A The Unconnected ajudou “mais de 45 mil famílias” a ficarem conectadas no último mês, ao dirigir-se à Roménia – onde esteve a trabalhar junto à fronteira com a Ucrânia – e depois à Alemanha, num centro de refugiados em Berlim. A organização, com sede no Reino Unido, tem como principal objetivo garantir que são cada vez menos os cidadãos em situação de exclusão digital no mundo.
Em tempos de guerra, essa necessidade aumenta de nível, com os refugiados a precisar de contactar amigos, familiares ou mesmo iniciar pedidos de vistos ou de residência nos países que os acolhem. A VISÃO tinha falado com os responsáveis da organização antes da partida para saber qual o plano de atividades, e voltou ao contacto para saber se a missão foi bem sucedida.
“Foram dias muito intensos. Na primeira semana, na Roménia, tivemos de conduzir durante seis horas até à fronteira onde iniciámos os trabalhos”, relatou Mea Thompson à VISÃO. Primeiro foi muito bonito de ver, todas as ONG a trabalhar lado a lado, as montanhas de roupa, de comida, de brinquedos e até um palhaço a tentar entreter as crianças que esperavam para atravessar, ou por ajuda”.
A Diretora de Operações da organização britânica relata que num primeiro momento a confusão das pessoas era visível, ao não saber onde se dirigir, com vários autocarros alinhados à espera de os conduzir a diversos países – as folhas A4 presas aos vidros indicavam os destinos.
É aqui também que têm estado as ONG que combatem o tráfico humano, que já é uma realidade, tanto para fora como para dentro da Ucrânia e que está a tentar ser travado por estas organizações com muita experiência em teatros de conflito. “Não deixa de ser impressionante como há pessoas cruéis a aproveitar-se desta situação”, relata Mea.
Na Roménia, continua, “estava imenso frio, as pessoas tinham deixado de ter bateria, muitas tinham telefones que deixaram de funcionar porque o roaming não estava ativado. Portanto, num primeiro momento carregámos telefones e distribuímos novos cartões SIM e foi muito emocionante ver aquelas pessoas, mulheres e crianças, que a primeira coisa que faziam era tentar ligar para os maridos ou irmãos que tinham deixado na Ucrânia. E houve momento de alívio, quando eles atendiam o telefone, que eram realmente belos, mas outros muito tristes, quando ninguém respondia do outro lado”.
A responsável da The Unconnected lembra que os refugiados que agora chegam às fronteiras da Ucrânia são muito diferentes daqueles que o fizeram nas primeiras semanas – “esses fugiram antes de o conflito começar. Estes fugiram por entre a guerra!”.
E recorda a história de uma mãe que viajava com os três filhos, que teve de atravessar uma zona onde soldados russos torturavam ucranianos, e que contou como ela e os mais velhos se revezaram a tapar os olhos do filho mais novo para que ele não guardasse a memória das atrocidades. “Como mãe, isto tocou-me profundamente”, refere desde casa, numa videochamada com a VISÃO. “Assim que ela terminou a história, demos telefones com desenhos animados e jogos às crianças, para tentar que fizessem novas memórias e esquecessem o que tinham passado”.
Também houve o caso da criança que quis voltar a correr para os braços do pai, que os trouxe até à fronteira, mas que a não pode atravessar. “São cenas de cortar o coração”. No entanto, explica, foi importante estar no terreno a perceber de que forma podem tornar a ajuda mais efetiva, e a ligarem-se a ONG’s que trabalhando em rede com a The Unconnected permitirão uma maior eficiência dos recursos que vão escasseando.
Também houve o caso da criança que quis voltar a correr para os braços do pai, que os trouxe até à fronteira, mas que a não pode atravessar
Em Berlim, para onde foram uma semana depois de saírem da Roménia, os responsáveis da The Unconnected encontraram outra realidade. Nos centros de refugiados que visitaram, as pessoas já estavam a viajar há algumas semanas e demonstravam elevados níveis de stress – ao contrário daquelas com quem se cruzaram na Roménia, cujo sentimento predominante era o de alívio.
Também na Alemanha a The Unconnected está a trabalhar com ONGs – entre elas a Unicef ou a Cruz Vermelha – que continuam no terreno, assumindo assim o papel de uma espécie de hub que liga os operadores de telecomunicações e empresas que fazem donativos com as necessidades reais do terreno, através destas organizações. “No fundo, estamos a tentar que agora a conectividade faça parte de uma espécie de kit básico: entrega-se roupa, comida e um telefone com ligação telefónica e à internet”.
E, apela, agora é a hora de não baixar os braços, porque as doações que receberam não vão chegar para muito mais. “As pessoas estão a ficar cansadas de ver, de ouvir falar da guerra, e também estão a ficar cansadas de escrever sobre a Ucrânia”, admite. “Os pedidos de ajuda começam a aumentar e as pessoas estão tão cansadas que começam a deixar de ajudar”, lamenta a operacional, que aproveita para lançar o apelo:
A campanha Unconnect 24 insta as empresas de qualquer país a fazer uma desintoxicação digital, convidando os trabalhadores a desligarem-se durante 24h, e fazendo em nome de cada um uma doação à The Unconnected. “Desconecte-se para ajudar a conectar”, pede com um sorriso.
A título individual, qualquer pessoa pode fazer uma doação diretamente à The Unconnected, que transformará a verba em conectividade, não apenas para os refugiados da Ucrânia para também para projetos locais se for essa a vontade dos doadores – ou as necessidades mais prementes.
Esta semana, Mea Thompson vai à escola do filho, de 4 anos, falar sobre a sua experiência no terreno. É que quando ele contou que a mãe estava na Ucrânia a ajudar os refugiados, todos os meninos do infantário se juntaram para recolher tampinhas de plástico que converteram em €20 para doar à organização na qual ela trabalha.
Porque pessoa a pessoa se pode mudar o mundo. E €20 são muitos minutos de conversa entre o lado de cá da fronteira e o terreno bélico da Ucrânia. Minuto que podem sossegar corações e mudar vidas.