Do alto do seu 7.º andar, Proença de Carvalho domina. Antes de mais, todo o edifício – o Uría -, muito perto do Marquês de Pombal, em Lisboa. Ali funciona a sede da Uría Menéndez-Proença de Carvalho, uma das principais sociedades de advogados, com escritórios em 16 cidades, tão distantes como São Paulo, Pequim, Bruxelas ou Bogotá. E a que ele preside.
Depois de uma carreira iniciada como inspetor da Polícia Judiciária, rapidamente se tornou conhecido como advogado de António Champalimaud, no processo da herança Sommer. Aos 73 anos, está ligado a numerosas empresas, nalgumas como administrador, mas sobretudo como presidente de Assembleias-Gerais. Ao mesmo tempo continua a ser procurado como defensor por políticos, banqueiros, homens de negócios. Foi o advogado de Sócrates quando primeiro-ministro. E é a sua sociedade que defende agora Ricardo Salgado na hecatombe do BES.
Pugnou, há muitos anos, pelo fim do segredo de Justiça. Continua a defender o mesmo?
Por princípio, sim. Aliás, foi feita uma reforma em que o segredo de Justiça, que antes era uma regra, passou a ser uma exceção. Mas com as sistemáticas violações que têm acontecido, acho que devia ser restringido ao mínimo dos mínimos. Os objetivos não estão de todo a ser alcançados. Ainda se mantém o de impedir o arguido de conhecer o processo, para que não possa desvirtuar as provas. No entanto, há outro que é fundamental para o equilíbrio desta relação: a preservação do bom nome das pessoas. Em muitos casos, há denúncias que evoluem para inquéritos, mas que terminam em arquivamentos. E aqui a violação antecipada do segredo de Justiça tem conduzido a condenações na praça pública, na Comunicação Social, de pessoas com notoriedade. Fica lesado o direito constitucional à dignidade e à reputação.
Que alternativa propõe para, por um lado, proteger a funcionalidade da investigação, e, por outro, defender a presunção de inocência?
Se fosse possível preservar o segredo de Justiça, eu não seria tão radical na defesa da sua abolição. Admito que o Ministério Público [MP] possa considerar importante para o desenvolvimento de uma investigação ter o inquérito sob segredo. Mas com uma condição: esse segredo tem mesmo de ser preservado. Se assim não for, não existe o equilíbrio que mencionei e algo de muito errado acontece. Então, talvez seja preferível, pura e simplesmente, extinguir o segredo de Justiça. Dir-se-á que o MP eventualmente fica com menos condições de investigação para ser bem-sucedido. É o custo que um processo leal e equilibrado pode vir a ter.
Deve depreender-se das suas palavras que um processo pode ser publicitado desde o início da sua existência? A ele podem logo os jornalistas ter acesso, por exemplo?
Há várias graduações nessa matéria. Profundamente injusto é um arguido ser confrontado com acusações na praça pública, mas não ter possibilidade de aceder ao processo, aos factos e provas apresentados contra ele. Eis uma alternativa possível: uma vez divulgadas, por qualquer forma, partes do conteúdo do processo, o segredo de Justiça termina automaticamente. Assim, o arguido pode defender-se, quer no processo quer na opinião pública. Na sociedade mediática em que vivemos, é uma grande hipocrisia pensar-se que a defesa de uma pessoa com notoriedade, acusada num processo criminal, se pode fazer apenas no processo.
No processo hoje mais mediático, o de Sócrates, o equilíbrio de que fala parece estar garantido: há as notícias que saem sobre o caso, mas também existem as declarações públicas que o ex-primeiro-ministro faz a partir da prisão de Évora.
Não é bem assim. A violação do segredo de Justiça resulta do acesso a elementos do processo. É claro que os jornalistas não estão impedidos de aceder a factos e provas, desde que não o façam através do processo. Assim como o arguido não pode estar impedido de se defender na opinião pública, se não recorrer a dados do processo. Mas também admito que alguém acusado publicamente com base em elementos que estão em segredo de Justiça tem o direito de se defender com dados do inquérito. Embora esteja a cometer um ato tipificado enquanto crime, ele não o pratica se tiver as chamadas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa – como a legítima defesa ou o estado de necessidade.
Se fosse advogado de José Sócrates ?aconselhá-lo-ia a fazer uma defesa pública e agressiva, como tem acontecido?
