O Tribunal de Contas (TdC) está a investigar a utilização dos donativos angariados pelos portugueses e aplicados nos territórios atingidos pelos incêndios de 17 de junho de 2017. A VISÃO sabe que a auditoria foi lançada há mais de um mês, na sequência de um pedido formalizado pela bancada parlamentar do CDS no final do ano passado, e, segundo fontes dos três concelhos mais afetados pelos fogos (Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos), já foi recolhida vasta documentação sobre a reconstrução das casas.
Aos autarcas de Pedrógão Grande (onde 154 habitações terão sido reedificadas ou recuperadas), Castanheira de Pera (66) e Figueró dos Vinhos (29) – segundo dados do último relatório do fundo Revita – terão sido solicitados os documentos relativos à instrução dos processos e à sua validação ao nível local. “Pediram-nos tudo”, diz, sob anonimato, um membro do executivo de uma das câmaras visadas.
Contactada pela VISÃO, a assessoria do TdC não confirma nem desmente a auditoria. Em todo o caso, os autarcas, os técnicos e os funcionários que trabalharam no levantamento dos danos causados pelos fogos e na avaliação das residências atingidas têm estado nas últimas semanas a responder a inquéritos no âmbito da utilização dos fundos para apoio às vítimas.
Nesses questionários, o TdC pretende apurar, por exemplo, o nível de conhecimento dos envolvidos na recuperação daqueles territórios sobre princípios éticos aplicáveis à ajuda humanitária, a noção dos riscos inerentes a condutas fraudulentas, a opinião dos inquiridos sobre a integridade de quem decidiu os destinos dos donativos, a opinião acerca do grau de tolerância dos vários poderes públicos face a práticas fraudulentas ou, ainda, o grau de conhecimento sobre ajudas indevidas ou apoios atribuídos à luz de interesses pessoais/familiares.
A VISÃO procurou saber se a investigação à aplicação dos donativos já chegou ao conselho de gestão do fundo Revita, que ficou responsável por administrar quase cinco milhões de euros da solidariedade nacional, mas até ao momento ainda não obteve qualquer esclarecimento.
A auditoria do TdC foi requerida pelo CDS-PP, em setembro do ano passado, depois de, numa conferência de imprensa no Parlamento, o líder da bancada centrista, Nuno Magalhães, ter frisado que a iniciativa ficava a dever-se ao facto de as dúvidas sobre a utilização dos donativos se terem “adensado” nessa altura, dois meses depois da primeira reportagem da VISÃO sobre o assunto. Nessa data, sublinhava Magalhães, não havendo total clarificação sobre eventuais fraudes, correr-se-ia o risco de “o Estado português não estar a atuar como uma pessoa de bem”.
A polémica em torno das alegadas fraudes em Pedrógão Grande foi desencadeada em julho de 2018 quando uma investigação da VISÃO revelou que os regulamentos que determinavam quais as casas que seriam recuperadas com maior urgência terão sido contornados com base, essencialmente, num expediente: a alteração das moradas fiscais, já depois da data dos fogos, para que habitações não permanentes fossem tratadas como primeiras casas – mesmo aquelas onde ninguém vivia há anos.
Foram feitas acusações de favorecimento nas instruções dos processos e vários milhões de euros poderão ter sido canalizados para situações irregulares. A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), Ana Abrunhosa, afirmou que todo o trabalho foi feito com clareza e transparência, mas admitiu que possam ter sido intervencionados imóveis que até nem tenham ardido. Logo a 19 de julho do ano passado, o Ministério Público abriu um processo de investigação às potenciais fraudes – em que, segundo a TVI, já se contabilizam 31 arguidos.
Pelo meio, reportagens da TVI denunciaram também alegados esquemas de “compadrio” envolvendo familiares e amigos de autarcas e, mais recentemente, Victor Reis, ex-presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), compilou num só relatório todos os casos de presumíveis fraudes. Ao todo identificou 46 habitações, e fez seguir o documento para a Presidência da República, para a Procuradoria-Geral da República e para o TdC.