Aos 37 anos, Pedro Mota Soares, titular da pasta da Solidariedade e Segurança Social, é, juntamente com a também centrista Assunção Cristas, o primeiro governante nascido após o 25 de Abril de 1974 a assumir uma pasta ministerial. Sobre o polémico Plano de Emergência Social (PES), que acaba de apresentar, recusa as acusações de “assistencialismo “, com a mesma energia com que pratica desporto: quando, aos 14 anos, foi campeão nacional de râguebi (era um pilar franzino mas duro) chegava aos treinos tarde, para não ter de correr no aquecimento. Mas hoje, o que mais lamenta é a falta de tempo para o jogging, em que se tornou viciado. Por culpa da influência do antigo deputado socialista Arons de Carvalho o mesmo que arrastou José Sócrates para o “atletismo popular”…
O que é que os portugueses podem esperar do Programa de Emergência Social (PES)?
Numa altura de crise económica a ideia é encontrar uma almofada social que permita às pessoas enfrentar estes tempos.
Sobretudo focando a ação nas muitas bolsas de pobreza muito resistentes que já duram há muitos anos.
Vai querer ser o polícia bom do Governo?
Não é isso. Mas mesmo em alturas de crise, é possível apostar na formação e qualificação das pessoas, no desenvolvimento social.
Um Programa com esta ambição partirá de um diagnóstico muito abrangente sobre a situação no terreno ou assentará mais numa lógica de caso a caso?
Já temos identificadas grandes áreas de atuação: uma será a das famílias, onde existem muitos casos de sobreendividamento.
Outra destina-se aos idosos, em que temos consumos de saúde altíssimos e rendimentos muito baixos. Há quase 1 milhão de pessoas em Portugal com pensões abaixo dos 246 euros mensais.
Não se colocam questões de segurança, por exemplo, na distribuição de medicamentos em final de prazo?
São fármacos em perfeitas condições de qualidade terapêutica, mas as normas legais atuais é que não permitem a sua distribuição. Temos de juntar à mesma mesa os responsáveis da Saúde, Segurança Social e da indústria para permitir distribuir estes medicamentos através de instituições sociais. As Misericórdias, IPSS e mutualidades são outro eixo fundamental com que trabalharemos muito diretamente pois já têm uma rede de resposta montada no terreno.
Tem uma ideia de quanto o Governo vai investir neste Programa?
Cerca de 400 milhões de euros, abrangendo 3 milhões de pessoas. Durará a legislatura, mas terá avaliações semestrais.
Podendo contar com a tal colaboração das instituições sociais, o investimento torna-se muito mais racionalizado e menos atreito ao desperdício. Poderemos aumentar o número de vagas em creches se dissermos que cada sala comporta mais crianças. Nos lares de idosos é possível simplificar regras e eliminar burocracias para acabar com situações absurdas. Conheço equipamentos que estão fechados porque, por cinco ou seis centímetros, não cumpriram o pé-direito estipulado.
Um dos pontos do Programa alvo de maior crítica é a distribuição de alimentos, roupas e medicamentos a pessoas carenciadas. Não há aqui o regresso de um modelo demasiado assistencialista?
Temos muitos casos identificados de famílias que não conseguem ter duas refeições por dia. E isto merece uma resposta primordial. Não há pior forma de assistencialismo do que manter as pessoas muito tempo na pobreza em que os seus poucos recursos são subsídios. Um dos nossos objetivos é estimular o trabalho ativo e apostar na Economia Social, que não se deslocaliza para o estrangeiro uma vez que lida com equipamentos sociais, dinamiza as economias locais e é uma oportunidade inclusiva para desempregados com mais de 45 anos ou deficientes, que têm muita dificuldade em afirmarem-se no mercado de trabalho.
Causou também polémica a proposta de obrigar os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) a prestarem trabalho…
A nossa aposta é na capacitação das pessoas para o mercado de trabalho. E isso é possível também em quem, estando em condições de trabalhar, receba prestações como o RSI. O mais importante para estes beneficiários é devolver-lhes autoestima e hábitos de trabalho. Abdicar dessa condição é manter as pessoas na pobreza. E isso sim é o pior de uma lógica assistencialista.
