Portugal terá pago três vezes mais do que o serviço custava a empresas espanholas que vendem e alugam aeronaves para combate aos incêndios. A conclusão é feita pelo jornal “El Español”, tendo por base documentos da Operação Concentração, que começou a ser investigada em Valência e passou na semana passada a ser um processo de âmbito nacional em Espanha. O processo, que nasceu em 2015, investiga suspeitas de que as seis principais empresas do setor em Espanha funcionaram em cartel, combinando preços e manipulando concursos públicos – em Espanha, Portugal e Itália – pelo menos desde 2006. Os investigadores espanhóis desconfiam que essas empresas repartiram um lucro ilegal de mais de 100 milhões de euros.
Segundo o jornal espanhol, os responsáveis das empresas Avialsa, Espejo, Martinéz Ridao, Cegisa e Faasa – que estão sob suspeita naquele país – encontravam-se num hotel de estrada chamado El Curce, junto a Manzanares, e combinavam a repartição dos dinheiros dos concursos públicos que venciam nas ilhas Baleares, Andaluzia ou Portugal. Os empresários decidiriam de antemão quem iria vencer determinado concurso e fixavam quais as ofertas que iriam apresentar, de modo a que uma delas fosse a vencedora, como já previamente combinado.
De acordo com documentos consultados pelo “El Español”, os empresários terão combinado, por exemplo, repartir 1,6 milhões de euros no caso dos hidroaviões cedidos a Portugal em 2010. Um email a que o jornal terá tido acesso relata que os responsáveis das empresas assumiam que o preço do contrato seria de cerca de 1,9 milhões de euros com 714 horas de voo – o que, ao preço de 500 euros por hora, significaria um total de 375 mil euros. Ficava assim a sobrar cerca de 1,6 milhões de euros, que seriam divididos entre as seis empresas. Neste caso, estariam a alugar as aeronaves por quase quatro vezes mais do que o custo real do serviço.
Portugal seria, aliás, um dos alvos preferidos dos espanhóis – devido à proximidade e também à grande incidência de fogos florestais. Noutros emails revelados pelo “El Español” os empresários dizem que “o prato forte” desse ano estava “em Portugal” e que iriam “atacar com todo o arsenal disponível” ou que iriam “ganhar o concurso” desse ano “desse por onde desse”.
Segundo o diário digital espanhol dirigido por Pedro J. Ramírez, co-fundador do “El Mundo”, o cartel terá actuado em Portugal sobretudo nos anos de 2006 e 2007 mas a investigação alarga-se às adjudicações feitas até 2015 e foram encontrados documentos que mostram a vontade de ganhar dinheiro extra via contratos com Portugal desde 2001.
A Avialsa – uma das empresas espanholas que está a ser investigada em Espanha por suspeitas de corrupção – cedeu a sua posição contratual em Portugal à empresa Agro-MontiAr, com sede em Tondela. Em 2014, o Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato celebrado entre a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e a Agro-Montiar num contrato, celebrado a 30 de Maio de 2014, para aquisição de serviços de manutenção, operação e locação de duas aeronaves complementares (aviões anfíbios médios) para o período de 1 de junho a 31 de Outubro de 2014, pelo valor de 1,79 milhões de euros, acrescido de IVA”.
No ano seguinte foi celebrado outro contrato entre o então presidente do ANPC, Francisco Grave Pereira, para aquisição de dois aviões anfíbios médios novamente à Agro-Montiar, correspondente a 1350 horas de voo, com o preço contratual de 4,97 milhões de euros. Uma das cláusulas do contrato autorizava a Agro-Montiar a subcontratar à Avialsa os serviços de “gestão de manutenção de aeronavegabilidade e desenvolvimento do programa de manutenção de aeronavegabilidade e desenvolvimento do programa de manutenção das aeronaves”.
Além destes dois contratos, e de acordo com uma notícia do “Expresso”, o Estado português também terá gastado cinco milhões de euros com o aluguer de dois aviões Canadair num contrato feito com a Agro-Montiar.
Esta não foi a primeira vez que se soube detalhes de como este alegado cartel de empresas terá atuado em Portugal. Em agosto de 2016, o “El Mundo”, tendo por base interrogatórios do processo, escreveu que estes empresários tinham um “coordenador de influência” em Portugal que tinha uma rede de contactos com “as instituições de Portugal” e marcaria reuniões obter informação confidencial acerca dos concursos. No centro estava mesmo a Avialsa, até porque terá sido um ex-funcionário da empresa, Franciso Alandí, a denunciar o caso às autoridades espanholas em finais de 2014.