Se este foi um dos anos em que o 25 de Abril mais dividiu a esquerda e a direita, Rui Rio optou por deixar ao CDS, ao PAN, ao Chega e à Iniciativa Liberal o papel de críticos dos moldes das comemorações. Em vez disso, o presidente do PSD dedicou grande parte da intervenção deste sábado, na Assembleia da República, à crise sanitária que o País atravessa e às dificuldades económicas e sociais que vai enfrentar no pós-coronavírus. O líder social-democrata advertiu que mais vale prepararmo-nos para a possibilidade de termos de enfrentar medidas de austeridade, mas também desafiou o Governo preocupar-se mais com a resposta que vai dar aos problemas e menos com a propaganda sobre os esforços que tem feito.
Assinalando que Portugal celebra, pela primeira, a Revolução dos Cravos com a “liberdade limitada”, Rio alertou que podemos vivir a ter uma segunda onda da pandemia daqui por poucos meses”. “Impõe-se, por isso, que o País se prepare para esta eventualidade, porque a economia portuguesa não resistirá a uma nova paragem idêntica àquela que estamos a viver”, explicou. Disse mais: “As falhas que da primeira vez existiram não poderão ser repetidas”, pelo que no próximo inverno “teremos de ter uma maior capacidade de resposta do SNS, sob todos os pontos de vista”.
“Teremos de ter mais equipamentos disponíveis e mais profissionais habilitados a usá-los. Teremos de ter testes em quantidade suficiente. Terá de haver proteção individual adequada para todos, a começar pelos profissionais de saúde que estão na linha da frente. E terá de haver, como já tive oportunidade de alertar, informação e pedagogia adequada que, na ausência de medicamentos para a cura da infeção, apoie os portugueses no necessário reforço do seu sistema imunitário”, acrescentou. “Temos de olhar com especial cuidado para os lares de idosos, onde todos estes aspetos assumem uma importância absolutamente decisiva”, reforçou ainda, antes de passar ao ataque a António Costa e ao elenco governamental.
“Mais importante do que planear a presença de governantes nos jornais e nas televisões para publicitarem, a toda a hora, o que fizeram e o que não fizeram, é planear a resposta do País a uma eventual segunda onda da Covid-19”, disparou, mostrando-se pouco convicto de que, em algum momento, não seja necessário adotar medidas que visem aumentar a receita e diminuir a despesa do Estado. Austeridade, bem entendido. “O PS e os partidos da maioria parlamentar que apoiam o Governo têm garantido que, com eles, não haverá qualquer tipo de austeridade. É uma notícia que, seguramente, a todos agrada, mas tal otimismo não pode ser impeditivo de nos prepararmos para o pior cenário, pois, tal como o povo nos ensina, ‘mais vale prevenir do que remediar'”, antecipou o líder da oposição.
Contra os populistas, celebrar Abril
Foi uma das figuras que mais esteve debaixo de críticas nas últimas semanas. Num discurso em grande medida justificativo das razões que levaram a que houvesse cerimónia do 25 de Abril na Assembleia da República, apesar da pandemia e das críticas que a decisão motivou, Eduardo Ferro Rodrigues também deixou alertas para o avanço de “alternativas antidemocráticas” e pediu união no combate que se segue: o da retoma da economia.
Mas, primeiro, o Presidente da Assembleia da República prestou homenagem às vítimas da Covid-19. Antes de arrancar a intervenção, Ferro Rodrigues pediu um minuto de silêncio aos cerca de 100 deputados e convidados presentes na Sala das Sessões da Assembleia da República, em homenagem às vítimas e familiares das vítimas do novo coronavírus. Depois, justificou-se longamente.
Nesta “hora difícil”, a Assembleia da República não podia ficar fora da fotografia. Ferro reconhece as “ansiedades”, os “receios” e o “medo” que vêm com a pandemia, mas “mesmo em estado de emergência, não vimos ser suspensa a democracia” e o Parlamento manteve “intactos os seus poderes”, sublinhou a segunda figura do Estado.
“Celebrar” abril – e não “festejar”, como fez questão de sublinhar –, serve também para fazer frente às novas ameaças. “A liberdade é aqui e agora” e assinalar o 25 de Abril de 2020 serve também para “garantir que as crises nunca servirão de pretexto para lançar, nestes momentos, qualquer alternativa anti-democrática”.
Na mesma linha, Ferro defende que, perante essas ameaças, “o pior que podia acontecer à nossa democracia era ver o trabalho de escrutínio das oposições parlamentares ser exercido por poderes fáticos e inorgânicos com interesses poucos claros e de onde não virá qualquer alternativa política ou benefício”.
Deputados no seu “posto”
Foi de uma passagem de Manuel Alegre que a líder parlamentar do PS se socorreu para, também ela, justificar por que razão estava ali, a ocupar o seu lugar no Parlamento, num momento em que se continuam a impôr regras apertadas de confinamento aos portugueses. E se Alegre escreveu que “em maio de 1963” estava “na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no [seu] posto”, agora, essa tarefa cabe aos deputados. “Hoje, mais do que em qualquer outro dia, a casa da democracia tem que dizer presente.”
