Cerrar os dentes e aguentar. Este pode bem ser o lema de António Costa, para 2019, ano em que terá de enfrentar três atos eleitorais: para o Parlamento Europeu, a 26 de maio, para a Assembleia Regional da Madeira, a 22 de setembro, e para a Assembleia da República, a 6 de outubro. Com muito mais a perder do que a ganhar, o primeiro-ministro tem um ano para preparar o pós-legislativas. A aprovação do Orçamento do Estado (OE), a 30 de novembro último, foi o ato de despedida da união de facto que juntou PS, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes. Foi bom, enquanto durou. A partir de agora, é cada um por si. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, que foi, durante os últimos três anos, o pivô da Geringonça, tem gracejado, junto do seu círculo mais próximo, que ficou sem nada para fazer: com o 4º Orçamento aprovado, agora, só se houver um retificativo… A ironia daquele que é apontado como o mais forte candidato à sucessão de António Costa, no futuro, como secretário-geral do PS, encerra mais verdade do que parece: os partidos que assinaram as posições conjuntas viabilizadoras da legislatura cumpriram tudo o que foi estabelecido. A última peça, o tetraorçamento, permite que se despeçam – e até à próxima.
Enigma nº 1: haverá “próxima”?
E a questão de uma possível “próxima” é mesmo o primeiro enigma no centro do debate político, em 2019: Poderá haver uma Geringonça de segunda geração? Um dirigente socialista comenta que “isto é como os automóveis: a segunda geração de um mesmo modelo tem de ter os upgrades suficientes para convencer o cliente”. Ou seja: a narrativa da reposição de rendimentos será insuficiente para servir de cimento a uma Geringonça 2.0, para lá de outubro de 2019. Ora, não há mais geringonças, porque uma geringonça com upgrades “passa a ser um carro”, como diz um deputado da maioria de esquerda. O romantismo do improviso, associado à solução governativa saída de 2015, acabou.
Enigma nº 2: maioria absoluta é possível?
Este desiderato depende, evidentemente, dos resultados eleitorais: o PS vai ou não precisar de encontrar parceiros em 2019? E esse é o segundo enigma no centro do debate político, no próximo ano: maioria relativa ou maioria absoluta, eis a questão. Ora, todas as fontes socialistas consultadas pela VISÃO apontam no mesmo sentido: António Costa só tem vantagens em forçar uma maioria absoluta, porque, se não a obtiver, terá de ter em conta o recado do eleitorado de que prefere uma solução da tipologia da atual, o que daria força aos partidos à esquerda para subirem o tom das suas exigências. O desafio da maioria apresenta-se num ano de “desencantamento”: menos crescimento económico, mais convulsão social e um reforço da oposição, com a esquerda de mãos livres. Com o OE aprovado, não se prevê que haja, em 2019, qualquer votação parlamentar que exija a conjugação de esforços entre o PS e os partidos até agora seus apoiantes. Pelo contrário: diplomas, como o da devolução de apenas dois anos e tal na carreira dos professores, de incentivos fiscais aos senhorios ou da Lei de Bases da Saúde, podem ser alvo de fogo cruzado – e alguns podem mesmo ser chumbados. Nalguns casos, António Costa vai ter de voltar-se para Rui Rio, o que reforçará a mobilização, por parte do PCP e do BE, dos seus eleitorados. Se as coisas corressem mesmo mal – a situação europeia está pouco menos do que caótica, o que não deixará de influenciar a economia nacional – e se tivesse de apresentar um Orçamento retificativo, desta vez, o Governo deixaria de contar com o apoio à esquerda. É claro que nem Mário Centeno nem António Costa querem passar por essa vergonha, no próprio ano das eleições. Seria entregar o ouro ao bandido. No entanto, para manter o rigor orçamental, vão continuar a “comprar” greves e perturbações sociais.
Enigma nº 3: Marcelo vai mudar?
É isto que move Rui Rio, este a braços com uma forte contestação interna, por parte de setores do próprio partido. Mas o líder social-democrata sempre disse que, até às eleições, o Governo iria perder gás e que o PS iria começar a cair. O líder da oposição já mudou o tom “português suave” do combate ao Governo. A questão da falência dos serviços públicos, saúde, transportes, segurança, proteção civil será brandida por Rui Rio como um Estado preso por arames. E ninguém sabe como decorrerá a época de incêndios, depois da relativa acalmia – à exceção de Monchique – registada no último verão. Na verdade, nos locais mais vulneráveis, depois de 2017, já nada havia para arder. E à exceção do escaldão de agosto, o calor pouco se fez sentir. Mas a sorte não dura sempre.