Não respondendo diretamente à pergunta – não quero intrometer-me no patrocínio dos meus colegas -, digo que quem é acusado publicamente tem o direito de se defender publicamente. É tão simples quanto isto.
Quando o ex-primeiro-ministro foi detido, os jornalistas esperavam vê-lo chegar ao Campus da Justiça, para o acompanhar nos interrogatórios. Foi advogado de José Sócrates anos a fio. Porque não apareceu, afinal?
Não são os advogados que escolhem os clientes. É ao contrário. Essa pergunta deve, pois, ser dirigida ao eng. Sócrates. Mas já antes deste processo, noutros casos, o eng. Sócrates tinha pedido o patrocínio ao dr. João Araújo. Eu já não estava a ser o seu advogado em novas iniciativas.
Ficou de alguma forma a ideia de que isso aconteceu para evitar qualquer “contaminação” com o caso do BES, já que é advogado de Ricardo Salgado.
Já dei a resposta. O eng. Sócrates não me pediu esse patrocínio.
Foi o senhor que lhe aconselhou o seu colega João Araújo?
Não.
Surpreenderam-lhe os factos que são imputados, ainda que como suspeitas, a José Sócrates?
Não quero emitir nenhum juízo sobre essa matéria porque não conheço os factos, além do que tem sido noticiado na Comunicação Social. Mas naturalmente me surpreenderia que o eng. Sócrates tivesse praticado atos menos lícitos.
Já passaram quase quatro meses desde a prisão de Sócrates. Como tem assistido ao decorrer do processo?
Não vejo que a prisão do eng. Sócrates fosse legalmente admissível. Os fundamentos que têm sido publicitados não me convencem e parecem-me claramente desajustados às circunstâncias. O receio de fuga, por exemplo: como é que alguém pode aceitar um argumento desses quando, por aquilo que se sabe, o eng. Sócrates veio para Portugal, estando no estrangeiro, para se entregar, digamos assim, à Justiça? E quanto ao perigo de perturbação do inquérito ou de destruição de prova, diria que mal vai um país onde alguém com a relevância do eng. Sócrates, que foi duas vezes eleito pelos portugueses para o cargo de primeiro-?-ministro, possa ser detido sem que existam fundamentos consistentes. Aliás, o fundamento de uma prisão, em geral, é esse: haver uma prova consistente. De resto, e também como dizem os jornais, se o inquérito durava há tanto tempo, é suposto existir segurança das provas para um ato desse género.
Presume-se que não tenha visitado Sócrates na cadeia ou saber-se-ia. Mas já esteve em contacto com ele?
Não tive ainda qualquer contacto com ele. Mas espero vir a tê-lo em qualquer oportunidade. A minha estima pessoal pelo eng. Sócrates não foi até agora minimamente beliscada. Conheci-o há bastantes anos – aliás casualmente, num programa da SIC, com Margarida Marante e em que participava também o dr. Paulo Portas – e fiquei com uma relação de simpatia e admiração por ele. E se, por um lado, a presunção de inocência é um valor que respeito, por outro, na minha longa experiência profissional, já vi várias pessoas com grande notoriedade serem acusadas de coisas gravíssimas e acabarem totalmente inocentadas. Até ver, não faço juízos de culpabilidade do eng. Sócrates.
Há meses, na TSF, apelidou o magistrado Carlos Alexandre de “superjuiz dos tabloides”. Voltaria a dizer o mesmo?
O que disse é a constatação de um facto. Têm sido os tabloides a qualificá-lo como “superjuiz”.
Que solução defende para o chamado “Ticão” [Tribunal Central de Instrução Criminal]?
Não é próprio de um Estado de Direito que qualquer tribunal tenha apenas um juiz. Sobretudo num tribunal com estas características, o princípio do chamado juiz natural devia também imperar. Durante muitos anos, o magistrado Carlos Alexandre foi o único juiz desse tribunal. Tribunal esse que é o único competente para os crimes mais graves. Por seu turno, acaba por ser o Ministério Público a escolher os casos que vão ter a esse tribunal. Isto não me parece nada saudável do ponto de vista do Estado de Direito.
Suspeita de eventuais más práticas deste juiz?
