Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, coautora de vários livros sobre Segurança Social, Trabalho ou o Estado Social, é agora presença regular na RTP no programa A Barca do Inferno. Coordena o Grupo de História Global do Trabalho e dos Conflitos Sociais
> Que impacto terá a descida da TSU proposta pelos economistas consultados pelo PS?
Vai descapitalizar a Segurança Social, tanto pela descida prevista para os trabalhadores como para as empresas (8 pontos percentuais no total). Antes de mais, existe o princípio da confiança, o pacto social entre o Estado e a população. E as contribuições, quer da parte dos trabalhadores quer das empresas, têm de ser consideradas massa salarial. Não somos só nós a dizer isso, mas o próprio sistema europeu de contas. Portanto, baixar a TSU é cortar massa salarial.
> Aparentemente, fica-se até com mais salário.
No imediato sim. Mas esta é uma massa salarial que não é entregue na hora, mas diferida no tempo, sob a forma de pensões e reformas, que, de acordo com este documento, serão reduzidas no futuro. E isto também é injusto para um sistema de Segurança Social baseado na solidariedade intergeracional. Quem desconta hoje paga as pensões de quem já descontou e entregou o dinheiro. O Estado não é dono das pensões, mas um fiel depositário. Isto liga-se com outra proposta grave surgida no documento, o que tem sido chamado contrato único de trabalho, embora a expressão não esteja lá.
> Liga-se como?
Ao facilitar brutalmente os despedimentos, aumentará o desemprego. E quanto mais pessoas forem para a reforma e pré-reforma, menos haverá a descontar. O principal problema da Segurança Social é o desemprego. Não existe em Portugal qualquer problema demográfico.
> Como assim?
Diz-se que já só temos 1,2 trabalhadores ativos por cada pensionista, mas na realidade existem 2,5, porque não incluíram na conta os desempregados nem os precários. Ora, temos 1 milhão e 400 mil desempregados, que não descontam para a Segurança Social, mais um milhão e 600 mil precários, que descontam pouco. Ao todo são 3 milhões de pessoas que têm de ser contadas como mão de obra ativa. As pessoas viverem até mais tarde é uma conquista civilizacional. Dantes tínhamos mais jovens e menos idosos e hoje sucede o contrário. Mas no conjunto a população ativa mantém-se sensivelmente a mesma há 40 anos. Só ultimamente sofreu uma descida, mas não significativa. O problema é não haver pleno emprego.
> Em quanto é que esta proposta afeta a Segurança Social?
Só a parte abatida aos trabalhadores significa 1 800 milhões de euros a menos. Este cenário parte do princípio de que os cortes salariais levaram muitos portugueses a deixar de pagar a casa à Banca. Assim, cortando na TSU, já poderiam pagar. E como resolve o défice destes 1 800 milhões? Recorrendo ao Fundo de Capitalização da Segurança Social. Isso é uma forma insustentável de gerir a sociedade. Devem é repor-se os salários e não cortar na massa salarial. Quanto aos outros 4 pontos percentuais a abater do lado dos empregadores são para compensar com a chamada descida do IRC, o que é inenarrável, pois é substituir contribuições por impostos. ?O que descontamos para a Segurança Social só pode ser usado para ela. Já os impostos não.
> E calculou também o impacto das propostas da coligação PSD/CDS?
Não. Mas como também voltam a querer mexer na TSU é a mesma coisa. Nesse aspeto as propostas são uma espécie de Dupond e Dupont.
> Já falou no contrato de trabalho único. Significa o quê?
Visa substituir os contratos com termo por contratos sem termo, mas na prática significa precariedade para todos. A proposta prevê uma extraordinária facilitação dos despedimentos, que deixam de ser feitos em tribunal, passando para o seio da empresa. Ou o trabalhador aceita a indemnização proposta ou pode ir para tribunal, correndo o risco de nada receber. Isso promove uma alta rotatividade no mercado de trabalho. As pessoas estão uns meses empregadas, depois recebem a tal indemnização e a seguir vão para o desemprego. É transformar-nos num país de bens transacionáveis, de exportações baratas, o que só se faz com trabalho barato. Isso é trazer a China para cá, “achinesar” Portugal.
Este documento nada diz sobre a reposição dos feriados ou horas extra, enquanto mantém a mobilidade e o fim da contratação coletiva. Além de propostas discutíveis, contém alguns erros crassos, como dizer que uma das causas do envelhecimento demográfico é a descida da mortalidade infantil. Isto é um absurdo científico. Claro que haverá mais pessoas a chegar a velhas e, assim, a pensionistas. Mas pelo meio trabalharam. Não passaram diretamente de crianças a idosos.
> Costuma defender que o Estado Social é viável. Com a política de austeridade seguida, e que não acabará tão cedo, ainda pensa o mesmo?
Pagamos mais em impostos e contribuições sociais do que recebemos em serviços. Portanto, a Segurança Social é não só viável, como superavitária. Claro que já não podemos dizer o mesmo se os impostos pagos para a Saúde continuarem a ser transferidos para os hospitais privados, pois 40% do financiamento destes provem das verbas do SNS. O Estado arrecada o suficiente para o Estado Social. Não o usa é para isso, mas sim para as PPPs ou para os juros da dívida pública.
> Tem falado em crises cíclicas. A atual já acabou?
As crises cíclicas do capitalismo dão-se de 7 em 7 ou 8 em 8 anos, por causa da crise tendencial das taxas de juro. O sintoma visível é a queda das Bolsas, mas a causa é aquela. Creio que vem aí outra. Não sei exatamente quando, mas posso dizer o intervalo, isto é, que se dará dentro de seis meses a ano e meio. E receio que a próxima crise seja ainda superior à de 2007, porque já não há taxas de juro para mexer, já que estão até negativas. A Europa encontra-se em deflação.
> Quando pensa na União Europeia, com todos os movimentos a surgir à esquerda e à direita, imagina-a com um futuro longo?
Acho que a UE, tal como está desenhada, põe em causa a Europa.
> A Europa ou o euro?
Toda a UE, quer pela estrutura dos tratados orçamentais, quer por se basear na competição salarial. Devia haver um contrato de trabalho único para toda a Europa e harmonização da legislação laboral. ?O contrário tem significado empurrar muita gente para o exílio. Não pode falar-se em emigração, quando 300 mil pessoas se veem obrigadas a deixar o País por não terem emprego. E ir fazer concorrência salarial a alemães ou ingleses é o caldo da xenofobia. É trazer de volta o fantasma de guerras e conflitos no continente.