É certo que António Costa vai sair do 22º Congresso do PS sem sobressaltos, e também é verdade que ninguém, para já, questiona o atual secretário-geral. Mas este fim de semana, na Batalha, Pedro Nuno Santos pode muito bem ter dado o sinal – se é que faltava – de que poderá ser o senhor que se segue no Largo do Rato. A intervenção do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares era das mais aguardadas da reunião magna e o governante não desperdiçou a oportunidade. Subiu ao púlpito já depois de Augusto Santos Silva ter tentado travar a discussão sobre o posicionamento do partido, mas fez aquele que foi o discurso mais ideológico do conclave. Até citou Karl Marx.
Para Pedro Nuno Santos, muito aplaudido antes de subir ao palanque e ainda mais quando desceu, não há dúvidas de quem devem ser os parceiros privilegiados do PS: os atuais, BE, PCP e PEV, uma vez que as conquistas socialistas, como a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foram conseguidas “apesar da direita” e não “com a direita”. Sociais-democratas e centristas, observou, têm uma visão “individualista” da sociedade, algo que um socialista não pode acompanhar. E aí veio a referência à máxima marxista: “De cada um, segundo sua capacidade; a cada um, segundo a sua necessidade.”
Numa intervenção que, apesar de breve, inclinou o Congresso para a esquerda, o ex-secretário-geral da JS realçou que a esquerda não deve aceitar que a direita tenha ganho o debate em torno da “ideia de que o Estado é um empecilho” à liberdade dos mais “dinâmicos” e “criativos”, uma vez que, acrescentou, é a intervenção estatal que pode garantir a “liberdade para quem trabalha”. “Isto não é radicalismo, isto é ser socialista!”, enfatizou.
Ancorado nesse princípio, Pedro Nuno Santos defendeu que “o PS deve representar a grande maioria dos trabalhadores”, isto é, “as centenas de milhar, os milhões” que trabalham mais de 40 horas e “ganham mal”. A tese é simples, embora não seja partilhada por todas as correntes internas: “O PS só manterá uma maioria no País se conseguir falar para este povo.”
De caminho, o ex-presidente da Federação Distrital do PS-Aveiro fez um sério alerta aos delegados, acenando com um fantasma que chegou ao pairar após as legislativas de 2015: o definhamento do PS. E apelou à memória coletiva: “Um partido como o nosso, que não quer ter um destino semelhante aos partidos irmãos na Europa, não se pode esquecer de quem esteve na sua origem.”
Graças aos sete minutos de “tempo de antena”, Pedro Nuno Santos reforçou o aviso de que o futuro pode não ser só dele, mas passará indiscutivelmente por ele. O cumprimento caloroso a António Costa assemelhou-se a uma passagem de testemunho. Parece estar escrito.