Nas últimas semanas, a Praça de Espanha, um dos mais importantes pontos de passagem da capital, sofreu profundas alterações. E isso deveu-se, exclusivamente, à invasão daquele espaço – que, durante um ano, teve como único habitante um outdoor do Bloco de Esquerda, pontualmente acompanhado por outro, da JSD – por cartazes da campanha para as europeias.
Não foi só ali que, em Abril, se começaram a insinuar Nuno Melo (CDS), de braços cruzados, ao lado de Francisco Louçã e Miguel Portas (Bloco de Esquerda) ou Manuela Ferreira Leite, tardiamente substituída pelo candidato Paulo Rangel (PSD). Rotunda que se preze converte-se, por esse País fora, numa alegre cacofonia de cores e slogans, implicando riscos acrescidos para a circulação rodoviária matinal.
O irónico é que praticamente nenhum dos mamarrachos plantados na paisagem urbana fala daquilo que os eleitores portugueses mais esperam de um candidato ao Parlamento Europeu. Ou seja, segundo uma sondagem elaborada, em Abril, para a Fondation pour l’Innovation Politique nos 27 países da União, sobretudo do empenho no aumento do financiamento europeu da educação (39%) e do serviço nacional de saúde (39 por cento). Não é assim que se cativa um eleitorado, do qual, de acordo com o mesmo estudo, 55% se dizem pouco ou nada interessados nas eleições europeias.
“Encher uma rotunda de cartazes de pouco serve, além de piorar a paisagem. Excesso de comunicação vira ruído.
E ruído não serve para dizer nada”, comenta o brasileiro Edson Athayde, publicitário multipremiado e “marketeiro” político, que “ganhou” as eleições de 1995 para António Guterres.
“Não há um cartaz a falar da importância destas eleições. E, em vez dos fundamentos, menciona-se o supérfluo”, salienta, por seu lado, Carlos Coelho, uma das referências nacionais no que diz respeito à construção e gestão de marcas.
Mensagens ao lado
“Em alguns casos, a mensagem tem sido exactamente ao lado”, nota um veterano do marketing político, que prefere não ser identificado, dando como exemplo um dos primeiros cartazes do PS – aquele que fazia alusão à introdução do euro. “Isso quando as pessoas têm associado a entrada no euro ao aumento do custo de vida”, destaca. Ainda no início do ano, fora o próprio Governo a reconhecê-lo implicitamente, através do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado.
O consultor de comunicação Salvador da Cunha, presidente do grupo Bairro Alto, considera que as segundas vagas de cartazes, chegadas pouco antes do arranque oficial da campanha eleitoral (na segunda-feira, 25), são bem melhores do que as primeiras.
Já para o crítico de televisão Eduardo Cintra Torres, a falta de comunicação dos cartazes deve-se à necessidade de prudência, uma vez que aquilo que se espera dos partidos é seriedade. “São cartazes de instituições e não para anunciar produtos”, afirma.
Menos brando, Carlos Coelho é corrosivo na sua avaliação: “Estes cartazes revelam a forma como cada partido respeita o eleitorado.”
O problema só se explica, em parte, pelo facto de os partidos estarem a recorrer, nesta campanha, mais à prata de casa do que a profissionais contratados. Pelo menos, é esse o seu discurso oficial. O PSD, por exemplo, não contratou qualquer agência de comunicação e o PS recorreu a duas, embora o grosso da sua propaganda seja preparado pela “equipa que está no Largo do Rato”. Não é raro as máquinas de propaganda partidárias serem reforçadas por militantes ou simpatizantes especializados. É esse o caso do Bloco, que conta com o realizador João Salaviza, que acaba de ganhar a Palma de Ouro para curtas-metragens, no Festival de Cannes (ver pág 126).
Ingrediente importante
Carlos Coelho critica a desatenção dos partidos ao que os liga à sociedade: “Tratam a comunicação como mal necessário, em períodos eleitorais. Só acordam nestes momentos e fazem-no com fórmulas de há dez anos.”
Tais fórmulas têm como um dos principais ingredientes os cartazes – um meio omnipresente na comunicação política portuguesa, lembra Edson Athayde. Em média, na presente disputa, os partidos portugueses com assento no hemiciclo de Estrasburgo canalizaram 41,2% dos seus orçamentos de campanha para a rubrica “promoção, comunicação impressa e digital”, que inclui aquele meio. Se fosse ele a decidir uma campanha, Salvador da Cunha alocaria menos recursos para outdoors.
Estes são, ainda assim, uma das formas de comunicar mais eficazes. “Estão no espaço público e interpelam-nos colectivamente. A sensação que nos suscitam vivemo-la na rua.”
Edson Athayde anui, mas lembra que há uma diferença entre comunicação e poluição visual. E acrescenta que, infelizmente, se transformaram num meio. “É pena, pois um cartaz serve para sublinhar um posicionamento ou discurso. Não para ser dono do próprio discurso. Trata-se de um meio muito sintético, de certa maneira ‘burro’, não permitindo aprofundar qualquer mensagem.”
Lá fora
A força das agendas nacionais
>> Na Suécia, o Partido Pirata, do activista Christian Engstrom, pode eleger um deputado. Principal proposta: combater as leis de copyright e patentes tornando gratuitos todos os conteúdos da net. As agendas nacionais prevalecem sobre os temas europeus.
>> Em França discute-se o balanço de dois anos de Sarkozy.
>> No Reino Unido, a discussão centra-se nas despesas ilícitas dos parlamentares e, em Itália, as atenções vão para a agenda amorosa de Berlusconi.
>> Na Alemanha, impõem-se as legislativas de Setembro. Aliás, entre as eleições europeias e o final do ano, há actos eleitorais em sete países da UE.
>> A Dinamarca referenda, dia 7, se os homens devem deixar de ter preferência na linha de sucessão dinástica.
>> O Luxemburgo vota nessa data um novo Parlamento. Em Julho, seguem-se os búlgaros e, em Outubro, os checos. Nesse mês,
na Roménia, realiza-se a primeira volta das presidenciais. Só na Irlanda se discute a Europa, com o segundo referendo ao Tratado de Lisboa, em Outubro.