Mário Centeno tinha acabado de reunir-se com os deputados do PS, esta quinta-feira, para apresentar o Orçamento do Estado aos socialistas. No encontro, o ministro das Finanças deixou sinais de que a proposta do Governo tem margem para mexidas, mas também fica claro que nenhuma alteração pode ameaçar os “históricos” 500 milhões de euros de excedente orçamental que o Governo prevê para o próximo ano. “Há margem para pequenos acertos nalgumas medidas”, assume, em declarações à VISÃO, a líder da bancada do PS.
Ana Catarina Mendes garante total “empenho” para “acolher esta ou aquela proposta” que venham a ser apresentadas na discussão do Orçamento na especialidade – até agora, diz, não encontrou propostas concretas de alteração ao documento. Mas, ao mesmo tempo que defende que a proposta de Orçamento do Estado para 2020 “vai ao encontro do que foi definido em 2015” com o PCP e com o Bloco de Esquerda – com o reforço do investimento, valorização dos serviços públicos e reforço dos rendimentos –, também deixa recados a quem acusa os socialistas de correr numa pista isolada dos antigos parceiros, na preparação do documento. “O PS ganhou as eleições e é a maior bancada parlamentar”, diz Ana Catarina Mendes, reconhecendo, ainda assim, que “não tem maioria absoluta” e que, também por isso, mantém a “postura de diálogo” que caracterizou os quatro anos da anterior legislatura.
Na reação à proposta do OE entregue por Mário Centeno no Parlamento, esta terça-feira, Bloco de Esquerda e PCP deram sinais de desilusão, ainda que em diferentes tons.
Ao contrário do PS, o Bloco considera que este é um orçamento de “recuo” face ao caminho seguido entre 2015 e 2019, com “muitas insuficiências” e “falta de compromisso”. No Parlamento, a deputada Mariana Mortágua lembrou que o Bloco “está, e sempre esteve, disponível para aprovar um documento que significasse o aprofundamento do caminho que foi feito”, mas esse “não foi o orçamento entregue na generalidade no Parlamento pelo Governo do PS”.
O PCP – último partido a reagir às linhas conhecidas no início da semana – encontrou “um conjunto de insuficiências e limitações” que caracterizou como “relevantes”, tendo em conta o momento atual. Ainda assim, ressalvou o líder parlamentar do PCP, “havia e há” formas de mexer no Orçamento que permitam melhorar, aos olhos dos comunistas, a proposta que saiu do Conselho de Ministros.
Uma coisa é certa: para os antigos parceiros da geringonça, a defesa de um exercício orçamental com excedente é incompatível com o discurso de que não há verbas para satisfazer todas as exigências que estão em cima da mesa.
PS acena com cortes da troika
À VISÃO, Ana Catarina Mendes não se desvia da mensagem: “É preciso ter consciência do limite do PS, não podemos dar um passo maior que a perna.” Ainda que haja margem para algumas – cirúrgicas – alterações ao orçamento, elas não poderão pôr em causa essa “almofada para eventuais crises internacionais” e que garantem que “não voltamos aos cortes” impostos durante o período de assistência financeira. “Pelo percurso que fizemos nestes últimos quatro anos, com a credibilidade internacional [conquistada], havendo um excedente neste OE, não podemos ignorar que o peso da dívida pública tem de ser abatido”, sublinha.
De qualquer forma, para chegar à discussão do Orçamento na especialidade, antes, é preciso que a proposta do Governo seja aprovada na votação na generalidade, que deverá acontecer já no início do ano, a 10 de janeiro. Apesar das ginásticas contabilísticas dos últimos dias – com o Governo a acolher reivindicações do PSD-Madeira que possam garantir, pelo menos, três votos da bancada social-democrata –, Ana Catarina Mendes garante que continua a contar, antes de mais, com o “voto responsável” dos partidos com quem o PS fixou acordos na anterior legislatura, e aos quais espera juntar o Livre e o PAN.
Perante as críticas iniciais, a líder parlamentar deixa várias perguntas: “O PCP e o BE estão contra o reforço significativo no Serviço Nacional de Saúde? Estão contra a valorização salarial? Contra um Orçamento que olha para a Administração Pública de forma diferente, contra o descongelamento das carreiras, que é uma realidade? São contra? Contra a baixa de impostos nos rendimentos, contra o aumento dos abonos de família, contra os incentivos aos jovens que começam a trabalhar?” “Não acredito que o PCP e o BE sejam contra”, acaba por responder, deixando o sinal de que o PS aposta na abstenção à esquerda que permita levar a discussão do Orçamento para a fase seguinte.
Mas, para já, parece ainda não haver nada fechado quanto a propostas de alteração do próprio PS. O deputado João Paulo Correia abriu a porta a uma eventual alteração à subida do IVA nas touradas, doa 6% para os 23%; e Carlos César, antecessor de Ana Catarina Mendes na liderança da bancada parlamentar, e presidente do PS, também admitiu disponibilidade do PS para se discutir um aumento mais significativo dos salários na Função Pública e das pensões. “É evidente que o PS pode ter uma ou outra proposta de alteraçãoo que possa melhorar estas questões”, mas o documento ainda não foi sujeito à análise mais fina no Parlamento, diz Ana Catarina Mendes.