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Filipe Luís: Maioria de esquerda?
Debate ao jantar do comentador. Comida leve, condicionada pela indigestão do Dinamarca-Portugal: queijo fresco com massa pimenta dos Açores, camarão cozido, espumante bairradino. Tosta com compota de figo. No ecrã, Jerónimo e Sócrates entendem-se…
Claro que o “parlapiê” de José Sócrates, face ao discurso esforçado de Jerónimo de Sousa, não podia perder este debate. Mas o que interessa não é saber quem ganhou ou perdeu, mas sim – cheira-me… -, como prepararam, ambos, o cenário pós eleitoral. Ora vejamos.
Gravatas de esquerda
Ambos são do Benfica. Mas não foi por isso que escolheram gravatas encarnadas…
Discurso de esquerda
José Sócrates neutraliza Jerónimo, logo na primeira intervenção. Despeja o seu rol de políticas sociais e fala-lhe ao coração: a direita fazia isto? Jerónimo, delicado, sem instinto matador, parece anestesiado. Mais nervoso do que é hábito, morno e, sobretudo, pouco preparado. Sem trabalho de casa para entalar Sócrates.
Código laboral
Já vamos a mais de meio do debate e entre tantas mesuras – Jerónimo parce encantado com a consideração com que Sócrates o trata… – finalmente uma farpa: o líder do PCP esfrega o Código do Trabalho no nariz do primeiro-ministro.
Os ricos que paguem a crise
Segunda farpa de Jerónimo: o povo sofre e os ricos escapam incólumes. O poder financeiro, o poder económico… É a voz do povo. Sócrates foge e não responde.
É a realidade, estúpido!
De repente, o comunista, que adormecera de novo, acorda do som do violino “socrático”. Ainda estremunhado, dispara: “O primeiro-minisdtro descreve um país que eu não conheço.” Pela primeira vez – e estamos no fim – põe Sócrates na defensiva.
A GRANDE COLIGAÇÃO
José Sócrates, por ventura o mais “direitista” secretário-geral da história do PS, pode ser o primeiro a fazer uma coligação de Governo com os comunistas. Directamente confrontado com a possibilidade, não a nega – “não é isso que está agora em discussão”, disfarça. A todo o custo, passa a mão pelo pêlo de Jerónimo e do eleitorado comunista. Afinal, sustenta, estamos do mesmo lado da barricada, contra a direita. Será curioso ver o seu comportamento, por contraste, quando surgir o debate com Francisco Louçã, a besta negra dos socialistas…
Entretanto, Jerónimo de Sousa desmente o semanário Sol: ele nunca disse que não faria uma coligação com o PS enquanto os socialistas fossem liderados por Sócrates. Está estendida uma passadeira tão vermelha como a cor das gravatas.
Admirados? Estou a delirar? Não pode ser? … Ora, desde que vi um porco a andar de bicicleta…
José Carlos de Vasconcelos: Um debate ‘delicado’ e equilibrado
O debate entre José Sócrates e Jerónimo de Sousa foi menos conflitual, ou no mínimo menos “conflituoso” (no tom), e teve maior “delicadeza” do que se esperaria, atendendo ao histórico das relações entre o PS e o PCP e dos confrontos entre os dois líderes na Assembleia da República (“delicadeza”, para usar a palavra com que recentemente o primeiro-ministro classificou como pretendia fossem as futuras relações de um seu Governo com os professores…).
