A reação do primeiro-ministro às questões suscitadas pelo artigo do Público, a 1 de março, dando conta de que não tinha pago as quotizações obrigatórias à Segurança Social durante cinco anos, de 1999 a 2004, fez lembrar as respostas do gestor Zeinal Bava na Comissão de Inquérito Parlamentar ao Caso BES/GES. “Não guardo memória”, “em sã consciência eu não sabia”, “não me recordo “, disse o antigo administrador da PT. O primeiro-ministro, que na altura trabalhava a recibos verdes, mas também tinha responsabilidades políticas, como vereador sem pelouro na Câmara da Amadora (1997/2001), desculpou-se: “Não tinha consciência da obrigação para pagar essa dívida desse período”, “estava convencido que, nessa época, era opção.” Ao saber da investigação do Público, Pedro Passos Coelho apressou-se a pagar a dívida entretanto prescrita, lembrando que não tinha obrigação de o fazer nem intenção de lesar o Estado e que nunca havia sido notificado sobre o assunto note-se, porém, que, ao pagar, garantiu que aquele tempo de serviço contasse para a reforma, o que de outra forma não aconteceria.
Três anos por pagar
No total, Passos saldou 2880 euros de prestações em atraso e 1034 euros relativos a juros de mora, apesar de a lei apenas permitir o pagamento voluntário de dívidas prescritas em casos excecionais.
Os valores, explicou o jornal entretanto, dizem apenas respeito ao período que vai de 2002 a 2004, o que deixa de fora três anos de quotizações. “Se em vez desse valor, Passos Coelho tivesse liquidado os 5016 euros, mais os juros de mora contabilizados até fevereiro de 2015, o total pago teria sido mais de 8000 euros”, lê-se no artigo. Atualmente, esse valor (acima de 7500 euros) seria suficiente para colocar Pedro Passos Coelho na lista de devedores ao Estado, publicada com regularidade na internet.
“Ninguém esperará que eu seja um cidadão perfeito”, disse Passos Coelho, a quem a imprensa pediu, na última terça-feira, as declarações fiscais. “Não tenho nenhuma dívida ao Fisco e quem, por via do seu zelo, quiser invadir a minha esfera privada hoje para falar de declarações que possa ter apresentado fora de prazo e com multa, multas de trânsito que possa ter tido ou qualquer outro facto desta natureza, não encontrará nunca no cidadão Pedro Passos Coelho ninguém que como primeiro-ministro usou o lugar que tinha.” Desta forma, Passos também respondia, indiretamente, aos autores do blogue Revolta Total Global que publicaram uma lista de processos de execução fiscal (e respetivos números) que penderam sobre o primeiro-ministro, entre 2003 e 2007, no valor total de 5918,77 euros.
Casas penhoradas
Paulo Morais, da Associação Cívica Transparência e Integridade, considera o comportamento do primeiro-ministro “inaceitável”. “Não ter pago à Segurança Social não tem explicação. Em Portugal, o não conhecimento da lei não desculpa o seu não cumprimento”, diz à VISÃO. A verdade é que tal dívida por saldar também podia ter originado uma das milhares de penhoras com que o Estado tem punido cidadãos faltosos. A situação é de tal modo preocupante que, em julho de 2014, o Tribunal Administrativo de Lisboa recebeu uma ação popular contra as Finanças e a Segurança Social para travar o processo de venda de casas penhoradas por dívidas ao Estado.
Só nesse ano, foram vendidos 40 mil imóveis penhorados a uma média de 224 por dia.
“Não é aceitável que uma pessoa com as responsabilidades do primeiro-ministro tenha dois pesos e duas medidas, exigindo aos outros um rigor no cumprimento das obrigações contributivas que não exige a si próprio”, criticou Ana Catarina Mendes, do PS, lamentando o chumbo recente da maioria PSD/CDS a um projeto para impedir que o fisco penhorasse casas de morada de família por causa de pequenas dívidas.
Não satisfeito com as explicações do primeiro-ministro, o PS anunciou que pedirá à Comissão Parlamentar de Trabalho que o primeiro-ministro esclareça, nessa sede e em detalhe, o seu percurso perante a Segurança Social. O próximo debate quinzenal, esse, está marcado para 11 de março.
Defendido pelo CDS
Foi o CDS, na pessoa de Pedro Mota Soares, ministro da Segurança Social, quem veio defender Passos Coelho. “Percebemos que há muitos anos, há cerca de 10 anos, 107 mil portugueses foram vítimas da própria administração “, disse Mota Soares. “Sinto que os cidadãos não devem ser penalizados por erros da administração, como aconteceu neste caso.” Resta saber se o ministro se referia aos contribuintes que, por não terem sido notificados, não pagaram as dívidas, ou se falava dos contribuintes cumpridores. “No mesmo momento em que ele não pagou, a maioria dos cidadãos pagou. Houve uma situação de iniquidade fiscal”, lamenta Paulo Morais. “Infelizmente, sempre que há dúvidas, a forma que o sistema tem de as dirimir é penalizar os mais fracos e privilegiar os mais fortes.” Marcelo Rebelo de Sousa, um dos possíveis candidatos presidenciais da direita, também não compreendeu o esquecimento do primeiro-ministro. Na TVI, lembrou que uma “pessoa para pagar os impostos não precisa de ser notificada, sabe que tem de pagar”. O primeiro-ministro “não pagou, ponto final, parágrafo”.