Quando André Neves fala sobre a democracia interna, a transparência e a credibilidade dos partidos, fica-se com uma ligeira sensação de déjà vu. O discurso do candidato à liderança da JSD parece decalcado daquele com que Rui Rio, presidente eleito do PSD, fez grande parte da carreira política. Nas palavras do advogado de 28 anos, que nas diretas de 13 de janeiro esteve ao lado do ex-autarca do Porto, ainda não existe a expressão “banho de ética”, mas as referências à necessidade de moralizar o exercício de cargos públicos repetem-se, mesmo quando são feitas como um “exercício de auto-crítica”.
Na segunda-feira, a candidatura de André Neves enviou um comunicado às redações em que o jovem advogado apontava o caminho: “Se existe um afastamento entre os jovens e a política, a JSD tem de ser a protagonista de uma reconciliação.” Em declarações à VISÃO, elencou alguns dos motivos para o divórcio entre os “laranjinhas” e a chamada sociedade civil: listas únicas nas corridas à liderança (como aconteceu com Hugo Soares e Cristóvão Simão Ribeiro) e, sobretudo, a perspetiva de que as “jotas” funcionem como autênticos centros de emprego. “A democracia tem de se credibilizar, os partidos têm de se credibilizar”, diz, por telefone, o presidente da distrital de Aveiro da JSD, para quem “as ‘jotas’ estão ainda mais descredibilizadas do que os próprios partidos por força dos jobs for the boys e dos jovens que andam na política à procura de emprego”.
Natural de São João da Madeira, onde exerce a sua profissão, André Neves dá sinais de querer ser o candidato anti-establishment, mesmo que isso implique criticar a direção de que ainda faz parte. Aliás, é com alguma revolta que lê as notícias de que a sua adversária no congresso que decorre de 13 a 15 de abril, no Porto, a deputada Margarida Balseiro Lopes, seja a sucessora “natural” de Cristóvão Simão Ribeiro. “O que é a candidata natural? Eu sou o primeiro vice-presidente da JSD. Não é natural que o primeiro vice-presidente se candidate quando o presidente não se candidata? Não há mais natural do que isso?”, questiona, sem pôr em causa a competência da secretária-geral da “jota”, que optou pela neutralidade na disputa entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes.
E se Margarida Balseiro Lopes tem tido palco na Assembleia da República, André Neves vira-se para as bases. Entende que pode sair “beneficiado” por não estar em São Bento, uma vez que, considera, “a JSD tem de ser desparlamentarizada”. “O centro de ação política da JSD tem de deixar de ser o Parlamento e voltar a ser a própria JSD, a estrutura, as sedes, as comissões políticas concelhias, as distritias, a comissão política nacional”, justifica.
O candidato, que nos seus círculos mais fechados tem sublinhado que a boa relação que mantém com o novo presidente social-democrata poderá ser uma vantagem para a JSD, contesta ainda que antigas figuras daquela estrutura juvenil continuem a (tentar) ter uma palavra a dizer nos processos eleitorais. “Esta lógica das listas únicas e de que quando a JSD elege uma direção já está a pensar em qual será a próxima preocupa-me e desafia-me. Ninguém tem de dizer que agora vai ser este ou aquele. O líder da jota não é nomeado, tem de ser eleito pelos votos, pela vontade dos militantes”, atira, sem especificar os destinatários da mensagem.
Assim, uma das soluções que propõe para dar mais poder aos militantes passa pela eleição direta de cada líder, através do voto eletrónico – e não mostra reservas por existirem inúmeras vozes no partido a defenderem o regresso aos congressos eletivos. “Não tenho dúvidas de que é muito mais democrático e muito mais transparente. Se não dermos a possibilidade de um militante de base poder votar diretamente no seu líder, não o estamos a valorizar na sua amplitude total”, fundamenta André Neves, que insisite na tese de que “é preciso trazer a JSD para a democracia do século XXI”.
De caminho, surge a ideia mais controversa: a abolição do pagamento das quotas para qualquer militante. Se o PSD continuar a exigi-lo, sustenta, “vão acontecer sempre aqueles fenómenos estranhos que vimos acontecer recentemente [na eleição] para a liderança do partido, com o pagamento de quotas em massa”. Margarida Balseiro Lopes discorda e, também à VISÃO, sugere uma intervenção mais cirúrgica nos estatutos sociais-democratas, com “o fim da obrigatoriedade das quotas para se participar nos atos eleitorais”, embora advogue que estas se mantenham para alguém que queira ser “candidato a um cargo no partido”.
André Neves não refere explicitamente, mas o caso mais recente de caciquismo aconteceu em Ovar, onde o presidente da câmara terá estado envolvido no transporte de dezenas de militantes numa Renault Traffic cinzenta. Pequeno pormenor: o autarca ovarense, apanhado nesse esquema pelo Observador, chama-se Salvador Malheiro. Foi o diretor da campanha de Rui Rio e preside à distrital à qual pertence o agora candidato à JSD. O jovem advogado não comenta o episódio e ainda defende a honra do presidente eleito: “Nós temos de olhar para Rui Rio e avaliá-lo pelos atos que ele comete e temos de olhar para mim pelos atos que eu cometo, não pelos atos que outras pessoas cometem. A credibilidade do meu discurso político perante a sociedade tem de ser avaliada pelos meus gestos, pelas minhas atitudes e não pelas dos outros. E aí fica clarinho: Rui Rio é dos políticos mais credíveis em Portugal.”
Quanto ao país, o candidato à presidência da JSD considera que António Costa e o seu Governo não têm “condições para fazer reformas profundas”. André Neves salienta que “mesmo nas funções diárias e correntes” o Executivo socialista “tem falhado” e que só resiste graças ao “bom ciclo económico” interno e europeu. “Fosse outro o ciclo económico, e este Governo já não estaria a governar”, observa. Por isso, entende que cabe à JSD preocupar-se com os problemas das gerações mais jovens (emancipação, habitação, baixos salários em empregos qualificados, falta de emprego, política educativa), mas também sobre o futuro, com uma prioridade acima de todas as outras: a sustentabilidade da Segurança Social. Rui Rio subscreveria.
Com José Pedro Mozos