Bernardo Carnall, ex-secretário-geral do Ministério da Defesa, foi chamado a testemunhar no processo dos submarinos a 7 de Maio de 2013 e prestou aquele que seria um dos depoimentos mais comprometedores do inquérito que investigou suspeitas de corrupção na aquisição de dois submarinos pelo Estado português, em 2004.Carnall tinha como funções gerir o orçamento e intervir no concurso para aquisição dos submergíveis. Chamado a explicar o processo de decisão, implicou Paulo Portas, à data ministro da Defesa, e também Amílcar Morais Pires e Ricardo Salgado, enquanto representantes do Banco Espírito Santo (BES) no negócio.
Como era necessário financiamento bancário, foram convidadas várias instituições financeiras. No final do terceiro trimestre de 2013, a equipa entendeu que as melhores propostas vinham do Deutsche Bank e do consórcio CSFB/BESI. Na proposta inicial, o segundo consórcio apresentava um spread de 19,6 pontos base e o Deutsche Bank um de 26. À partida, o primeiro oferecia o preço mais baixo e, por essa razão, num sábado ou domingo de manhã, Paulo Portas transmitiu a decisão de optar por aquele consórcio. Só que mais tarde, Bernardo Carnall terá percebido que algumas cláusulas previstas nos anexos aumentava o risco de os custos futuros virem a ser, afinal, bastante mais altos do que a proposta do Deutsche Bank.
É feita uma nova reunião entre assessores e representantes do BESI, num dia em que Paulo Portas se encontra fora do país, numa visita oficial. Mediante as dúvidas apresentadas sobre as cláusulas em anexo, os representantes do consórcio presentes terão saído do gabinete, desatando a fazer telefonemas para outros responsáveis do BES. Carnall supõe que seriam “Morais Pires e/ou o próprio presidente Ricardo Salgado”.
Não precisaram de avisar o ministro, porque minutos depois era Paulo Portas quem ligava para Carnall para perguntar o que estava a acontecer. “O Dr. Paulo Portas não o questionou como tinha decorrido a reunião, que aliás sabia que tinha decorrido, mas antes manifestando a sua preocupação de, afinal, não existir acordo”.
Mais uma vez, terá explicado ao então ministro da Defesa o motivo pelo qual não se chegara a acordo. Portas terá dado apenas uma ordem: a questão deveria ser resolvida para que o financiamento não fosse inviabilizado. O advogado Bernardo Ayala, que chegou a ser investigado noutro processo que acabou arquivado, também terá ouvido a conversa telefónica entre Carnall e o ministro. Carnall insistiria na razão do impasse e Portas insistiria que a questão deveria ser resolvida com urgência. Ayala terá agarrado no telefone para dar o enquadramento jurídico: “Do ponto de vista jurídico, não há enquadramento que suporte uma adjudicação de valor superior ao apresentado pelo Deutsche Bank, e que o sr. ministro não tinha competência para o fazer, e que fazê-lo violaria a lei e, nessa perspectiva, podia ser objecto de censura e penalizado.”
Na opinião de Ayala e de Carnall, o valor base teria de ser, no mínimo, inferior ao do Deutsche Bank. Na posse dessas informações, Portas terá prometido ligar-lhe dentro de alguns minutos. O que viria a fazer. Nesse segundo telefonema terá dado a entender que esteve em contacto com Ricardo Salgado, então presidente do BES, e que seria possível o consórcio vir a aceitar o spread com o valor de 25 base.
A decisão, que viria a avançar por alegada ordem directa de Paulo Portas, implicava o pagamento por parte do Estado de um valor diferente ao que estava previsto: cerca de 400 mil euros por ano se aplicado sobre a totalidade do financiamento. E viria a transformar-se numa das maiores polémicas decorrentes do negócio da aquisição dos dois submergíveis.
Carnall acrescentou ainda perante o Ministério Público que depois de sair do Ministério da Defesa terá tido apenas um contacto com Paulo Portas, por iniciativa daquele. Ter-se-ão encontrado num café na avenida da Igreja, em Lisboa, tendo Paulo Portas perguntado nessa ocasião que documentos tinham sido apreendidos na busca à sua casa. Depois desse encontro, contou Carnall, Portas terá tentado por diversas vezes, por volta das 8h da manhã e da 1h da madrugada, estabelecer contacto via telemóvel. Carnall diz que não atendeu porque para si “a relação existente entre ambos não era de molde a justificar esse tipo de contactos informais e fora de horas, e depois de cerca de quatro anos de silêncio e sem qualquer tipo de contacto pessoal ou outro”.
Portas foi ouvido duas vezes como testemunha, apenas na recta final da constituição. O processo terminou sem culpados, depois de um arquivamento e de um pedido de abertura de instrução feito pela deputada Ana Gomes que foi “vetado” pelo juiz Carlos Alexandre e pelo Tribunal da Relação de Lisboa.