Vão ser reavaliadas as condições em que uma pessoa poderá aceder ao RSI?
O Rendimento Social é uma prestação de caráter transitório, algo que serve para fazer face a uma dificuldade na vida de uma pessoa e que serve de apoio para ela voltar ao mercado de trabalho. Se há alguém a recebê-la há mais de dez anos, há aqui alguma coisa que está errada. Assim como com quem não cumpre várias condições deste apoio que é a procura ativa de emprego ou pôr os filhos na escola.
A crítica a este subsídio tem sido um dos pilares políticos do CDS nos últimos anos. Com um seu dirigente agora como ministro do setor, muitos se perguntam se não vai haver agora um ajuste de contas com o RSI?
Gostava de lembrar que foi num anterior governo PSD/CDS que, pela ação do então ministro Bagão Félix, se mudou o nome de Rendimento Mínimo para Social de Inserção e a prestação continuou a existir. O essencial é separarmos o trigo do joio: distinguir as situações de fraude e de abuso das outras onde o apoio transitório e inclusivo faz sentido. O que não se justifica é esta prestação ter subido em anos de crescimento económico.
Ao referir o caráter transitório do RSI está a pensar atribuir um prazo máximo de duração do apoio?
Não digo isso, mas teremos de ser muito mais exigentes quando se verificarem sistemáticas renovações da atribuição desta prestação.
No Programa do Governo lê-se: “A redução das desigualdades sociais deve começar, por um lado, pelo combate à apropriação indevida da riqueza, à fraude e à evasão fiscal.” Isto não é uma batalha vã enquanto houver offshores, incluindo em território nacional, que permitam que milhares de milhões de euros saiam de Portugal sem pagar impostos?
A resposta ao fim das offshores é global e veria com bons olhos que essa iniciativa partisse da União Europeia. E, obviamente, os paraísos fiscais são uma variável importante sempre que falamos em evasão ou fraude fiscal. Mas o facto de não conseguirmos acabar com isso com um simples estalar de dedos não significa que não façamos todos os esforços nas áreas onde é possível atuar de imediato para corrigir as injustiças e as irregularidades. Tem de haver uma justa e equitativa repartição dos sacrifícios e impõe-se uma ética social na austeridade.
O ministro da Economia anunciou há dias a criação de tarifas sociais em serviços como os transportes, eletricidade ou gás. Cada ministro terá a sua quota de medidas sociais para apresentar?
Um Governo reduzido pressupõe uma interligação e coordenação entre ministérios. Foi o que aconteceu: a criação dessas tarifas foi uma matéria tratada coordenadamente e é natural que tendo a ver com áreas da Economia, como seja a Energia, tenha sido o ministro respetivo a apresentá-las. Assim como o PES é um programa de todo o Governo e não deste ou aquele ministério.
Até que ponto a sustentabilidade da Segurança Social dependerá de facto da introdução de um plafonamento das pensões?
Há dez anos que se discute a introdução de limites quer nas contribuições feitas à Segurança Social quer no valor das prestações pagas. Qualquer pessoa que olhe até de forma desinteressada percebe que temos a médio prazo um problema de sustentabilidade do sistema. E a sua resolução no médio e longo prazo passará muito por esta discussão sobre a criação de tetos contributivos.
O limite contributivo poderá ser fixado entre os cinco e os sete salários mínimos?
É uma questão ainda a ser estudada, como é o sabermos a partir de que idade é que um trabalhador verá aplicadas a si as novas regras. É essencial ainda que esta reforma seja muito moderada, porque nunca poderemos esquecer a solidariedade intergeracional, na base do sistema de pensões. Mas também nos devemos perguntar se faz sentido que a SS pague um conjunto de pensões que já não tem a ver com essa solidariedade mas sim com a organização e gestão de poupanças a partir de um certo limite. Até pessoas fora da área ideológica do governo veem benefícios na introdução dos tetos. O Dr. Correia de Campos [ex–ministro da Saúde do governo de José Sócrates] chegou mesmo a propor um limite contributivo de três salários mínimos.