Foi essa a ideia conduta da intervenção de Ana Catarina Mendes: estar presente na Assembleia da República para assinalar a Revolução em plena pandemia significa defender a democracia. Porque os riscos estão aí. “O inimigo desconhecido que ameaçou a nossa liberdade fez também aparecer outros demónios já conhecidos: xenofobia, fechamento nacional e medo. Um medo subterrâneo que alguns gostariam de usar para abalar os pilares do estado democrático”, sublinhou a socialista.
E, porque a solução também vem de fora, Ana Catarina Mendes diz que, ainda que as notícias que chegam da Europa oscilem “entre o bom, o mau e o incerto”, a socialista acredita que “a Europa será reforçada nesta crise, fará parte da sua solução, não dos problemas gigantescos que temos pela frente”.
As “lições” da crise
José Mário Branco, Ary do Santos, Zeca Afonso. Foi pelas palavras daqueles que escreveram e cantaram a Revolução que Moisés Ferreira (Bloco de Esquerda) se guiou para defender um 25 de Abril em tempos de pandemia, lembrar as vítimas do vírus, fazer a ode ao Serviço Nacional de Saúde e cerrar fileiras contra aqueles que querem “desenterrar a velha cartilha da austeridade” para responder à crise económica e social provocada pelo novo coronavírus.
“Das lições desta crise, também fica claro, caso ainda houvesse dúvidas, que são os trabalhadores que permitem que o país, que garantem que no dia a dia não falha o essencial. Não são os acionistas nem os que sediaram as empresas lá fora para fugir aos impostos”, defendeu o bloquista na sessão solene, na Assembleia da República. É por isso, defende Moisés Ferreira, que além de aplausos, os profissionais de saúde tenham “melhores carreiras e remunerações”; e que o SNS tenha “mais investimento para continuar no combate à Covid, recuperar a atividade suspensa e, ao mesmo tempo, reforçar a sua resposta em áreas como a saúde mental ou os meios complementares de diagnóstico”.
“Não passarão!”
Jerónimo de Sousa já olha para o dia depois da crise de saúde pública, antevendo o regresso de tempos recentes. “Os que há pouco diziam que vivíamos acima das nossas possibilidades estão de volta, empolando dificuldades reais. Regressaram a debitar as suas velhas receitas agigantando catastróficos cenários, para justificar o aprofundamento da exploração”, avisou o deputado comunista.
Para esses, que já vão “ensaiando o discurso da inevitabilidade do corte dos salários, das pensões e dos direitos e a pensar manter intocáveis os seus instrumentos de exploração”, Jerónimo tem uma mensagem: “Não o podemos aceitar!”
No seu discurso, o secretário-geral do PCP lembrou, ainda, que “os portugueses não estão todos nas mesmas condições” no combate à pandemia. E defendeu: “Está muito por fazer e mais do que nunca é preciso, nestes tempos inquietantes, seguir no trilho que Abril abriu, renovando o apego aos seus importantes valores. ”
“Não aceitamos lições de democracia!”
Em nome do CDS, Telmo Correia subiu à tribuna para reforçar o desagrado do partido sobre a imposição das comemorações. Num discurso que coube numa página A4 e que foi lido em apenas três minutos, o líder da bancada centrista enfatizou que com a cerimónia desta manhã, em estado de emergência, “o poder político está a dizer que permite para si mesmo aquilo que proibiu aos portugueses”. “E que não respeita para si próprio o que exigiu ao povo – isolamento e confinamento”, notou, apontando aniversários, funerais, a Páscoa, o Dia da Mãe ou as peregrinações da Fátima como exemplos da dualidade de critérios.
“Em democracia, não há datas prescindíveis e outras imprescindíveis, por imposição da maioria. No País, esta celebração dividiu os portugueses quando o momento é de união. Todo o país deve respeito a este Parlamento, mas o Parlamento também deve respeitar os portugueses”, asseverou o dirigente dos democratas-cristãos, que avisou também os adversários: “Não aceitamos lições de democracia de ninguém!” Estava lavrado o protesto.
A Revolução por cumprir
Já Inês Sousa Real, chefe do grupo parlamentar do PAN, levou ao púlpito ideias do Abril que ainda está por concretizar. “Evocar Abril em 2020 tem de ir além da homenagem àqueles que fizeram a História. Requer a renovação e o fortalecimento dos valores democráticos, refletindo o presente e a liberdade de construir o futuro”, disse. Por isso, salientou aquilo que falta fazer na igualdade de género (destacou o flagelo da violência doméstica), no combate à pobreza, na justiça, no reforço do Serviço Nacional de Saúde ou na proteção da velhice, da invalidez e no desemprego.
Contudo, abriu o leque das exigências. Falou do ambiente, das alterações climáticas e, claro, de animais, que “continuam a ser votados ao abandono, aos maus tratos, à privação da sua liberdade ou à sujeição a atividades cruéis, que ferem os valores humanitários que nos devem nortear”.
