempre teve. O país já me conhece o suficiente e sabe que sou uma pessoa moderada e ponderada. Quer para o setor público, quer para o privado, a UGT irá apresentar as suas reivindicações dentro de um quadro de constrangimentos. Ninguém quer perder salários e direitos, mas é preciso deixar passar alguns meses para ver como é que a economia vai regar, que medidas a União Europeia vai implementar e só aí é que os sindicatos da UGT poderão mover as suas peças”, explica.
Avisando, desde já, que a central não pactuará “cortes de salários ou de pensões” na Administração Pública nem com a sobrecarga fiscal da classe média, deixa escapar uma frase que poderá ser impopular no universo sindical: “Se me perguntar se é possível haver aumentos de 3% para 2021, eu gostaria de dizer que é. Estaria a ser realista? Não, não estaria”. O seu papel, realça, passa também por “contribuir para a serenidade da discussão pública”.
Teletrabalho: aliado das famílias ou alvo a abater?
Para Henrique Sousa, coordenador da associação Práxis-Reflexão e Debate sobre Trabalho e Sindicalismo, admite que o mundo sindical “enfrenta as tremendas exigências desta emergência social com a sua força e enraizamento social, mas também com as fragilidades acumuladas de uma crise de representação e com fragilidades orgânicas que alguns teimam em negar ou ignorar”.
“Os baixos níveis de sindicalização (cerca de 15%) e a reduzida representação nos locais de trabalho, embora reflectindo tendências internacionais, situam Portugal na cauda dos países membros da União Europeia (UE). Estas fragilidades não põem em causa, todavia, o protagonismo social e político do movimento sindical, que continua a constituir a maior força social organizada em Portugal”, vinca.
Em todo o caso, o antigo dirigente do PCP admite que o sindicalismo “é confrontado neste tempo de pandemia e no processo de transição incerta para um ‘novo normal’ com a exigência de combinar o combate à lei da selva nas relações de trabalho e pela proteção do emprego, do salário e das condições de higiene e segurança no trabalho (esta última uma frente sindical de acrescida importância no quadro da retoma de atividades económicas) com uma intervenção responsável, propositiva e empenhada sobre as escolhas políticas e sociais que, aprendendo com esta crise, abram caminho à construção de uma sociedade mais decente, mais solidária e mais justa”.
Além da componente pedagógica – que exigirá dos dirigentes sindicais atenção a novos pontos de tensão nos locais de trabalho -, Henrique de Sousa salienta que “constitui um enorme desafio para o sindicalismo, num quadro de agravamento do desemprego e do medo social, da incerteza, da precariedade e da escassez de recursos, encontrar caminhos de mobilização e representação social para resistir à pressão para a desvalorização da negociação coletiva, para a perda salarial e de direitos e para manter na agenda política o combate por uma melhor repartição do rendimento num dos países mais desiguais da Europa”. Perante este cenário, admite haver um margem de otimismo: “O sindicalismo pode sair desta emergência social mais forte se encontrar respostas eficazes e se renovar, fazendo desta crise também a sua oportunidade”, sintetiza, na reflexão escrita enviada à VISÃO.
Que o sindicalismo português representativo não deixe que sejam atores menos recomendáveis a preencer o espaço vazio
Henrique Sousa, coordenador da associação Práxis
Henrique Sousa identifica, sem hesitações, as prioridades dos tempos pós-Covid. E, com um rol de questões, lança já o debate: como vai o sindicalismo “incorporar as lições e consequências” do coronavírus na sua ação coletiva, “não deixando para traz os trabalhadores mais frágeis, isolados, precários, temporários e desempregados” e como vai “dar mais voz e representação aos que têm subordinação económica, mas não jurídica”?
As perguntas avolumam-se: “Vai o movimento sindical assumir o teletrabalho, não como inimigo a abater, mas como uma realidade que está para ficar e que vai exigir respostas novas aos sindicatos no plano da organização destes trabalhadores e da negociação colectiva, do enquadramento legal dos seus direitos, salários, instrumentos e tempo de trabalho, relação com o lazer e a família?”, questiona também Henrique Sousa. E as dúvidas sucedem-se: “Como vai encontrar o justo equilíbrio entre a assunção de que os sindicatos fazem parte da solução para o país e para esta crise com a exigência do público reconhecimento, respeito e valorização dos trabalhadores, dos seus salários e emprego e do seu direito à negociação coletiva, como sendo condição do processo de superação desta crise, num tempo em que o medo do desemprego vai funcionar como chantagem social?”
