Estamos a 26 de novembro de 2015. Enquanto António Costa tomava posse como primeiro-ministro de um Governo PS apoiado no Parlamento pela “esquerda radical”, Pedro Passos Coelho via consumar-se ali, no Palácio da Ajuda, aquilo que intimamente já antecipava há muitos meses: que António Costa nunca o teria deixado governar se a direita não tivesse alcançado a maioria absoluta. Durante vários meses tentou resistir àquilo que agora lhe parecia uma evidência, tentou até forçar o rumo da história, mas desde que António Costa se havia recusado ser seu vice-primeiro-ministro que tinha deixado de combater o destino. Um ano depois, continua a persistir na ideia de que o País estaria melhor se fosse ele o primeiro-ministro. Está magoado. Colam-lhe o estatuto de “profeta da desgraça” e isso incomoda-o. Estar a ver um filme igual ao de 2011 deprime-o. Pode pensar que não acabe da mesma maneira, mas é-lhe penoso ver que não se aprendeu com os erros. Tem dito que lutou muito para poder governar em situação de normalidade e não exceção e isso serve-lhe de justificação para se manter à frente do PSD.
Mas regressemos ao início do filme em que Passos, eleito primeiro-ministro a 4 de outubro de 2015, se viu apeado do governo por um acordo de esquerdas que António Costa cozinhou mesmo à sua frente. O mesmo António Costa que nunca revelou ao País que, a 6 de outubro, Passos lhe enviou um sms a pedir para conversarem a sós; o mesmo que, no dia seguinte, mesmo antes de se reunir com Jerónimo de Sousa na sede do PCP (naquele que é visto como o pontapé de saída para a construção da “geringonça”), esteve a tomar o pequeno-almoço em São Bento com Passos Coelho e este lhe fez um convite direto. Queria que Costa colocasse a hipótese de o PS ir para o governo e, claro está, que fosse seu vice-primeiro-ministro. Já tinha falado com o Presidente da República e com Paulo Portas, que compreendia perfeitamente e estava de acordo com o convite. Costa não respondeu. Nem sim, nem não. Pediu para pensar. Foi ao final da tarde, depois de Passos insistir, que chegou a resposta: uma vez que o PSD tinha assinado um acordo com o CDS, o PS não via condições para entrar no Governo. O resto da história é conhecida, apesar de alguns pormenores daqueles dias e do ano que se seguiu só agora serem revelados. Pode parecer incrível, mas ainda há surpresas. Vamos por partes.
OS CONTACTOS (INFORMAIS) COM O PCP
Na cúpula do PSD era tão evidente a intenção de o PS constituir governo mesmo sem ganhar as eleições (bastava, consideravam os socialistas, terem mais deputados que o PSD) que, ainda no mês de agosto, Passos Coelho perguntou a pessoas que lhe são próximas, ligadas ao PCP, se realmente o partido se estava a posicionar para viabilizar um governo do PS a seguir às eleições. Desses contactos, retirou que, apesar de não haver exatamente uma intenção de casamento com o PS, havia alguma preocupação em não dar aos eleitores e ao País a perceção de que o PC se colocava fora de uma solução de governo à esquerda. Fosse porque pudesse ser eleitoralmente penalizador para o PC ou para não deixar o BE aparecer como uma força que viabilizaria um governo à esquerda, a Passos parecia claro que o PCP se estava a posicionar. E que a forma como o estava a fazer, obrigou o BE a refazer a sua estratégia (recorde-se que, um ano antes, a corrente que defendia um maior compromisso com o PS tinha sido afastada) e a colocar-se como um polo de apoio a um governo que impedisse o PSD de governar. Para Passos, tudo isto era muito claro, ainda durante o verão.
PASSOS E A ADIVINHAÇÃO
Muito antes da noite eleitoral, perante sinais de que a direção socialista se propunha encontrar uma solução capaz de impedir PSD e CDS de governar, Pedro Passos Coelho alertava o eleitorado para o perigo de os portugueses poderem “acordar, no dia seguinte às eleições, com um governo diferente daquele que julgavam ter escolhido e um primeiro-ministro diferente daquele que desejavam”.
Ouvira António Costa prometer, na rádio, chumbar um orçamento do Estado apresentado por uma direita sem maioria absoluta e sabia que inviabilizar um orçamento é inviabilizar um governo. Descorticou o esquema dos socialistas cuja ideia era que, ainda que a coligação pudesse ganhar as eleições, e uma vez que as coligações se desfazem depois das eleições, se o PS tivesse maior número de deputados que o PSD, devia caber ao PS a iniciativa de apresentar uma solução de governo.