A sustentabilidade do sistema não se ressente se os rendimentos mais altos não entrarem?
Temos aqui um problema de mudança de sistema e temos de conseguir financiar essa mudança. Mas as pessoas devem ter a liberdade de descontar ou para o Estado, ou para sistemas mutualistas ou mesmo privados. Para garantir o funcionamento do sistema público, temos de libertar o próprio sistema público. Garantir a parte solidária, até um certo limite. E garantir que, a partir de um certo limite, as pessoas podem escolher. O sistema não tem de ser exclusivamente público.
A idade de reforma pode aumentar para os 67 anos, por exemplo?
Isso não está em cima da mesa, neste momento.
Como responsável pela Segurança Social, não o assusta a descida da Taxa Social Única (TSU)?
Assusta-me muito ter um desemprego tão elevado, porque há menos contribuições a entrar e mais prestações a pagar…
Tudo o que incentivar o crescimento económico é positivo, do ponto de vista da Segurança Social. Mas, como sabe, terá de haver uma alternativa à TSU.
O PES prevê a contribuição social das empresas. As empresas, que mal podem pagar salários, vão ter dinheiro para isso?
Eu sei que a VISÃO é muito sensível ao tema do desenvolvimento sustentável. Ora, um dos pilares desse desenvolvimento é a responsabilidade social. Nós falamos no Fundo de Inovação Social, ligado ao banco de ideias, para descobrir… novas ideias! E hoje há muitas empresas com esta lógica da responsabilidade social e que estão disponíveis para isto.
A redução do tempo de trabalho para efeito de indemnizações por despedimento não vai colocar ainda mais pressão, no quadro dos apoios sociais, e trazer mais beneficiários?
A medida, como ela foi apresentada, aplica-se aos novos contratos, pelo que o problema não se põe assim, no imediato. Mas nós sabemos que há medidas que têm de ser tomadas e que têm impacto social. O PES destina-se, também, a mitigar alguns desses impactos.
O senhor é um dos dois ministros nascidos após o 25 de Abril de 1974, o que é uma novidade. Sente que está a fazer História?
História fizeram-na os capitães de Abril…
Só depois da tomada de posse me apercebi disso, que eu e a Assunção Cristas éramos os primeiros nascidos após a revolução a assumir responsabilidades ministeriais.
Há aqui uma viragem de página. O facto de termos um Governo “curto”, mais compacto, que pode gerar um conjunto de decisões mais partilhadas, é muito importante.
Se juntarmos o facto de haver uma nova geração no poder, podemos ter aqui uma marca própria.
Mas sente no seu íntimo uma vontade pessoal de marcar a sua passagem pelo Governo?
Perante a situação do País, este Governo já vai ficar na História…
Para o bem ou para o mal…
Tem de ser para o bem! Tem de ser para o bem! Portugal não pode falhar. E esse é um sentimento muito forte que se nota no Conselho de Ministros. Queremos ser, na Europa, um caso de sucesso. E o clima político no País é muito diferente.
Mais distendido?
Sim!
Apesar da tensão social que se adivinha, devido às dificuldades económicas?
O problema é que a sociedade estava, do ponto de vista político, muito crispada. E agora, pegando nas suas palavras, o clima está mais distendido.
Ouvindo-o falar, transparece muito empenho e entusiasmo. Preparou-se para esta função específica ou podia ter sobraçado outra pasta qualquer? Ou ainda está a aprender?
Tenho seguido sempre esta área, mesmo do ponto de vista político. É uma área que eu conhecia e já dominava muitos dos dossiês. Mas, ao chegar a este ministério, usando uma expressão brasileira, “estou rouco de tanto ouvir”. Tenho estado a ouvir toda a gente, instituições, pessoas que estão no terreno, pessoas que pensaram muito sobre estas matérias.