O rolo compressor do momento, a que se juntam problemas antigos, exige respostas urgentes do sindicalismo tendo em conta um diagnóstico dramático: “Como vai responder às fragilidades organizativas e comunicacionais próprias que esta crise evidenciou, vencendo o seu atraso digital, incorporando decididamente na sua cultura e funcionamento as ferramentas de comunicação digital para melhor informação, mais participação e mais apoio aos trabalhadores?” Ou até: “Como vai o sindicalismo tornar-se politicamente mais autónomo, mas não despolitizado, mais democrático, mais transparente, mais inclusivo, para renovar a sua capacidade de atração dos trabalhadores, e sobretudo, das gerações mais jovens?
E, finalmente, uma questão direta às duas maiores confederações e aos demais sindicalistas do País: “Como vão as centrais sindicais e os sindicatos construir a unidade de acção e as convergências necessárias à extrema gravidade social e económica do que enfrentamos e do que está por vir, não para enterrarem as diferenças, mas para que elas não se transformem em muros intransponíveis, que se tornarão benefício do poder político e económico, seja na negociação coletiva, na concertação social, ou na escolha das políticas públicas?”
Além de dar pistas para a reflexão, o coordenador da Práxis aponta também o caminho. E com palavras assertivas. “Enterrar a cabeça na areia deu sempre mau resultado. Os sindicatos, nascidos no seio do capitalismo para organizar os trabalhadores na representação colectiva dos seus interesses, não têm alternativa nem substituto. A questão é se assumem conjuntamente as suas fragilidades e capacidades para as converterem na força renovada capaz de estar à altura dos desafios e das necessidades do mundo do trabalho nesta emergência social. Na política, na sociedade, como na natureza, há horror ao vazio. Que o sindicalismo português representativo não deixe que sejam atores menos recomendáveis a preenchê-lo.”
Outsourcing e precariedade: as ameaças nos Estaleiros de Viana
Afunilemos a análise. Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) já foram um bastião industrial e laboral do País. Nos tempos áureos existiram ali mais de 1200 trabalhadores, a esmagadora maioria no quadro da empresa, e estruturas sindicais com enorme peso, dinâmica e influência. Hoje o cenário é desolador. “Não existem delegados sindicais nem comissão de trabalhadores, 80 por cento da força laboral pertence a empresas de outsourcing e parte dela é constituída por estrangeiros”, revela Augusto Silva, coordenador da União dos Sindicatos de Viana do Castelo (USVC).
A falta de ligação aos ENVC e a precariedade dos vínculos faz com que os trabalhadores receiem organizar-se e expor-se em público, mesmo quando confrontados com situações que consideram abusivas. Exemplo disso foi dado pela própria pandemia: a 3 de abril, por carta, a USVC denunciou à ACT a circunstância de estarem a ser exigidas pela concessionária dos ENVC aos trabalhadores das empresas de outsourcing provas de resultados negativos do teste à Covid-19 ou declaração médica a confirmar não estarem infetados ou com sintomas.
Segundo Augusto Silva, a medida é ilegal, mas a ansiedade apoderou-se dos trabalhadores: “Num só dia entupiram o acesso ao centro de saúde.” Uma vez que a realização dos testes obriga a cumprir as normas da DGS, os mesmos foram recusados. “Os trabalhadores entraram em desespero. Como é óbvio, nenhum médico se dispõe a declarar que o trabalhador não está infetado sem o prévio teste”, explica o coordenador da USVC.
Conseguimos adesões de jovens e estávamos a conseguir algum trabalho, mas a pandemia veio mudar isto tudo
Augusto Silva, coordenador da União dos Sindicatos de Viana do Castelo
Para o sindicalista, este é uma das situações que dificultam o trabalho de representação dos trabalhadores: como mobilizar, organizar e defender funcionários temerosos, sujeitos a horários desregulados e condições precárias, presas fáceis de arbitrariedades e territórios sem lei? “Muitos jovens trabalhadores não têm tradição de luta laboral, mas têm grandes noções de justiça social. Muitos foram sentindo isso em casa, nos últimos anos, pela forma como viram os pais a serem tratados. Ao fim de semanas de trabalho, percebem que não querem o mesmo e têm de lutar por melhores condições. Conseguimos adesões nessa geração e estávamos a conseguir algum trabalho, mas a pandemia veio mudar isto tudo”, explica o dirigente sindical.
