Em Março de 2014, o ex-ministro da Administração Interna enviou do seu email de serviço um caderno de encargos do concurso público para operação e manutenção dos helicópteros ao seu amigo e antigo sócio Jaime Gomes. Faltavam três meses para o concurso ser oficialmente aberto, o que o deixava numa posição privilegiada em relação a outros potenciais interessados no concurso. O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que conduziu o inquérito dos Vistos Gold, diz que Macedo não o fez apenas por amizade mas porque respondia a “uma parceria informal de natureza lucrativa”.
Porquê? Porque Miguel Macedo saberia dos interesses comerciais do grupo Fassa e conhecia as relações entre o CEO do Fassa e Jaime Gomes, por intermédio de representantes da empresa Fitonovo, que viria a ser subcontratada pela Everjets, a empresa vencedora do concurso. E como é que o saberia? O Ministério Público explica no despacho de acusação: porque o próprio Miguel Macedo, enquanto sócio da empresa JMF, mantivera relações de natureza comercial com a Fitonovo. E terá recebido cerca de 7 mil euros da JMF, em Dezembro de 2011, numa data em que já era ministro, dinheiro esse alegadamente proveniente de um montante de 31 mil euros facturado precisamente à Fitonovo.
Miguel Macedo não respondeu às tentativas de contacto da VISÃO.
Miguel Macedo foi sócio da JMF até Janeiro de 2011, em parceria com Jaime Gomes, Luís Marques Mendes e Ana Luísa Figueiredo, que seria, na opinião do Ministério Público, uma mera testa-de-ferro do pai, António Figueiredo (ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado e alegado cabecilha da alegada rede de corrupção em torno dos Vistos Gold). A única actividade conhecida da empresa – que viria a cessar atividade em 2013 – é a celebração de um contrato, em Dezembro de 2009, com a Fitonovo. Que consistia no quê? “Na facilitação de contactos privilegiados, no âmbito da contratação pública”.
De acordo com o contrato analisado pelos investigadores, a JMF deveria receber 2% do valor total de cada contrato efetuado em Portugal. Em Janeiro de 2011, já depois da saída de Macedo, a JMF facturou à Fitonovo 31.146,28 euros por serviços de assessoria comercial. Depois de a Fitonovo efetuar o pagamento à JMF, em Dezembro de 2011 a JMF distribuiu o dinheiro pelos sócios: 7072 euros para Miguel Macedo; a mesma quantia para a JAG (empresa de Jaime Gomes) e igual valor para Luís Marques Mendes. A parcela maior, de 7084 euros, foi para António Figueiredo.
A Fitonovo foi constituída em 2009 e transformou-se numa sociedade anónima em Junho de 2011, data em que passou a ter também dois portugueses na administração. Em Janeiro de 2015, na sequência do envolvimento num processo-crime por corrupção em Espanha, mudou de nome para Perene.
Depois da saída formal de Miguel Macedo da sociedade, as relações de assessoria comercial entre a Fitonovo e a JMF transitaram para a JAG – Consultoria e Gestão, que tem como sócios Jaime Gomes e Luís Figueiredo. Em 2011, a JAG cobrou à Fitonovo 73 mil euros; em 2012 79 mil euros; e, em 2013, 19 mil euros. Os montantes terão servido para pagar os “serviços de influência” junto de terceiros ou de decisores de concursos públicos, como a ANA, a EPAL, o INCB ou as câmaras municipais do Porto e de Lisboa. Jaime Gomes, segundo o Ministério Público, faria uso da sua rede de contactos, entre eles António Figueiredo.
A cedência do caderno de encargos é apenas um dos alegados indícios criminais que o Ministério Público encontrou contra Miguel Macedo. Ao todo, Macedo está acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo político e de um de tráfico de influência.
O despacho assinado pela procuradora Susana Figueiredo conclui que “o muito grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta, evidenciando total falta de competência e honorabilidade profissionais”, a natureza e a gravidade dos crimes que são imputados a Macedo, e o “elevado grau de culpa” colidem com os fins institucionais do cargo público de que Macedo era titular. E mais: demonstram “uma incompatibilidade absoluta” com “a manutenção de qualquer outro cargo público” que pressuponha zelo, isenção e lealdade.
Jaime Gomes e António Figueiredo são outros dois dos arguidos acusados no processo.