Sobre a cerimónia no hemiciclo, também não poupou a maioria, uma vez que o PAN, desde o início advogava festejos mais minimalistas. “Na própria casa da democracia, ainda há quem mostre intolerância a desvios ao pensamento único do sistema. Nesta casa não nos podemos esquecer de que a democracia é de todos e para todos. Não há donos da democracia! Só respeitando a pluralidade democrática e as vozes discordantes que Abril nos permitiu é que se trava o caminho dos populismos e a demagogia crescentes”, finalizou Inês Sousa Real.
Regressar a Abril
“O 25 de Abril não está de quarentena.” Foi uma passagem em jeito de alerta, aquela que José Luís Ferreira (Os Verdes) partilhou no púlpito. Se a democracia não foi interrompida quando foi preciso votar as medidas da troika, quando Portugal esteve sob assistência financeira, e se o Parlamento não parou (nem podia parar) quando se votou uma e outra vez a declaração do estado de emergência, essa suspensão não poderia acontecer no dia da liberdade.
Depois, vem o combate que falta. José Luís Ferreira espera que “maio represente o início do regresso à normalidade, uma caminhada que se adivinha longa e gradual” e que terá de servir para “achatar” as curvas de outros indicadores que não o da propagação do vírus. “É preciso achatar depois a curva das desigualdades, sobretudo a pensar nos trabalhadores que ficaram sem trabalho e que viram os seus rendimentos reduzidos”. Mas também “é preciso achatar a curva do tratamento entre os bancos e os contribuintes”, e “é imperioso achatar a curva da emergência climática”. Para isso, “impõe-se um regresso à razão e aos valores de Abril”.
“Não devíamos estar aqui hoje!”
Sem papel, e no seu registo habitual, André Ventura foi direto às canelas de Eduardo Ferro Rodrigues. “Não devíamos estar aqui hoje. Por muito importante que seja, não devíamos estar aqui e arrisco-me a dizer que a grande maioria dos portugueses não queria que estivéssemos aqui”, atirou.
O presidente e deputado único do Chega questionou de que “valem os cravos” nas lapelas ou as Grândolas entoadas das varandas quando há tanta corrupção no País, quando “bandidos” são libertados em pleno estado de emergência e se menorizam os direitos dos profissionais de saúde e de segurança. “De que vale termos Abril se temos uma confusão cada vez maior entre o Estado e o partido? Como podemos falar de Abril a pagar subvenções vitalícias a políticos que nos roubaram. ‘Populismo’, dizem eles, mas é a mesma conversa há 46 anos…”, asseverou, para de imediato apontar o dedo aos “coitadinhos de Abril” e a “algumas minorias”, as razões, alegou, “para pagarmos cada vez mais impostos”.
Solução, na ótica de Ventura? “Precisamos de outro 25 de Abril, de uma nova madrugada para um novo regime. (…) Queremos a IV República.”
Carta ao filho que entra na maioridade
Muito díspar foi o caminho escolhido por João Cotrim de Figueiredo. O presidente e deputado único da Iniciativa Liberal (IL) escreveu uma carta ao filho mais novo, que completa este sábado 18 anos, e tomou a liberdade de a partilhar com o País. Com a liberdade presente em várias passagens da missiva, pediu ao jovem que nunca a tome “como garantida”, até porque outros tiveram de lutar para que a tivesse. “E tu deves estar preparado para fazer o mesmo se, um dia, sob um qualquer pretexto, te quiserem privar da tua liberdade, mesmo que seja só um bocadinho, mesmo que seja só por um bocadinho. Tu e a tua geração”, indicou, numa clara alusão a eventuais excessos do estado de emergência que enfrentamos.
“Graças ao 25 de Abril e ao 25 de Novembro, nasceste num país democrático e livre, mas a liberdade que verdadeiramente interessa não é a dos países, é a das pessoas. E não há verdadeira liberdade enquanto não houver igualdade de oportunidades e possibilidade de escolha. É que, embora tu e os jovens da tua geração tenham nascido num país livre, não nasceram num país próspero”, clarificou o líder dos liberais.
E ensaiou o mea culpa: “Sinto uma parte da responsabilidade por isto. Eu e a minha geração não te deixamos, a ti e à tua geração, um País à altura das vossas ambições. O Portugal que vos deixamos quase não cresce desde que nasceste, há 18 anos. O Portugal que vos deixamos foi ultrapassado por países que eram mais pobres do que nós há 18 anos. O Portugal que vos deixamos é menos produtivo em termos relativos hoje, do que era quando nasceste. Por isso, tu e a tua geração terão menos oportunidades do que eu tive, menos escolhas do que eu tive, menos liberdade do que eu tive. Pela parte que me toca, desculpa.”
Por fim, houve tempo para alfinetadas ao PS, de Costa, e ao PSD, de Rio: “Se resistirmos ao conformismo e aos falsos unanimismos, se não deixarmos que o Estado se confunda com um partido, se a crítica e a diferença forem vistas como a força que são, os portugueses serão tão bons como os melhores e mais livres do que nunca.”