Ainda assim, nem tudo é terra queimada. “Há bons exemplos no distrito, mesmo em tempo de Covid-19. É o caso das empresas Browning [de armas e artigos de desporto] e DS Smith [de embalagens], onde 99 por cento dos trabalhadores são sindicalizados e o diálogo entre administrações e sindicatos deu frutos, com ganhos para todos, não tendo sido prejudicado por esta crise”, sublinha.
Negociações suspensas no parque da Autoeuropa
Mais a sul, o parque industrial de Palmela continua a ser um foco de preocupação de governantes, empresários e trabalhadores. Nos últimos dois meses, perdeu-se produção, ganhou-se em higiene e segurança e transformou-se o modo de laboração, com regras muito mais apertadas. No entanto, uma das “maiores dificuldades” sentidas no pólo que tem a fábrica da Volkswagen como centro gravitacional, conta o líder da coordenadora das comissões de trabalhadores do parque, foi o “despedimento de trabalhadores temporários” em várias empresas. “Até o Governo”, afirma, sentiu essa inquietação.
Com a pandemia ainda por controlar, Daniel Bernardino nota que em alguns casos “foram os próprios trabalhadores a pedir às respetivas comissões de trabalhadores para arranjarem soluções para eles irem para casa”. O parque parou quase todo a 15 de março. “As pessoas não estavam preocupadas com reivindicações salariais, mas com a sua saúde”, afirma. Deste modo, explica, “é natural que as reivindicações laborais tenham ficado um bocado condicionadas”. As prioridades são outras – e novas.
“Da nossa parte tem havido disponibilidade para nos ajustarmos e sermos flexíveis e as empresas, em geral, também têm agido com muita transparência”, elogiava Daniel Bernardino no domingo, 26, véspera da retoma dos trabalhos. “A laboração vai arrancar gradualmente, não vamos funcionar com o máximo da produção diária (vão ser dois turnos e só de segunda a sexta-feira, ao sábado e ao domingo não haverá laboração de qualquer empresa do parque). Daqui a um mês, se o mercado pedir, voltamos aos 19 turnos”, antecipa.
“Na maioria das empresas, as negociações de salários foram suspensas e vamos aguardar mais algum tempo”
Daniel Bernardino, líder da coordenadora das comissões de trabalhadores do parque industrial de Palmela
A vida, entretanto, mudou nas duas dezenas de fábricas que ali operam: além de os turnos terem sido reduzidos a seis horas, as desinfeções dos espaços são imperativas e até a medição das temperaturas corporais foi normalizada: “Noutra altura, [os trabalhadores] usariam isto para fazer um protesto e, neste momento, estão a dizer que querem medir a temperatura e que querem acompanhamento para quem precisar.”
Em todo o caso, Daniel Bernardino, que foi candidato a deputado nas listas do BE no ano passado, assume que há um a.C. e um d.C. – antes e depois de Covid, leia-se. “Só quatro ou cinco empresas [de 19] é que tinham as negociações [de rendimentos e outras regalias para o próximo ano] fechadas. Nas outras, na grande maioria, foram suspensas e vamos aguardar mais algum tempo, aquilo que está primeiro são as condições de segurança e saúde”, observa.
Na Autoeuropa, detalha, a queda de produção rondará os 35 mil carros (à razão de 900 viaturas por dia de paralisação). Um rombo no contributo que a empresa dá anualmente (1,6%) ao Produto Interno Bruto (PIB) português e uma machadada na economia do distrito de Setúbal.
O representante dos trabalhadores mostra-se sensível à quebra abrupta do último mês e meio. “O T-Roc tem sido um sucesso, mas já perdemos muitas encomendas – quase tudo exportações, maioritariamente Itália e Alemanha – e vamos ver como é que a produção é retomada e como é que o mercado vai reagir”.
Em definitivo, a pandemia revelou-se uma sobrecarga de trabalhos para o sindicalismo. Em teoria e no terreno. Transformar isso numa oportunidade é o desafio. E pode não haver outro.