Na noite eleitoral, Costa demorou a ligar a Passos, para o felicitar. Quis certamente ter a certeza do número exato de eleitos por cada partido. Com menos deputados do que o PSD, caía toda a estratégia de, apesar de não ter ganho as eleições, era ao PS que deveria constituir governo. O que iriam fazer?
PARA PASSOS, A GERINGONÇA…
A avaliação de Passos Coelho tem sido a de que o PS, para ter um acordo que satisfaça e justifique o apoio de uma esquerda que considera antieuropeísta, antiglobalização, anti-NATO, antitudo o que é estratégico para Portugal, das duas uma: ou abdica de procedimentos e decisões fundamentais para salvaguardar a posição estratégica do País, ou a esquerda vai abicando daquilo que são as suas reivindicações. Uma ou outra levará a uma insatisfação política à esquerda. Passos não sabe até onde PCP e BE estão dispostos a pagar esse preço. Mas sabe que não há almoços grátis.
Chegou portanto a dizer que, se fosse possível não cumprir tetos para o défice e gastar como se alguém tivesse a obrigação de nos financiar, até votava na solução. Só que, como um bom cético, adora milagres, nunca viu foi nenhum.
A FRAGILIDADE DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
Um ano na oposição depois de ter sido primeiro-ministro fazem de Passos um líder ainda mais cético e muitas vezes obrigado a estar calado, sobretudo no que toca ao setor financeiro. Acha mesmo que António Costa tem abusado desta sua sua decisão de não dizer nada que possa ser prejudicial para as instituições financeiras. Nas várias vezes que já foi a São Bento conversar com o primeiro-ministro, longe dos olhares da comunicação social já disse a Costa que o processo de recapitalização da Caixa o preocupa e pode atentar contra a estabilidade financeira. É por isso que não vai desistir do projeto que o PSD apresentou no Parlamento para, entre outras coisas, limitar os salários dos administradores do banco público.
NUNCA DISSE QUE O DIABO VINHA EM SETEMBRO
Colam-lhe o estatuto de “profeta da desgraça” e isso incomoda-o. Até mesmo a tão famosa expressão do diabo que vinha em setembro pode afinal ter outra leitura. É que Passos tem raízes transmontanas e nesta região dizer que “isto vai ser o diabo” significa apenas que as coisas vão ser difíceis. E para Passos vão mesmo.
Até porque está convicto que há uma narrativa montada que o apresenta como alguém que só tem hipótese de voltar a ser primeiro-ministro se o País for ao charco e que olha para ele como algo que só pode funcionar em caso de reserva.
É verdade que Passos não quer ser outra vez primeiro-ministro para gerir resgates, mas também não quer que isto corra mal. O assessor aconselha-o a não ser tão “explicativo,” Virgínia Estorninho pede-lhe para sorrir mais “porque tem um sorriso tão bonito”. Ele tenta. Mas aos seus olhos o País que Costa está a promover vai num caminho errado e perigoso. Um caminho que no final pode esconder uma fatura novamente pesada. É por isso que quando a 4 de outubro de 2015 venceu as eleições sentiu que tinha obrigação de tentar.
O ENCONTRO COM RUI RIO
Quase um ano depois de ter visto a esquerda unir-se no Parlamento para derrubar o seu segundo Governo, Passos Coelho acordou com uma manchete do Expresso que o fez sorrir: “Rio inicia contactos para alternativa a Passos”.
Nada que estranhasse ou que o demovesse de se manter à frente do PSD. Até porque não precisam de fazer conspirações para o tirar do lugar. Se vir que deve ir, irá. Seja como for, não permitirá que levem o PSD para caminhos “populistas” e “eleitoralistas”. Quem optar por esse caminho terá de se ver como ele, como já disse num conselho nacional do partido.
Até porque Passos sente que ainda pode ajudar o País e que se tiver oportunidade tentará completar o que deixou a meio. Quanto a Rui Rio, Passos voltou a encontrar o ex-autarca do Porto num almoço e não fugiu ao assunto do momento.
Sabia que Rio estava “aborrecido” com a manchete do Expresso e confrontou-o. Enquanto Rio tentava justificar que as notícias da sua candidatura eram uma “fantasia”, Passos ironizava: “Já sei que agora não te candidatas, só daqui a seis meses…”