Estas linhas de diálogo são também potenciadas pelo facto de o Governo ser um pouco mais jovem.
A diplomacia económica não ficou na exclusiva dependência do MNE (de Paulo Portas). Depois houve o episódio Portas contra Jardim. Finalmente, o facto de Portas não ter sido indicado pelo primeiro-ministro para o Conselho de Estado, ao contrário do que aconteceu no tempo de Durão Barroso… A coligação está bem e recomenda-se?
Vamos ponto por ponto!
Até convém…
Ora bem, sobre a primeira questão: o programa do Governo é claro. E as competências do MNE estão previstas. A tarefa de estudar a melhor solução para a diplomacia económica ficou cometida ao primeiro-ministro. O que foi feito foi o que ficou em programa de Governo.
Mas essa é uma solução diferente do que ambos os programas defendiam…
Eu li também os dois programas. Não diziam exatamente a mesma coisa. Ora, o desenho concreto da melhor solução ficou, depois, no programa de Governo.
Relativamente à Madeira, o acordo político prevê que os órgãos regionais dos partidos são isso mesmo, regionais, e têm a sua autonomia.
Mas não foi o CDS regional nem o PSD Madeira que trocaram galhardetes: foi o líder do CDS, Paulo Portas, ministro de um Governo de coligação com o PSD, que criticou Jardim e Jardim que lhe respondeu….
O que eu ouvi foi um conjunto de críticas do dr. Jardim ao CDS Madeira… Vai haver eleições na Madeira e há uma disputa política normal na região.
Mas houve críticas de figuras importantes do PSD à atitude de Paulo Portas, na Madeira… Marcelo Rebelo de Sousa…
Fê-lo como comentador. Não comento os comentadores. Ora, o CDS mesmo numa coligação, mantém uma voz própria, uma identidade própria, numa história própria. E não vai abdicar desse património. Por isso, é natural que o presidente do CDS, na sua esfera partidária, possa falar. É preciso salvaguardar as diferenças e as esferas de atuação próprias! Quanto à não indicação do dr. Paulo Portas para o Conselho de Estado, isso só demonstra o desapego de cargos…
Desapego forçado, neste caso?…
O dr. Portas podia ter querido ser vice-primeiro ministro e não o pediu. Poderia ter sido n.º 2 do Governo e não o pediu. E podia ter pedido para ser indicado para o Conselho de Estado e não o solicitou. Isto é sinal de um grande desapego.
É um destacado monárquico. Tem tido tempo para as reuniões da Causa Real?
Não e já não tenho funções na direção.
Não tenho tempo para muitas coisas que gosto de fazer. No outro dia, vocês enviaram-me um inquérito em que, num dos pontos, me perguntavam se eu costumo sair à noite. Sim, agora já costumo sair à noite… mas é daqui, do Ministério!
E de que é que abdicou e tem saudades?
Hoje tenho menos tempo para estar com a família. E há outra coisa: correr! Sou viciado em corrida. Nas férias, pelo menos, todos os dias corria os meus 10, 12 km. E mesmo durante a semana, embora sem muito tempo, corria um bocadinho. E ao fim de semana. Agora, não tenho conseguido arranjar tempo. E há ainda outra coisa. Dar aulas. E dar aulas é muito desafiante.
Qual o último filme que foi ver ao cinema?
O Carros 2! [Risos]
E qual foi o último vinho que descobriu?
Assim relativamente pouco conhecido? Talvez um vinho aqui da região de Lisboa (onde fui eleito deputado): de Torres Vedras, um vinho chamado Pynga. Com ipslon. Eu valorizo muito, na escolha de um vinho, a boa relação qualidade-preço. Há vinhos muito bons mas estupidamente caros. Quando começamos a perceber um pouco mais de vinhos, bebemos menos e gastamos mais… E às vezes os preços não são racionais.
Como benfiquista, quer fazer algum prognóstico para esta época?
[Hesita] Como?… Não querem voltar ao tema da coligação?… [Risos]