Parece que estamos a ver o hiperativo líder partidário e governante, embora Paulo Portas já tenha abandonado (ou apenas interrompido?) a carreira política no início de 2016. Ora verifique-se: a 11 de julho passado, o atual vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa esteve em Rabat como um dos quatro oradores convidados para uma conferência promovida por um “think tank” financiado pela multinacional marroquina OCP, a maior companhia mundial de fosfatos, e que tem na sua comissão executiva cinco ministros do Governo do Rei Mohammed VI.
A conferência foi de índole política, versando a paz e segurança em África, e os caminhos a trilhar para uma estratégia autónoma da União Africana. Paulo Portas (convidado na qualidade de antigo vice-primeiro-ministro português) emparceirou com John Scarlett, ex-diretor da secreta britânica MI 6, Essy Amara, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Costa do Marfim e antigo secretário-geral da Organização de Unidade Africana, e Hubert Védrine, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros francês.
Na sua alocução, Portas foi pela positiva. Destacou que há em África 34 países politicamente estáveis, onde não existem conflitos internos ou risco de terrorismo, e exemplificou com cinco que estão hoje a crescer economicamente a taxas superiores a seis por cento, e sem dependência do petróleo e do gás: Costa do Marfim, Senegal e, surpresa, Ruanda, Etiópia e Tanzânia.
São países cujos Governos, sublinhou, realizaram “reformas de competitividade”, como a “segurança jurídica dos contratos”, e que transitaram diretamente de “sociedades rurais para o investimento tecnológico”, sem passarem pela revolução industrial, com “ganhos sociais”. Daqui, Paulo Portas partiu para um tema que lhe é caro: o “inevitável choque demográfico” e, por outro lado, a Europa, pela proximidade histórica e geográfica, como o “coparceiro” e “coinvestidor” natural de África, “de maneira adulta e madura, sem pretensões de moralidade superior”.
Em 2050, diz à VISÃO, África terá 25% da população mundial, e a Europa apenas oito por cento. Exatamente o inverso do que sucedia há pouco mais de 50 anos. E, daqui a uma década, a força de trabalho africana será de 1 100 milhões de pessoas, a mesma da China e Índia juntas.
Travar rotas de migração, acrescenta Paulo Portas, é algo de impossível. “Só na Líbia há sete vias para chegar a Itália”, exemplifica. Para concluir: “Ou a Europa vai ter com África, ou África vem ter com a Europa.”
Uma testemunha ocular contou à VISÃO que o “vice” da câmara de comércio e indústria, e presidente do Conselho Internacional da construtora Mota-Engil, “multiplicou-se em contactos” no novo e luxuoso Hotel The View, em Rabat, onde se realizou a mencionada conferência. Será que o conferencista político e o executivo de negócios se conjugam nas mesmas ocasiões? “Tento separar os chapéus”, responde Portas à VISÃO. “Faço pelo menos mais cinco coisas”, diz, e ser conferencista agrada-lhe muito. Só em Marrocos, e no último ano, “fui ‘speaker’ em Marraquexe, nos Atlantic Dialogues, na conferência do Crans Montana Forum, no seminário Med Days, e no encontro anual do Le Matin, grupo de Imprensa marroquino”, contabiliza.
O certo é que, a 17, seis dias depois da conferência de Rabat, Paulo Portas recebeu Marcelo Rebelo de Sousa na sede da filial mexicana da Mota-Engil, ainda antes de o PR se deslocar ao Palácio Nacional para o primeiro encontro com o seu homólogo Enrique Peña Nieto. Valores mais altos se levantaram para o justificar: na visita-relâmpago que agora fez ao México, integravam a comitiva do Presidente representantes de mais de 40 empresas portuguesas, mas a Mota-Engil é a maior investidora nacional no México. E Portas – pormenor nada despiciendo – também é consultor da petrolífera mexicana Pemex.
Dir-se-ia que Portas-executivo e Portas-político são autênticos clones um do outro.