A equipa que conduz a Operação Marquês descobriu que Domingos Farinho, o professor da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que é suspeito de ser o verdadeiro autor do livro de José Sócrates “A Confiança no Mundo”, recebeu durante oito meses quatro mil euros mensais de uma empresa em nome de Rui Mão de Ferro, arguido no processo e sócio de Carlos Santos Silva em inúmeras outras sociedades. O contrato, assinado entre Domingos Farinho e a RMF Consulting, foi mascarado como sendo de “prestação de serviços de apoio e assessoria na área jurídica”, e vigorou entre 1 de Janeiro de 2013 e 31 de agosto daquele ano. No mês seguinte à conclusão do contrato (Setembro), o professor de Direito, ao que a VISÃO apurou, terá sido brindado com mais 8 mil euros como compensação pela “conclusão dos serviços prestados”. Ou seja, ao todo terá recebido 40 mil euros. O livro viria a ser lançado em Outubro e apresentado por Lula da Silva.
O Ministério Público suspeita que foi Domingos Farinho, e não José Sócrates, quem escreveu a obra assinada pelo ex-primeiro-ministro. O professor, que foi ouvido pela segunda vez no processo em Julho, argumenta que apenas ajudou a rever a tese e a seleccionar bibliografia. A VISÃO tentou contactar Domingos Farinho, mas sem êxito.
40 mil euros pela ajuda num livro já pareceria muito. Mas não terão sido os únicos montantes envolvidos por uma ajuda do género. A equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira descobriu que a empresa de Rui Mão de Ferro celebrou outro contrato com Jane Kirkby, advogada, mulher de Domingos Farinho e ex-assessora do Gabinete do Secretário de Estado da Saúde de um dos governos de José Sócrates, entre 2008 e 2009. A advogada terá assinado um contrato, também de prestação de serviços, que deveria vigorar entre 1 de Novembro de 2013 e 31 de Outubro de 2014, e a troco de cinco mil euros mensais. Ou seja, ao todo, 60 mil euros. Em Novembro de 2014, Sócrates seria detido por suspeitas de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. O Ministério Público suspeita que o dinheiro pago a Jane Kirkby serviria para pagar os serviços de Domingos Farinho na elaboração de mais uma obra que estava a ser planeada por Sócrates, intitulada “Carisma”. Além destes montantes, foram ainda descobertas faturas de viagens de avião e estadas em hotéis em Paris, no fim de 2012, facturadas a Sócrates, mas em nome de Domingos Farinho e da mulher. Jane Kirkby também foi ouvida no processo, na qualidade de testemunha.
Antes de Sócrates ser detido à chegada ao aeroporto de Lisboa, a investigação interceptou inúmeras conversas que teve com Farinho antes e depois da publicação da obra. Numa dessas conversas, Sócrates diz que têm de conversar sobre os projectos para o futuro e Farinho questiona-o sobre se continuaria interessado em avançar para um doutoramento: é que se continuasse a trabalhar com José Sócrates, alegou, poderia ir com a mulher para o estrangeiro, já que o trabalho, uma vez que conversavam maioritariamente por email e telefone, poderia ser feito lá fora. Noutro momento, Sócrates pede ajuda a Farinho para escrever uma dedicatória em francês e noutro para saber como conta os caracteres. E em Novembro de 2013 já estão a discutir valores e contratos ao telefone: Farinho terá perguntado nessa ocasião a Sócrates se via algum problema em que o contrato fosse feito com Jane por causa da Faculdade. Depois disso, vão trocando impressões sobre leituras e escritas, até que em 2014 Farinho conta que estaria a escrever a introdução, sobre “razão de estado”,
O dinheiro investido nos projectos literários de Sócrates é uma das peças-chave da investigação para tentar provar que o dinheiro de Santos Silva era na verdade de José Sócrates. Além dos pagamentos a Domingos Farinho e à mulher, a investigação tem reunido indícios de que cerca de metade dos exemplares vendidos terá sido comprada por pessoas próximas de Sócrates, com dinheiro do empresário e amigo Carlos Santos Silva.