O julgamento que faço é independente da pessoa que ocupa esse lugar. Mas conhecendo outros processos que passaram por esse tribunal, diria que a atuação do magistrado Carlos Alexandre, em certos casos, e na minha livre apreciação como cidadão e advogado, não se pautou pelos padrões que considero exigíveis a um juiz: uma postura serena, independente, isenta, imparcial. Ou seja, um juiz que aprecia os casos exclusivamente de acordo com os critérios legais e que não tem estados de alma. Tivemos um processo de uma pessoa que estava a ser injustamente acusada, que, do nosso ponto de vista, era claramente inocente, e que, no entanto, teve de passar pelo calvário da pronúncia. Depois foi absolvida em julgamento, mas tudo o que ali se apresentou já estava na instrução dirigida pelo juiz Carlos Alexandre. Sei que há vários casos deste tipo.
É advogado de Ricardo Salgado – não vai, por certo, falar do processo. Mas, uma vez que era membro da Comissão de Vencimentos do BES, foi uma surpresa para si a derrocada do banco e do GES?
Essa surpresa, parece-me, foi geral. Na Comissão de Remunerações, perante a informação que nos era submetida, estávamos longe de imaginar que podia haver uma derrocada do BES. Mas também não considero de maneira nenhuma inevitável o que veio a acontecer.
Acredita mesmo que, cedendo o tempo que Ricardo Salgado reivindicava, ele conseguiria dar a volta à situação?
A minha convicção era a de que havia condições para que o banco e a marca BES pudessem ser salvaguardados. Com algum eventual apoio do Estado, como sucedeu com outros bancos. E também acho que o processo não foi bem conduzido, nem pelo regulador nem pelo Governo. Deixou-se gerar uma grande incerteza à volta do banco, da liderança e da sua substituição, que levou a uma perda de confiança que liquida qualquer instituição financeira, por mais sólida que seja.
O livro Os Burgueses (coordenado por Francisco Louçã e outros) descreve-o como “o responsável com mais cargos no PSI-20 e também o mais bem pago”. Revê-se neste retrato?
Duvido. De empresas do PSI-20 sou apenas presidente da Assembleia-Geral da Galp, um cargo sem qualquer relevância de gestão. Limita-se à convocação das reuniões, em princípio anuais, para aprovação dos orçamentos. E os meus vencimentos nessas empresas são públicos. Poderão ver como a afirmação é bastante exagerada.
Noutro livro, Os Facilitadores (de Gustavo Sampaio), diz-se que assistimos hoje à captura do poder político pelo económico e financeiro, e define-se assim o papel das grandes sociedades de advogados: “Servem como vasos comunicantes, fornecedores de contactos, intermediários de relações, facilitadores de negócios, produtores de blindagem jurídica, depositários de informação sigilosa, gestores de influências.” O que lhe parece a descrição?
É uma visão um pouco limitada, senão paranoica. Em todo o mundo, e Portugal não é exceção, há escritórios de advogados, uns maiores e outros menores, que prestam serviços jurídicos. Passei a maior parte da vida como advogado individual. Nunca prestei serviços ao Estado ou a empresas públicas. Posso dizer que tenho algum orgulho nisso. Fiz a carreira a prestar serviços a pessoas ou empresas que me procuraram. E, mesmo na minha sociedade de advogados, será muito raro que prestemos serviços ao Estado. Trabalhamos para privados e temos até casos de contencioso com o Estado.
Quando os clientes procuram um escritório, querem competência, desde logo jurídica, mas também experiência de vida. Podemos aconselhá-los através do conhecimento que temos da sociedade portuguesa, da cultura, dos protagonistas. Tudo isso podem ser valências dos serviços que prestamos. Mas é só disso que se trata.
Exerci funções públicas (ministro do IV Governo Constitucional) há dezenas de anos, numa altura conturbada do País, e foi um serviço cívico. Desde aí, não tive mais ligações ao Estado, a partidos ou políticos.
O seu escritório não tem qualquer ligação com o caderno de encargos para a privatização da TAP?
Absolutamente nenhuma.
E também não teve funções de consultadoria nas PPPs dos governos de Sócrates, quer no setor da Saúde como, depois, nas rodoviárias?
Enquanto estive no meu escritório, nunca prestámos assessoria desse tipo a qualquer entidade. E nesta sociedade, onde estou desde 2010, também não. Pelo menos que seja do meu conhecimento, mas posso informar-me, já que somos cerca de uma centena de advogados. [Mais tarde faria chegar este esclarecimento: “Embora por razões deontológicas seja nossa prática não divulgar as relações com clientes, posso dizer que nem antes nem depois da minha ligação à Uría-Menéndez prestámos quaisquer serviços ao Estado durante o Governo de José Sócrates. Com o atual Governo houve uma assessoria ao Estado que qualifico de irrelevante. Mas sublinho que acontece em Portugal e em todo o mundo os escritórios de advogados prestarem serviços aos Estados, pelas competências por vezes sofisticadas que detêm e que são essenciais na defesa do interesse público.”]
