O neologismo utilizado por Boris Johnson faz sentido. Grozny foi considerada a cidade mais destruída do planeta pela ONU, depois de ter sido pulverizada pelos russos em 1999. Agora, o primeiro-ministro britânico receia que Vladimir Putin faça a Kiev o mesmo que fez à capital chechena.
“Acho que [Putin] entrou num beco sem saída e é muito difícil para ele desistir”, disse ontem Boris Johnson, numa entrevista à ITV News, na Estónia. “O seu único instinto será apostar e tentar ‘Groznyficar’ Kyiv e reduzi-la a [escombros]; seria uma catástrofe humanitária moral irreversível e espero que não faça isso. Espero que ele tenha a sabedoria de ver que deve haver um caminho melhor a seguir, que precisa de desengatar a coluna de tanques, com 40 km de comprimento, em direção a Kyiv, de colocar esses tanques em marcha-atrás ou virá-los, e essa é a primeira coisa a fazer.”
Em dezembro de 1994, Boris Ieltsin, então Presidente da Rússia, começou por enviar 40 mil soldados para a auto-proclamada República da Chechénia, para evitar a separação da região. Durante quase dois anos, o exército russo e os combatentes chechenos travaram uma guerra que terá custado a vida de mais de 50 mil civis.
Em maio de 1997, Ieltsin e os líderes chechenos assinaram um tratado de paz. Mas logo em 1999, Putin retomaria o conflito armado, virando costas ao acordo assinado dois anos antes.
Em dezembro de 1999, quando repórteres do Guardian chegaram à fronteira da Geórgia com a Chechénia, um soldado despediu-se deles em inglês: “Bem-vindos ao inferno”. Na estrada à sua frente havia crateras com dez metros de profundidade e, horas depois, quando os jornalistas finalmente entraram em Grozny, encontraram uma cidade quase deserta. Só sobravam combatentes, que lhes pediram: “Mostrem ao mundo o que está a acontecer aqui.”
Após as duas guerras com os russos, a capital chechena seria comparada com Dresden, na Alemanha, cidade devastada pelos bombardeamentos dos Aliados, em 1945. Não admira. Em 1999, Putin ordenara a destruição completa de Grozny e, nas suas próprias palavras, os militares russos “cumpriram sua tarefa até o fim”.
O que aconteceu em Grozny fez escola. Em 2018, quando a região síria de Guta Oriental, o principal reduto da oposição nos arredores de Damasco, estava a ser alvo de violentos bombardeamentos, o mundo reconheceu ali a estratégia de ataque russa durante a tomada da capital da Chechénia pelos generais de Putin.
“O que estamos a ver é uma estratégia que empregaram as tropas russas durante a guerra chechena”, explicaria à BBC Mundo Richard Weitz, diretor do Centro de Análise Político-Militar do Instituto Hudson, um think tank sediado em Washington. “É uma estratégia que consiste em fortes bombardeamentos que procuram destruir o mais possível, causar o maior dano ao alcance das bombas, para aterrorizar os civis, obrigá-los a que tratem de fugir, e, depois, atacar por terra as forças inimigas que fiquem no terreno.”
Os analistas militares chamam-lhe mesmo “doutrina Grozny”, por ter sido lá que foi aplicada pela primeira vez pelos russos. Embora tenha antecedentes históricos: durante a Segunda Guerra Mundial, também se começava por devastar as cidades com bombardeamentos para facilitar a entrada de tropas terrestres e da artilharia pesada.