Acerca das guerras, como já testemunhamos várias vezes e em tantas delas de forma dramática, sabemos como começam, mas desconhecemos sempre como e quando acabam. Desta vez, no entanto, as coisas são ligeiramente diferentes. Já sabemos que a próxima grande guerra comercial, segundo o anúncio feito no sábado por Donald Trump, vai iniciar-se precisamente às 12.01 de amanhã (presume-se que seja o horário de Washington…), quando entrarem em vigor as tarifas de 25% sobre as importações do Canadá e do México, e de 10% sobre as da China – um valor que, neste caso, se soma às que já estavam em vigor.
Ao que tudo indica, este será apenas o primeiro tiro de uma guerra que, nos próximos tempos, deverá atingir muitos outros países e blocos económicos. Por isso, a sua duração é, neste momento, completamente imprevisível. Até porque, como acontece sempre, as guerras aumentam de intensidade à medida que os dois lados se vão atacando mutuamente: após um ataque é sempre preciso esperar uma contraofensiva. E, acima de tudo, muitos efeitos colaterais em países que, como se diz em linguagem corrente, sofrem consequências “por tabela”.
É precisamente por isso que esta guerra comercial anunciada por Donald Trump deve preocupar o mundo. Embora as tarifas sejam dirigidas apenas, para já, aos vizinhos diretos dos EUA e ao seu adversário estratégico, ninguém duvida que, dentro em breve, elas irão ser impostas às importações de muitos outros países – nomeadamente às da União Europeia.
As consequências deste clima bélico – embora ainda apenas circunscrito às questões comerciais – são desconhecidas. A generalidade dos economistas acredita que esta guerra comercial irá ter consequências globais, fazendo abrandar os índices de crescimento económico e, com isso, criar um sentimento de incerteza em muitas empresas e, consequentemente, atingir diretamente a vida de milhões de pessoas, em todos os continentes.
Há quem garanta que se vai assistir a novos aumentos de preços e ao regresso de alguma espiral inflacionária. E, acima de tudo, a uma interrupção das regras em que assentou o comércio mundial nas últimas duas décadas.
Independentemente de tudo, o que podemos ter a certeza, a partir de agora, é que, com Trump, a noção de “América primeiro” significa uma “América isolada”. Ele vai tentar impor a sua lei já não pela força das armas (por enquanto…), mas definindo as regras de entrada no seu valioso mercado interno, com mais de 340 milhões de consumidores. Sem querer saber de mais ninguém, muito menos de quem já foi aliado de Washington.
Os EUA são o maior importador mundial e, por isso, ocupam uma posição fundamental para o comércio externo de metade dos países do planeta. Mais de 70% das exportações do Canadá e do México são para o seu vizinho de fronteira. Durante décadas, empresas dos três países da América do Norte beneficiaram dessa aliança, criando cadeias de abastecimento que exploraram o melhor de cada um: a força de trabalho barata do México, as matérias-primas do Canadá e a inovação tecnológica dos EUA.
Este modelo foi replicado, de certa forma, em outras partes do mundo, criando situações de dependência mútua, mas que foram beneficiando muitos países, nestes anos de intensa globalização, como foi o caso da Irlanda (que envia um terço das suas exportações para os EUA), mas também da Índia, do Vietname e do Cambodja, em relação a produtos têxteis.
A verdade, no entanto, é que os EUA consumem mais do que aquilo que produzem. E esta guerra de tarifas terá, imediatas consequências para os consumidores americanos: não só os produtos importados ficarão mais caros, como isso também acontecerá com os que forem fabricados no país com matérias-primas estrangeiras. Sabe-se, por exemplo, que no complexo processo de fabrico de automóveis, muitas peças e componentes saltitam várias vezes entre fronteiras, ficando a partir de agora, sujeito a novas e pesadas tarifas.
A força dos EUA é também a sua fraqueza: a guerra de tarifas pode ter um efeito ricochete que, porventura, Trump pode não ter antecipado. O Canadá, o México e a China já anunciaram que vão retaliar. Da mesma forma que também já a Europa afirmou que não deixará a Gronelândia cair em mãos americanas – por maiores que sejam as tarifas que Trump possa querer impor, como retaliação.
Os dados são já do conhecimento de todos. O clima de confronto está instalado e o risco de escalada do conflito e de disrupção do mercado mundial é evidente. A guerra vai iniciar-se dentro de momentos. E o seu desfecho, como sempre, será incerto. Com uma certeza, porém, como em todas as guerras: os mais pobres serão as principais vitimas.