Quando, em Julho deste ano, o Presidente Jorge Sampaio indigitou Santana Lopes para primeiro-ministro, a esquerda, e, mais surpreendentemente, o próprio PS, mostraram uma estranha face oculta de défice de fair-play, intolerância e até falta de respeito pelas regras democráticas. Não pensaram, por um minuto, que, independentemente da bondade ou da maldade da decisão do PR, ele agiu assim por, no seu íntimo, considerar que se tratava do melhor para o País. Ou, do mal menor. O facto de decidir contra o seu coração, contra as suas convicções ideológicas, e, até, contra os seus amigos pessoais, era o melhor penhor da racionalidade da decisão, pelo menos a partir daquilo que era o seu ponto de vista.
Com isto, porém, Sampaio perdeu prestígio (e respeito?) à esquerda, sem o ganhar à direita. Ele foi sempre um incompreendido. Quando liderou o PS, a partir da Câmara de Lisboa. Quando perdeu eleições para Cavaco, em 1991. Quando as perdeu, no PS, para Guterres, em 1992. Sempre que discursava, escrevia artigos ou dava entrevistas. Com toda a injustiça do mundo, de incompreendido parece ter passado a irrelevante. Basta ver o ar de gozo com que Santana Lopes, à saída da cerimónia do 5 de Outubro, terça-feira, fez o panegírico do discurso presidencial: «Um grande discurso!», proclamou, depois de ter ouvido um dos mais violentos diagnós-ticos de que há memória, nas palavras de um Presidente da República. «Não é mais possível esconder a debilidade económica», disse Sampaio. Que somou críticas à «crise política e económica», às «crises estruturais» e à «cegueira e passividade» de quem nos governa. Santana aplaudiu. O que o Presidente diz não se escreve? Veremos. Sampaio deu sinais de que está farto. E de que as condições impostas a Santana Lopes, quando, de mau grado, o instalou em São Bento, não estão a ser cumpridas. Ora, se bem conheço Sampaio, nada o irritou tanto, no dia 5 de Outubro, como os aplausos do Governo.
Por agora, todavia, mais mossa parecem fazer as palavras de um simples comentador político, nos seus 40 minutos de televisão, em horário nobre. Marcelo Rebelo de Sousa encheu o copo de fel do Governo, com o seu último comentário, na TVI. O professor não é um santo. Mas, descontando-lhe alguma leviandade imaginativa e factos políticos cozinhados no seu laboratório de «cientista maluco», Marcelo tem sido extremamente certeiro quando se limita a trabalhar sobre os factos e sobre as asneiras. Do Governo e da oposição. É verdade que ele tem um problema com Santana. Ou Santana com ele. Talvez por isso, o primeiro-ministro mandou, um tanto ou quanto covardemente, o seu mais fiel servidor, Rui Gomes da Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares, acusar Marcelo de mentiroso e deturpador, ameaçando com queixas à Alta Autoridade. E é apenas porque não se pode voltar aos tempos da censura que já se propõe que, na futura regulação da Comunicação Social, se preveja o princípio do contraditório para… o comentário político! Ou seja, a opinião deixa de ser subjectiva para ter de submeter-se às regras das notícias! Uma lei à medida para Marcelo! Será um delírio provocado por consumo de drogas duras, uma nova originalidade nacional ou apenas um disparate sem nome? No meio de tudo isto, quem é digno de pena é Rui Gomes da Silva. Esta foi uma grande maldade que Santana lhe fez. Como se verá, domingo, quando uma serpente chamada Marcelo se deliciar a destilar todo o seu veneno sobre o pobre.