Ana Sezudo ainda vai a meio da subida, mas os braços já dão sinais de esforço. Mesmo com a ajuda, a inclinação da rampa não facilita a vida a quem queira chegar à plataforma da estação da CP da Amadora. Mais um esforço e a cadeira de rodas lá chega ao destino, mesmo a tempo de apanhar o comboio que há de levara a comitiva da CDU a Sete Rios. “Nós não somos atletas, somos cidadãos com qualquer outra pessoa”, defende a candidata comunista às legislativas pelo círculo de Lisboa. A manhã de campanha que fecha a primeira semana na estrada serve para isso mesmo: mostrar cada um dos muitos obstáculos com que os cidadãos com mobilidade reduzida têm de viver todos os dias. “A minha intervenção é quase dispensável, vocês são os protagonistas”, diria minutos mais tarde o secretário-geral do PCP, rodeado de pessoas que se juntaram à porta da estação de Sete Rios para dar o testemunho.
A cada história, fica mais claro que a “mobilidade reduzida” é mais do que um elevador avariado ou um passeio desnivelado. Augusto Tomé está há duas semanas sem poder movimentar facilmente a sua conta bancária. E, como presidente da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, também tem tido dificuldades para pagar o salário dos funcionários da instituição. Tudo porque, conta, a meio do mês, a Caixa Geral de Depósitos introduziu um novo passo para a realização de transferências bancárias.
Aquilo que, para qualquer pessoa sem deficiência visual, seria o passo mais simples do mundo, no caso do dirigente da ACAPO significa uma barreira intransponível. “Depois de inserir o meu código pessoal e dois dígitos aleatórios do meu número de contribuinte, enviam-me um código para o telemóvel para completar o processo” e fazer a transferência. Ora, no seu iPhone, o dirigente da ACAPO não trocar entre uma aplicação e outra e, por isso, não consegue aceder ao código que recebe por SMS. Portanto, não há transferência. Isso reflete-se na associação e na sua vida pessoal. “Desde dia 14, não tenho acesso à minha conta, ao meu próprio dinheiro”, refere.
“A mobilidade reduzida é muito mais do que o acesso aos transportes”, resume Ana Sezudo, candidata pela CDU às legislativas de 6 de outubro e presidente da Associação Portuguesa de Deficientes. “Mobilidade reduzida é também o acesso à via pública, à habitação, à saúde, ao mercado de trabalho”, acrescenta. E cada uma destas realidades é um mundo em si mesmo. “Andar de transportes públicos é sempre muito complicado”, começa por explicar. Voltamos à estação da CP na Amadora. Para apanhar o comboio das 9h59 que deixará a comitiva em Sete Rios, a candidata da CDU – uma das três pessoas em cadeira de rodas que participaram na iniciativa com Jerónimo de Sousa – teve de ligar para a CP no dia anterior para informar a empresa de que pretendia fazer aquela viagem. Agora, o aviso tem de ser feito, no mínimo, com 12 horas de antecedência, mas há um ano eram 24h.
O comboio chega e um funcionário da empresa ajuda o revisor que seguia no comboio a retirar a rampa. As três cadeiras de roda entram, a rampa é recolhida e o comboio segue viagem. Essa acaba por ser a parte mais fácil do percurso, porque ali não foram precisos elevadores. “Há 20 anos que faço integração de pessoas com paralisia cerebral no mercado de trabalho e se, com tudo a correr bem, esses formandos conseguem chegar aà empresa em 30 minutos, num dia em que um elevador não esteja a funcionar podem demorar 1h30 ou 2h”, assinala Jorge Costa, técnico da Associação de Paralisia Cerebral, em Lisboa. “Vemo-nos presos por questões primárias”, lamenta.
Jerónimo de Sousa vai escutando os vários testemunhos. No final, acaba por confessar que o que viesse ali dizer acaba por ser “dispensável” depois dos vários testemunhos que dão conta das dificuldades que uma pessoa com mobilidade reduzida sente para as tarefas aparentemente mais simples do dia a dia. Frente à estação de Sete Rios, com o Jardim Zoológico a umas centenas de metros, Jorge Costa está a pensar na classe política quando lança um desafio: “Tentem ir daqui até ali visitar os animais [numa cadeira de rodas] e depois vejam o que são as dificuldades nas acessibilidades.”
“As dificuldades estão nas coisas mais simples”, reconhece o secretário-geral do PCP. O “protagonismo” da manhã da CDU foi para outros e Jerónimo não vende a coisa por menos. É uma questão de “respeito pelos direitos univerais”, defende. O dia ainda conta com um almoço comício em Alpiarça e uma viagem ao final da tarde até Évora para mais um contacto com os militantes comunistas.