É certo que no essencial ambos repetiram as posições e os argumentos já conhecidos, mas fizeram-no sem agressividade e no que me pareceu ser uma intenção de não agravar as feridas em aberto e não fechar definitivamente portas. A menos que nem haja essa intenção e o que existe seja apenas a consciência deste facto verdadeiro: nos debates televisivos, tão ou mais importante do que o que se diz é a forma como se diz – e em geral só se ganha, eleitoralmente, em ter uma “postura” tranquila, cordata, se possível cordial… Mormente se, como é o caso de Sócrates, se for tido como “arrogante”, ou, como é o caso de Jerónimo, se for secretário-geral de um partido que ainda assusta muita gente…
Isto tudo sem prejuízo do líder comunista manter, claro, a acusação de que o Governo fez uma política de direita – e, naturalmente, a questão do Código de Trabalho foi aquela que mais acentuou – e perguntar, em resposta a uma pergunta Sócrates, o que é que separa PS e PSD nas “questões estruturantes”. Mas também é verdade que, logo no início, não refutou ou não teve como refutar que neste momento, do ponto de vista programático, essa separação existe pelo menos quanto à intervenção, ou maior intervenção do Estado, (que o PS defende e o PSD não), quanto ao Serviço Nacional de Saúde, escola pública, etc. Já quanto à posição relativamente ao sector financeiro e à “intocabilidade” de grande capital, foi Sócrates que nada disse…
Em suma, e não entrando em diversos outros pontos (por exemplo: Sócrates, logo no início, num apelo ao chamado “voto útil”, a enfatizar que a escolha fundamental era saber quem ia governar, e isso só poderia ser o PS ou o PSD, e Jerónimo a negar essa visão e recordar que as eleições são para o Parlamento), foi um debate equilibrado. No qual, de acordo com os critérios ‘vulgares’, Sócrates aparentemente ganhou, por estreita margem, mas nada garante tenha ganho do ponto de vista da conquista de votos – para a qual, de resto, penso que o debate teve pouquíssima relevância.
Última nota, creio que importante: continua a falar-se muito do presente, e do passado recente, e muito pouco das proposta programáticas e do futuro.
Pedro Camacho: Útil para quem?
Num debate de geometria variável, José Sócrates optou por um discurso de vitimização, enquanto alvo preferencial das críticas do PCP, e de autojustificação, num esforço contínuo de mostrar que ainda merece o rótulo de “esquerda”. Jerónimo de Sousa, por seu turno, esforçou-se por desmontar o raciocínio viciado do voto útil, e por demonstrar que a fronteira entre direita e esquerda não começa exactamente no mesmo sítio para toda a gente.
Ficou claro que PS e PCP são dois projectos políticos que continuam inconciliáveis em questão elementares – e só mesmo outro PS poderá um dia fazer qualquer tipo de coligação coerente com este PCP, apesar de todo o caminho que já fez desde a saída de Cunhal. Não há entendimento em matéria de Segurança Social, em matéria de Educação, em matéria de Emprego, em matéria de Saúde, em matéria fiscal, em matéria geral de intervenção do Estado na Economia. Tudo isso ficou claro e, em muitos casos, sem precisar sequer de mais discussão, bastaram apenas leves referências.
A intervenção de Sócrates foi inteligente: acusar o PCP de favorecer a direita por só atacar o PS, e defender as medidas do Governo contrapondo-as ao que faria, não o PCP, seu interlocutor naquele debate, mas um Governo do PSD. Ou seja, ignorando os comunistas, afirmando o PS como opção válida para qualquer eleitor de esquerda e, ao mesmo tempo, agitando o verdadeiro papão da direita.
O líder do PCP voltou a mostrar que não é propriamente talhado para este género de combate político. O seu grande trunfo, a imagem de seriedade e de convicção naquilo que diz, começa a ser claramente insuficiente para sustentar um discurso que, embora coerente – assente na ideia de que, onde há um combate pela causa social, o PCP está lá -, é pouco claro e pouco estruturado, e fechado num grupo de ideias que se repetem até à exaustão.
Jerónimo de Sousa foi pouco incisivo nos argumentos, porque os sustenta mal, e mole nas áreas que escolheu para este debate, porque não conseguiu trazer para a discussão nenhum dos temas que incomodam o primeiro-ministro. Até mesmo na questão da TVI, levada para a mesa pela jornalista Judite de Sousa, quem pareceu ter ficado à defesa foi Jerónimo e não Sócrates.
Este frente-a-frente foi frouxo. O que, uma vez mais, favoreceu Sócrates e não Jerónimo. No entanto, o líder do PS parece ter jogado, uma vez mais, apenas para um empate, tendo por objectivo principal apenas não perder votantes para o PCP. Mas também é pouco provável que tenha convencido algum comunista a votar PS.
A estratégia pode ter resultado com Jerónimo de Sousa, mas é duvidosos que resulte com Louça. E o problema do primeiro-ministro é que, neste momento, não lhe basta apenas não perder mais votos para a esquerda. Tem mesmo de os ir lá buscar.