Nos dias mais frios do inverno, no Parlamento, Almeida Santos costumava receber os visitantes, no seu gabinete, com os pés assentes numa botija de aquecimento elétrica. No último fim-de-semana, declarando-se engripado, arriscou uma corrente de ar, mas não quis falhar no apoio a uma ação de campanha de Maria de Belém. O homem das ligações maçónicas apoiava uma candidata católica, sua sucessora na presidência do PS. O afeto e o espírito de corpo acima de tudo. Ele, a quem se atribui a frase “aos amigos, tudo, aos restantes, aplique-se a lei”, disse presente e falou. Foi o seu último discurso.
Em 1985, com o primeiro-ministro cessante, Mário Soares, retirado da liderança do PS, para preparar a sua primeira candidatura presidencial, Almeida Santos assumiu a liderança socialista, pedindo aos eleitores, pela primeira vez, uma maioria absoluta. A sua cara já bem conhecida dos portugueses, aparecia em cartazes onde se pedia 43 por cento. A poucos dias das eleições, porém, continuava fechado em casa. E Soares, furibundo, interpelou-o: “Quando é que começas a fazer campanha?” Mas Almeida Santos tinha um argumento que define um estilo e uma personalidade: estava em retiro, a redigir o programa…
Almeida Santos cantava o fado de Coimbra e discursava num estilo aprimorado, talvez antiquado, mas elegante e fino. Príncipe nos bastidores da política e dos negócios, manejava a pena e a palavra como os deputados da velha escola republicana. E dele se diz que, por uma vírgula colocada no sítio certo, podia alterar completamente o sentido de uma lei. Advogado hábil e prestigiado, dominou, desde 1953, e por mais de 20 anos, a praça de Lourenço Marques, em Moçambique, onde foi o rosto da oposição ao salazarismo e até alegado partidário de uma “independência branca”. Por duas vezes, foi impedido de se candidatar em listas da oposição democrática.
Voltou para Portugal, a convite do Presidente António de Spínola, e foi ministro da Coordenação Interterritorial, assumindo um papel de destaque ao lado de Mário Soares e, sobretudo de Melo Antunes, o verdadeiro ideólogo da descolonização. A sua adesão ao PS seria relativamente tardia, já depois do PREC, quando assumia a pasta da Justiça no I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares. Legislador profícuo, ele foi, no pós-25 de abril, durante muito tempo, o político mais influente do País, com contactos privilegiados em todas as áreas que contam. E a sua respeitabilidade era reconhecida por correligionários e adversários.
Almeida Santos, tantas vezes apontado como presidenciável, assumiu mesmo, por 12 dias, entre 27 de julho e 7 de agosto de 1996, a Presidência da República. Na primeira das operações cirúrgicas a que Jorge Sampaio foi sujeito, o Tribunal Constitucional teve de declarar o impedimento temporário do Presidente. Almeida dos Santos, então presidente da Assembleia da República e segunda figura do Estado, foi declarado Presidente interino.
Depois da aventura de 1985, Almeida Santos só veria o regresso do PS ao Poder dez anos depois, com António Guterres. Num jantar para festejar a vitória, no Chimarrão, no Campo Pequeno, em Lisboa, ainda antes de cantar o fado de Coimbra, o já veterano político apontava o que considerava ser a diferença fundamental entre PS e PSD. E foi então que se viu um homem prático a recorrer à força da ideologia: “Se não tivesse havido 25 de Abril, eles estariam tão perfeitamernte adaptados como estão em democracia. Nós não.”