Terá intermediado na compra da Cimpor por uma holding brasileira e na da Controlinveste por um grupo angolano. Que relações tem a sua sociedade com estes países e com a China?
Esta sociedade possui escritórios em várias cidades do País e do estrangeiro. Por acaso não temos em Angola, mas noutros países prestamos serviços a cidadãos e empresas, independentemente de lá termos escritório. E fomos, de facto, advogados do grupo brasileiro (Camargo Corrêa) que lançou a OPA à Cimpor e, no caso da Controlinveste, fomos advogados do grupo angolano (de António Mosquito) que tomou uma posição na empresa.
Está agora a trabalhar com La Caixa na OPA ao BPI?
Exatamente. Mas nenhum dos negócios mencionados teve a ver com o Estado.
Um dos temas recorrentes da política é o das incompatibilidades dos titulares de cargos públicos, sobretudo deputados, por exemplo com o exercício da advocacia. O que acha disso?
Por princípio, não sou favorável a uma grande extensão de incompatibilidades, pois seria redutor. O Parlamento e o País só ganhariam com o contributo de pessoas da sociedade civil. Na história da nossa Revolução, esse contributo foi de início grande, o que se revelou muito positivo para consolidar a democracia. O importante é que as relações sejam transparentes e que quaisquer conflitos de interesses sejam claríssimos. ?E isso aplica-se a todos os deputados, de todas as profissões.
No início da democracia, foi para o PS.
Sim. Entrei imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, pela mão de Salgado Zenha.
Mas saiu pouco tempo depois.
É verdade. Escrevi, aliás, uma carta ao secretário-geral, então Mário Soares, a dizer-lhe que assumira o cargo de diretor de um jornal (o Jornal Novo), o que considerava incompatível com a militância de um partido. A razão foi só essa.
Mas o passo seguinte que se lhe conhece em termos políticos já foi como ministro da Comunicação Social de Mota Pinto (1978). Tinha-se, entretanto, filiado no PSD?
Não. E, até hoje, nunca mais me inscrevi em qualquer partido. Aliás, também considerei que não seria de bom-tom passar para outro partido.
Depois foi diretor da campanha presidencial de Freitas do Amaral e, mais recentemente, esteve ligado pelo menos a uma das de Cavaco Silva.
Participei nas duas do prof. Cavaco Silva. Na primeira, fui até mandatário em Lisboa. Mas atividade política propriamente dita só tive, como disse, nos tempos conturbados da democracia. A partir daí, dediquei-me apenas à profissão. Interesso-me por política, mas nunca foi minha intenção fazer carreira.
Em contrapartida, regressou com regularidade à Comunicação Social. O que o atraiu?
Foi tudo casual, como a maioria das coisas que me aconteceram na vida. Estava no meu escritório, apareceram uns acionistas do Jornal Novo e convidaram-me para diretor. Naqueles tempos da Revolução era assim. Depois, Sá Carneiro fez-me o desafio de presidir à administração da RTP. Mais tarde, eu e um conjunto de amigos, como Carlos Barbosa, Vítor Cunha Rego e Maria Elisa, apresentámos um projeto para um canal de TV privado, que foi chumbado, ainda que injustamente. E só voltei à Comunicação Social recentemente, quando interviemos profissionalmente na reestruturação da Controlinveste. Acabado o trabalho, os acionistas pediram-me para ser o chairman. E lá estou, mas sem qualquer função executiva.
Esteve ligado, como disse, às duas candidaturas de Cavaco Silva a Belém. Como acha que tem exercido os mandatos?
Fui seu apoiante e tenho por ele admiração e estima pessoal. Acho que podia ter feito bastante mais pelo País no exercício do cargo, procurando conseguir maiores consensos políticos, ter um papel mais ativo nalguns temas, e ser mais equidistante dos partidos, mantendo uma maior reserva ou imparcialidade em relação aos governos com que coabitou.
Quais são as suas perspetivas para as próximas legislativas?
Este Governo passou uma fase muito difícil. O primeiro-ministro teve de aplicar uma série de medidas diria que quase em oposição ao que prometera. Foi levada a cabo uma política de austeridade, em parte exigível, e outra, talvez por convicção, mais do que seria exigível.
