Num requerimento enviado ao Tribunal Central de Instrução Criminal, a que a VISÃO teve acesso, António Figueiredo, um dos arguidos do caso Vistos Gold, diz a Carlos Alexandre que os tribunais “não podem ter dois pesos e duas medidas”. Em causa está o facto de o ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), suspeito de liderar uma rede de corrupção na Administração Pública em torno da atribuição de vistos dourados a cidadãos chineses, ainda se encontrar em prisão preventiva, mais de 11 meses depois de ter sido detido. Situação contrária à do processo conhecido por “Operação Marquês”, em que já nenhum arguido se encontra em prisão preventiva e nem sequer em prisão domiciliária.
No requerimento de sete páginas, a defesa de António Figueiredo, a cargo do advogado Rui Patrício, reivindica que se José Sócrates e Carlos Santos Silva puderam passar a estar em liberdade (apenas impedidos de sair do país e de estabelecer uma série de contactos) e se o argumento usado para a atenuação da medida de coação foi o facto de o risco de perturbação de inquérito estar reduzido por a prova já estar “consolidada”, não é aceitável que a mesma lógica e os mesmos argumentos não se apliquem no caso dos Vistos Gold. “A prisão preventiva já não é medida de coação necessária, adequada e proporcional neste momento do processo, volvidos que estão onze meses desde o seu decretamento”, argumenta o requerimento enviado nos últimos dias a Carlos Alexandre.
António Figueiredo cumpre um ano de prisão preventiva a 13 de Novembro. O que implica que terá de ser acusado até essa data, ou ser libertado a partir de então. Por essa razão, a defesa do ex-presidente do IRN sustenta que se essa acusação vier a ser deduzida no prazo – ou seja, dentro de três semanas -, “isso significa, necessariamente, que neste momento, e da perspetiva do Ministério Público, a prova indiciária que vier a servir de base a tal hipotética acusação já está recolhida e consolidada”. Caso contrário, diz o documento, não será no espaço de três semanas que os investigadores vão consolidar a prova: “Não seria possível em tão curto lapso de tempo recolher e consolidar prova e, ainda, redigir um hipotético despacho de acusação”. E, a ser assim, conclui o requerimento: se o perigo de perturbação de inquérito não despareceu de todo, há-de estar pelo menos “fortemente atenuado”.
A prisão preventiva só pode ser aplicada tendo por base um de três requisitos: o perigo de fuga, o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de perturbação da recolha e conservação da prova. Para evitar que o juiz de instrução criminal venha a insistir no perigo de fuga, Figueiredo alega que um relatório do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), um relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre o alegado envolvimento de juízes no processo desmistificam esse perigo. Além do mais, diz Figueiredo, não terá “meios de subsistência, muito menos de fortuna, no estrangeiro”.
Trazendo à colação o mais mediático processo do país, a defesa de Figueiredo dita que neste caso não se pode dizer que “cada caso é um caso e cada arguido é um arguido”. “Apenas estamos a comparar critérios, melhor, a querer que o critério que ali foi usado também o seja aqui, pois nessa medida não pode haver diferença”.
António Figueiredo já apresentou quatro recursos para ver ser substituída a prisão preventiva por uma medida de coação menos gravosa. Os três que já foram analisados já foram recusados. O último, apresentado em Agosto, ainda está em apreciação na Relação de Lisboa. O ex-presidente do IRN é suspeito de corrupção, tráfico de influência e branqueamento de capitais neste processo. Foi detido em Novembro de 2014, juntamente com outros dez arguidos, por suspeitas de ser o cabecilha de uma rede que facilitaria a atribuição de autorizações de residência de investimento a cidadãos chineses em troca de alegadas contrapartidas. O ex-ministro Miguel Macedo também foi constituído arguido no processo: nesse caso, o Ministério Público não encontrou perigo de perturbação de inquérito, razão pela qual o ex-governante ficou a aguardar o desfecho do inquérito em liberdade.