O abrandamento da economia, as vulnerabilidades nos serviços públicos e a falta de paz social são os três vértices do triângulo virtuoso da oposição – o tridente diabólico a atrapalhar a maioria absoluta. Junte-se a isto a incógnita sobre o comportamento do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o terceiro enigma do ano. Ele tem em comum com a Geringonça o desejo de que a legislatura terminasse no seu prazo normal, a bem da estabilidade política, económica e social. E tem em comum com os partidos à esquerda o facto de já ter cumprido com esse compromisso. A partir de agora, como será? Será que vai mudar de tom? Em declarações prestadas nesta semana, o PR foi particularmente duro no comentário ao caso do helicóptero do INEM que se despenhou, no último fim de semana, numa serrania, perto de Valongo. A incompetência dos serviços de socorro confirmou uma coincidência inquietante: quando as coisas acontecem ao fim de semana, o Estado está de folga (vide incêndios de junho e de outubro de 2017). Ora, sobre o desempenho do Estado, o PR foi cáustico: “São falhas a mais.”
O fim do voto útil
Tudo isto vai começar a perceber-se já em maio, quando decorrerem as eleições europeias: o PS ocupará a pole position para as Legislativas? Com que avanço? (Note-se que a comparação há de ser feita com o resultado do ato eleitoral de 2014, ainda sob a égide de António José Seguro – o tal que, segundo António Costa, foi poucochinho.) O PSD aguentar-se-á no balanço, a rondar os 30 por cento? (Neste caso, a escolha do cabeça de lista e a sua capacidade em campanha serão fundamentais.) O CDS mantém ou sobe a sua representação em Estrasburgo? (Nuno Melo é um cabeça de lista combativo.) O Aliança dispara? (Santana Lopes fará o seu tirocínio a solo, sem a “banda” do PSD.) PCP e Bloco ganharão moral? – normalmente, em Europeias, estes partidos tendem a fixar o seu eleitorado, visto que a questão do voto útil não se apresenta.
E a questão do fim do voto útil é mesmo a primeira grande novidade política de 2019. Caso inédito: o argumento não pode ser invocado. Afinal, António Costa acaba de provar que nem sequer precisa de ganhar eleições para formar um Governo estável. Por que diabo havia de precisar de apelar ao voto útil?
Cerrar os dentes e aguentar. No fundo, o único desafio que Costa tem é não deitar a perder, num ano, todo o capital conquistado em três anos de Geringonça. O problema é que agora está sozinho na pista.
A correr por fora
No jantar de Natal dos centristas, Assunção Cristas foi suficientemente clara dando a perceber que o affair com o PSD acabou. Sem o nomear, Cristas falou de um partido que se define pela “colaboração” – entenda-se, com o Governo de António Costa ou, como prefere chamar-lhe, das “esquerdas unidas”. Portanto, conclui, o CDS é o único partido da área da direita capaz de representar o respetivo eleitorado.
Pedro Santana Lopes terá, nas Europeias, o primeiro teste de stresse do Aliança. Suficientemente ambíguo para deixar tudo em aberto, escolheu um europeísta, Paulo Sande, para encabeçar a lista do seu novo partido ao Parlamento Europeu. E logo o Aliança que surge vagamente eurocético… Por outro lado, nunca negou explicitamente a hipótese de um entendimento com António Costa, se o PS, em 2019, depender dele para obter maioria no Parlamento. Costa está a torcer pelo seu sucesso, caso não consiga maioria absoluta. Desembaraçar-se-ia dos partidos à esquerda – que, para entrarem numa Geringonça 2.0, aumentariam a parada das exigências – e evitaria a solução de Bloco Central, a qual, por várias vezes, criticou. Por outro lado, não seria acusado de cair nos braços da direita, porque o Aliança será visto como um híbrido unipessoal de Santana, e não como representante da direita portuguesa… Pedro Santana Lopes é como aqueles vocalistas que abandonam uma banda para tentar uma carreira a solo. E ele tem voz para cantar.
A recandidatura de Marcelo
Deverá Marcelo Rebelo de Sousa decidir-se, em 2019, pela sua recandidatura a Belém? Não é obrigatório que assim seja. Aliás, no caso do Presidente, quanto mais tarde o anunciar, melhor, porque não precisa de preparar o terreno de campanha – ele está sempre em campanha – e, no caso de se tornar o primeiro Presidente a não se recandidatar, é impensável ceder o palco aos putativos candidatos que surgiriam, especialmente na sua própria área política. As eleições Presidenciais são apenas em 2021, e o PR tem o ano de 2020 inteirinho para decidir. Marcelo vai jogar tudo neste tabu e não deixará de manter o País em suspenso. Sobretudo, ele jamais anunciará a sua recandidatura antes de conhecer os resultados eleitorais de 2019 – em outubro – e de mover a sua influência na solução de Governo que dali sair. Mas as apostas continuarão a fazer-se: será que o Presidente, para vincar que é mesmo diferente, prefere cumprir um único mandato e sair em grande? Ou será que não resiste à tentação de tentar bater o resultado de Mário Soares em 1991 (70,35 por cento)? E será que as circunstâncias políticas se manterão mais ou menos inalteradas para o seu lado? Ou o País passará por crises políticas ou económicas que dele exigirão decisões difíceis e pouco consensuais, reduzindo-lhe as expectativas eleitorais? E a sua atitude para com o Governo vai manter-se? Ou voltará a sonhar com uma solução de Bloco Central? E que papel ele poderá representar, na sombra, no caso da eventual queda de Rui Rio (depois das Europeias ou das Legislativas)? Daqui a um ano, falamos.