- 40 anos de eleições livres (com galeria de fotos)
- Recorde os cartazes das eleições de 1975
- Recorde as propostas de quem concorreu às eleições de 1975 (infografia)
- Campanha: Três semanas gloriosas
- Quando a PIDE pagou a conta
Não se fiava nas sondagens, apesar de lhe atribuírem a vitória. Talvez por isso, Mário Soares tenha mantido as expetativas relativamente baixas em relação ao desfecho das primeiras eleições por sufrágio universal que se realizaram em Portugal.
“Nunca me passou pela cabeça o Partido Socialista ficasse em primeiro lugar”, conta o histórico dirigente do PS à VISÃO.
Ainda, assim, a sensação de que iria sair derrotado não lhe tirou o sono na noite de 24 para 25 de abril de 1975, depois de uma extenuante e tensa campanha eleitoral, marcada pela aceleração do processo revolucionário na sequência da tentativa de golpe liderada, a 11 de março, pelo general António de Spínola.
Soares sempre dormiu bem e encarava o possível triunfo eleitoral dos comunistas com tranquilidade. Não acreditava num “perigo vermelho”. “Estava convencido de que, mesmo ganhando, não iriam fazer grandes disparates”, confidencia.
Enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, deslocara-se, em janeiro desse ano, a Moscovo. Aí encontrou-se com o seu homólogo soviético Andrei Gromyko e com o secretário-geral do Partido Comunista da URSS, Leonid Brejnev.
Confrontou este último com declarações de Álvaro Cunhal de que Portugal seria a Cuba do Ocidente e ficou surpreendido com a resposta. O líder comunista português, conta Soares, não seria uma figura muito querida em Moscovo. E Brejnev tranquilizou-o: “Esteja descansado. O Cunhal nunca fará do vosso país uma Cuba europeia”.
Guardadas no Arquivo Histórico-Diplomático, as anotações feitas pelo então embaixador português em Moscovo, Mário Neves, da conversa entre Soares e Gromyko vão no mesmo sentido. “A União Soviética é um Estado amigo do povo português e deseja ver em Portugal um país livre e independente”, garantiu o chefe da diplomacia de Moscovo a Soares.
Refira-se que Brejnev preparava a conferência de Helsínquia, que se realizaria em julho desse ano. A détente (desanuviamento) e o desarmamento das potências nucleares estavam na ordem do dia. O Kremlin não queria estragar o clima de apaziguamento, apoiando um regime do tipo cubano em Portugal.
Na noite eleitoral, Soares deslocou-se à Gulbenkian, onde estavam a ser contados os votos. O líder socialista não deixou de ter uma boa surpresa quando, por volta das três da madrugada, a contagem começa a indiciar uma vitória expressiva dos socialistas (37,8%), com o PPD de Sá Carneiro posicionado em segundo lugar (26,4) e em terceiro os comunistas com os seus aliados do MDP/CDE a não ultrapassarem juntos a fasquia dos 17 por cento.
“Olhe que é para o seu bem…”
Não foi só Soares a surpreender-se, naquela noite, com o desempenho eleitoral dos comunistas. “Não esperava que ganhassem, mas que ficassem em segundo lugar com uma grande vantagem face ao PPD. Que juntamente com o MDP tivessem uns 30 por cento”, recorda Diogo Freitas do Amaral, então líder do CDS, que em 1986 disputou as presidenciais com Soares.
O CDS teve uma campanha eleitoral difícil. Razões de segurança ditaram que só se fizesse campanha “de Leiria para cima”. Ainda assim, em Guimarães houve tiros contra as janelas do cineteatro onde se realizou um comício. “Outra surpresa foi a afluência às urnas: 92%. E o civismo com que o ato eleitoral decorreu. Recearam-se boicotes e ataques, mas não houve uma única reclamação”, relembra o líder centrista da altura.
“Foi um dia de grande alegria para nós, como portugueses e democratas. Estava esclarecida a questão da via revolucionária, já que as forças pró-ocidentais obtiveram mais de 70% dos votos.”
Nesse dia, Freitas do Amaral e a mulher, Maria José, votaram no Liceu Camões, em Lisboa. Seria perto do meio-dia. A saída da assembleia de voto são abordados por um casal mais velho que os cumprimenta e diz ser do CDS, como aliás toda a família. Dirigindo-se a Freitas do Amaral, o homem disse: “O Sr. não vai ganhar. Não seria bom para si.” E explicou que reuniu a família e que se combinou que metade votaria CDS, a outra noutro partido. “É que se o CDS tiver um grande resultado, ainda o ilegalizam.”
Freitas do Amaral não compreendeu tal atitude e ficou furibundo. “Olhe que é para seu bem”, respondeu-lhe o homem.
A verdade é que o CDS ficou muito aquém das suas próprias expetativas com um resultado de 7,6 por cento, o que veio turvar a alegria com o desfecho das primeiras eleições verdadeiramente livres realizadas em Portugal.
Freitas do Amaral acompanhou a noite eleitoral em casa, onde pela televisão e pelo telefone se manteve ao corrente da contagem de votos. Quando o viu desgostoso, Adelino Amaro da Costa, seu amigo e codirigente centrista, disse-lhe: “Não te preocupes, se desta vez só pudemos fazer campanha em metade do País e tivemos 7,6%, para as próximas conseguiremos ir a todo o lado e teremos o dobro da votação”. Com efeito, nas legislativas de 1976, a votação nos centristas atingiu os 16 por cento.