Podia pensar-se que seria praticamente impossível renovar o seu mandato. Mas há ultimamente fatores, de ordem interna e externa, que podem favorecê-lo.
A Europa, apesar de tudo, está a mudar de orientação, como se viu pela decisão do BCE de injetar somas consideráveis na compra de dívida pública, ou pelo “plano Juncker” de apoios ao investimento. Além disso, o preço do petróleo baixou e o euro desvalorizou-se. Os mercados estão a financiar a nossa dívida a taxas de juro muito baixas. Tudo isto somado à resiliência de Passos Coelho pode fazer com que o resultado do próximo combate não seja tão previsível para o PS como se previa.
A polémica sobre os descontos para a Segurança Social e os impostos ?do PM não muda outra vez essa perspetiva?
Não posso prever o resultado. Embora seja grande a repercussão nos meios políticos e mediáticos, é duvidoso que tenha o mesmo impacto junto dos eleitores.
O que tem achado da liderança de António Costa?
A tarefa dele também não é fácil. Primeiro porque não há grandes alternativas, sobretudo na política económica e financeira. ?A ação do Governo está muito condicionada pelas instituições que continuam a supervisionar. Valorizo a atitude dele de não fazer promessas que depois não pode cumprir, embora, do ponto de vista eleitoral, isso não corresponda às aspirações de um povo que tem sofrido.
Por outro lado, ele tem de apresentar alguns projetos, nomeadamente em setores que dependem muito de governos nacionais, como as políticas de Educação, Saúde ou Justiça. Com a atual maioria, não se fizeram grandes reformas e todos estes setores precisam delas. Há que diminuir a despesa do Estado, garantindo ao mesmo tempo serviços com mais qualidade e um clima de confiança que permita crescimento económico.
Se Costa conseguir ganhar, mas sem maioria absoluta, que solução defenderia?
O ideal seria um dos blocos vencer com maioria absoluta, porque daria não só mais estabilidade, como responsabilidade. Se não for assim, e como discordaria de um governo minoritário, teria de ser uma coligação que assegurasse estabilidade. Não gostaria que sucedesse aqui o mesmo que na Grécia, o aparecimento de movimentos radicais desestabilizadores, que pudessem prejudicar o clima de confiança necessário.
Nessas forças desestabilizadoras, inclui o partido do ex-bastonário da sua Ordem, Marinho e Pinto?
Incluo quaisquer partidos que possam ter uma visão desajustada para o País. Vivemos num mundo global, onde não há soluções miraculosas. Nos próximos tempos não deixaremos de estar dependentes dos chamados mercados. Infelizmente é assim. E eles são muito sensíveis à política. Acho fundamental que os partidos tradicionais se regenerem e creio que estão conscientes disso. Por vezes exigimos aos políticos que sejam uma espécie de santos, mas é verdade que se têm sucedido escândalos, uns mais outros menos graves, que geram desilusão. O processo das primárias no PS já foi um passo no sentido da abertura à sociedade.
Também não falta muito para as presidenciais. Qual é desta vez a sua preferência?
Ainda não são conhecidos os candidatos. Mas era importante descobrir uma personalidade de grande prestígio junto da sociedade civil, com autoridade moral e cívica, que pudesse reunir consensos para reformas, como a da Justiça, uma das mais necessárias. Sei que dificilmente pode tratar-se de alguém que não seja apoiado pelos partidos, mas este seria o meu desejo.
Já falou na Grécia. Que balanço faz do Governo do Syriza?
A Europa em geral deveria aprender qualquer coisa com o que se passou lá. Os programas aplicados aos países do Sul foram demasiado austeros, geraram recessão, desemprego, sem conseguirem resolver o problema da dívida e do défice público. Mas o choque com a realidade levou o Syriza a moderar muito as propostas mais ou menos utópicas que apresentou. A Europa fez também o seu percurso e espero que se encontre um caminho mais moderado entre as duas partes.
O que lhe pareceu a atitude do Governo português?
Tomou uma posição talvez radical, que não me pareceu bem. Os argumentos que podemos usar contra os gregos sãos os mesmíssimos que os países do Norte podem usar contra nós. Devíamos ter o cuidado de não nos colocarmos numa posição de hostilidade para quem está em situação de carência, por uma questão de justiça e de ética. E por interesse. Mais dia menos dia, também nós vamos precisar da compreensão da Europa para as nossas dificuldades.