Um grupo de quatro advogados portugueses viajou para Londres à procura de mais informações sobre os casos de pais e mães portugueses que têm perdido filhos para os serviços sociais britânicos. Os quatro, indignados pela falta de respostas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e pela falta de ação da Ordem dos Advogados portugueses, resolveram patrocinar cada um o custo da sua viagem e ir à procura de respostas junto do Consulado de Portugal em Londres, de associações de proteção de crianças e da Ordem que representa os advogados em Inglaterra.
Varela de Matos, Laura Santos, Ana Carolina e Dino Barbosa decidiram viajar para Londres depois de verem uma reportagem da TVI sobre o tema. Em maio, a VISÃO publicou a reportagem “Os filhos perdidos em Inglaterra”, que relatava as histórias de famílias que tinham ficado sem as suas crianças ou que tinham fugido do Reino Unido para evitar perdê-las. Apresentava ainda a posição do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do consulado de Portugal em Londres, de enfermeiros, médicos e assistentes sociais que trabalham ou tinham trabalhado no Reino Unido. O tema tem enchido páginas de jornais de conceituados jornais britânicos e já levou inclusivamente o Governo da Eslováquia a ameaçar levar um caso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, depois de os filhos de um casal eslovaco residente no Reino Unido serem retirados à família e enviados para adoção, sem que lhes tivesse sido dada a hipótese de ficarem ao cuidado dos avós, na Eslováquia. No caso de Portugal, o consulado de Portugal em Londres tem optado por respeitar o outro Estado. “O Consulado acompanha na medida em que a Convenção de Viana o permite. Isto é, sem ingerir nos assuntos internos de outro Estado”, respondeu então à VISÃO.
Só entre os casos reportados ao Consulado Geral de Portugal em Londres nos últimos 16 meses (o consulado de Manchester não divulgou os números) contavam-se pelo menos 47 crianças filhas de mães ou pais portugueses: 30 em 2015 e 17 até abril de 2016. E desde 2010 tinham sido comunicados 170 casos, clarificou à VISÃO o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apesar de garantir que era dado acompanhamento a todas as famílias que solicitem ajuda, o Consulado em Londres não sabia quantas destas crianças, no final dos processos, tinham sido devolvidas aos pais ou reencaminhadas para adoção.
O Reino Unido tem um dos sistemas mais rígidos de proteção de crianças. Escolas, creches, centros de saúde, hospitais e todos os profissionais que trabalhem com crianças são obrigados a chamar os serviços sociais locais ao mínimo sinal de alarme.
Mães de todas as nacionalidades a viver no Reino Unido têm perdido filhos, nos últimos anos, por suspeitas de maus-tratos mas também porque sofrem de depressão ou porque foram vítimas de violência doméstica.
Nos casos analisados pela VISÃO, não havia provas de negligência, de abusos físicos, sexuais ou emocionais. Pareciam existir apenas mal-entendidos, e falta de apoio jurídico, institucional e, até, emocional.
Raquel perdeu a bebé porque caiu da cadeira – e de seguida foi diligente e levou-a ao hospital. Paula ficou sem dois filhos durante meses porque o filho mais velho disse na escola que a mãe lhe dera uma estalada – para reavê-los teve de provar que era boa mãe. Rita ficou sem cinco crianças porque anos antes apresentara uma queixa por violência doméstica. Aconteceu a estas emigrantes portuguesas, como aconteceu a Lucy Allan, que trabalhava na banca, só porque pediu ao médico uma receita para antidepressivos, ou como aconteceu a uma família que perdeu o filho de 5 anos porque este era obeso.
Dino Barbosa, um dos advogados que está em Londres, diz que pretendem recorrer “a todas as ferramentas legais disponíveis” para, pelo menos, “entregar essas crianças portuguesas aos cuidados do estado português”. Além dos quatro advogados portugueses que viajaram para Londres, há outros quatro que estão em Portugal a estudar o assunto: Cristina Palma, Tiago Lopes, Katherine Ylichek, Herminio Brioso.